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UE diz que não dará “passeio grátis” ao Brasil na Rodada Doha

Peter Mandelson, o comissário europeu para Comércio, mandou ontem um duro recado ao Brasil: “Não haverá passeio grátis” na Rodada Doha, a ronda de negociações comerciais, lançada na capital do Qatar em 2001 e desde então semiparalisada.

Traduzindo: se o Brasil (e os demais exportadores agrícolas) quiser uma redução substancial do protecionismo europeu na área, terá que fazer concessões igualmente substanciais em setores de interesse da União Européia. Setores especificados por Mandelson ontem: liberalização em serviços e produtos manufaturados.

As declarações do comissário (uma espécie de ministro) foram feitas ao abrir seminário sobre a política comercial européia para um grupo de jornalistas do G20, o conglomerado de países em desenvolvimento criado por iniciativa de Brasil e Índia, justamente para pressionar por uma abertura do setor agrícola no países ricos.

A tese que o Itamaraty mais difunde é simples: enquanto em manufaturas e serviços houve forte liberalização desde a Rodada Uruguai, o ciclo anterior de negociações encerrado em 1994, a agricultura segue superprotegida. A UE reserva 45% de seu Orçamento de US$ 156 bilhões para a área agrícola, o que dá US$ 70 bilhões.

A frase de Mandelson foi dita justamente em resposta à pergunta da Folha sobre a tese do Itamaraty, pergunta cortada pela resposta em uma só frase: “There will be no free ride” (na Rodada Doha). Ainda que a resposta seja a clássica tática negociadora de pressionar os parceiros a melhorar suas ofertas, é um mau sinal: faltam só dois meses para a Conferência Ministerial de Hong Kong, destinada justamente a dar um salto nas negociações. Se o jogo ainda está nesse nível, fica difícil alcançar um acordo substancial na reunião ministerial, a máxima instância da Organização Mundial do Comércio.

Tanto é assim que Mandelson já reduz a importância do encontro de dezembro: “Hong Kong não é o ponto de chegada [da Rodada Doha], que será em 2006, para poder ser posta em vigor em 2007”.

Refere-se a 2007 por ser o ano em que vence a TPA (Trade Promotion Authority, uma autorização do Congresso dos EUA para que o Executivo negocie acordos comerciais para a Casa apenas aprová-los ou vetá-los depois em bloco, sem poder emendá-los).

Sem a TPA, o poder negociador dos EUA, a principal máquina econômica do planeta, ficaria bastante prejudicado. O que faltou dizer é que o prazo para a conclusão das negociações da Rodada Doha era 2005. Passou sem sombra de acordo, depois do estrepitoso fracasso da Conferência Ministerial de Cancún, há dois anos.

O que os europeus pedem do Brasil, na área de serviços, é mais abertura nas áreas financeira, de telecomunicações e transporte marítimo, demanda aliás que está também sobre a mesa na negociação União Européia/Mercosul, igualmente estancada.

O Brasil já abriu consideravelmente o setor de serviços, mas há travas legais que assustam investidores europeus. Caso dos bancos, para os quais vigora ainda cláusula constitucional que exige que o presidente da República dê aval para a instalação de um banco estrangeiro no país ou para a ampliação de seus negócios. As autorizações pedidas não foram negadas, mas fica sempre a hipótese de vetos presidenciais no futuro.

Já na área de investimentos, a demanda européia é pelo chamado tratamento nacional. Ou seja, o capital estrangeiro quer ser tratado, no Brasil, exatamente como o capital nacional.

Para fechar o círculo de pressões, a Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado antecipa que a negociação agrícola será feita só no âmbito da Rodada Doha, não no birregional, ou seja, entre UE e Mercosul. Se não haverá “passeio grátis” na Rodada Doha, tampouco haverá, por extensão, entre europeus e o Mercosul, emperrando outra negociação comercial importante.

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