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Tratoraço em Bruxelas

Os protestos de milhares de produtores concentrados em Bruxelas, diante da sede da Comissão Européia, dão uma boa idéia de como os europeus vão resistir a todo esforço mais sério de reforma do comércio agrícola. A manifestação na capital belga, com tratoraço e outros ingredientes igualmente ruidosos, foi para pressionar os ministros da Agricultura do bloco a resistir a mudanças na política do açúcar que foram propostas pela comissária agrícola da UE, Marianne Fischer Boel, como primeiros passos para a liberalização do setor. Não podemos continuar com o mesmo mecanismo, disse a comissária. Sua proposta inclui uma redução de 39% no preço mínimo do açúcar no prazo de dois anos e de 32,5% no da beterraba. Mesmo com esses cortes, o preço mínimo europeu continuará superior às cotações do mercado internacional e os produtores do bloco ainda serão muito protegidos.

As mudanças propostas pela comissária Fischer Boel poderiam servir a três objetivos.

Seriam, para começar, uma primeira reação positiva à condenação da política européia pela Organização Mundial do Comércio (OMC), no final de um processo aberto por Brasil, Austrália e Tailândia.

Em segundo lugar, poderiam aplainar o caminho para o prosseguimento das negociações de comércio da Rodada Doha. Sem um avanço perceptível no capítulo da agricultura, a conferência ministerial da OMC programada para dezembro em Hong Kong provavelmente fracassará.

Em terceiro lugar, a reforma da política agrícola da UE, defendida com maior entusiasmo pela Inglaterra e pela Alemanha, é uma necessidade financeira para o bloco. Iniciada timidamente há alguns anos, a mudança tornou-se mais importante com o ingresso de 10 novos sócios, que também terão direito aos subsídios do orçamento comunitário.

Em junho do próximo ano vai expirar a atual política açucareira da UE. Isso torna obrigatória a rediscussão do assunto, seja qual for a resistência política às mudanças.

Os países que pagam mais do que recebem têm maior interesse em limitar as subvenções à agricultura. Inglaterra e Alemanha estão nessa condição e lideram o pequeno grupo que já se manifestou a favor da mudança da política do açúcar. Dinamarca, Suécia e Estônia estão nesse grupo.

França, Itália, Espanha, Polônia, Grécia, Portugal, Finlândia e Irlanda estão na linha de frente da oposição à mudança na política do açúcar e, de modo geral, à reforma do comércio agrícola. O presidente francês, Jacques Chirac, disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada, que os europeus aceitarão a liberalização desse comércio desde que os americanos também aceitem. Em Gleneagles, na Escócia, na reunião do Grupo dos 8, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, desafiou os europeus a extinguir até 2010 os subsídios à exportação de produtos do agronegócio. Provavelmente sabia que a resposta seria negativa, apesar do apoio de alguns grandes países.

Os mais otimistas dirão que o açúcar é um caso especial, um dos chamados produtos sensíveis para os quais a UE tentará obter, nas negociações globais, um tratamento diferenciado. Isso é verdade, mas não há sinal de que se disponha a aceitar facilmente mudanças importantes para os demais produtos.

Além do mais, pode-se perguntar, diante da resistência à redução do preço mínimo para o açúcar, se a UE cumprirá as determinações da OMC a respeito dos subsídios à exportação. O Brasil venceu o processo, mas nada garante, por enquanto, que as determinações dos juízes sejam cumpridas e que o assunto se resolva sem que seja preciso recorrer ao direito de retaliação comercial.

A comissária Marianne Fischer Boel está convencida de que é preciso negociar e aceitar mudanças para que a reforma do comércio internacional se concretize.

Mas não pode ir além dos limites autorizados pelos governos europeus. Também o comissário para o Comércio, Peter Mandelson, principal negociador da UE, tem de respeitar esses limites, apesar de ser conhecido como defensor do livre comércio. A discussão sobre o açúcar parece um mau agouro.

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