Mercado

Sertãozinho

José Carlos Botelho de Lima, Edgar Damasceno Ferreira e Ernesto Aparecido Cantolini, operadores e programadores de máquinas, são aprendizes de empresário. Junto com um sócio, Rubens Garcia, os três arrendaram dois tornos mecânicos Nardini — encostados depois de 15 anos de uso na empresa onde ainda trabalham — para criar o próprio negócio, a Sisert, uma prestadora de serviços de usinagem. Há dois meses, instalaram-se na incubadora de empresas mantida pelo Sebrae em parceria com a prefeitura da cidade em que vivem: Sertãozinho, de 98 000 habitantes, a 350 quilômetros de São Paulo. Por enquanto, no tempo que sobra do emprego fixo, fabricam peças por encomenda para manter a recém-nascida Sisert andando.

Mas o que eles querem mesmo é criar algo diferente — um equipamento de manutenção de tornos que seja suficientemente leve para ser levado até as fábricas dos clientes. Assim, eles não precisariam mais mandar para fora as pesadas máquinas na hora da manutenção.

Os sócios da modesta mas ambiciosa Sisert encarnam a terceira geração dos empreendedores que fizeram de Sertãozinho o pólo industrial da rica região canavieira do norte de São Paulo. Em torno da vizinha Ribeirão Preto, a capital regional, cultiva-se quase 17% de toda a cana-de-açúcar colhida no estado, o maior produtor do país. Nascida na metade do século 20 fabricando moendas e caldeiras para extrair o açúcar e o álcool de toda essa cana, a indústria de Sertãozinho cresceu, diversificou-se e prospe ra hoje no embalo da explosão da agricultura brasileira. A onda do agronegócio também engorda as vendas de tradicionais fabricantes de implementos agrícolas da região, como a Marchesan, de Matão, a Jumil, de Batatais, e a Santal, sediada na própria Ribeirão Preto. Elas fabricam desde simples arados de tração animal até grandes máquinas para plantio de grãos e colheita da cana. Todas estão aumentando seu quadro de pessoal e prevêem neste ano ganhos de faturamento acima de 35% sobre os números de 2002.

Uma cadeia complexa de comércio e serviços também pega carona no agronegócio e faz da região de Ribeirão Preto, com 85 municípios e cerca de 2,8 milhões de habitantes, conhecida como a “Califórnia brasileira”, uma das mais ricas e desenvolvidas do país. O valor médio dos cheques compensados na região é 35% mais alto do que na Grande São Paulo. Os supermercados chegaram a crescer, entre 1999 e 2001, a taxas cinco a dez vezes mais altas do que no estado de São Paulo. Com um IDH-M de 0,855, o 21o do Brasil, Ribeirão Preto estaria entre os 33 melhores países do mundo pelo mesmo critério, logo acima da República Checa e da Argentina.

Sertãozinho é um elo importante nessa engrenagem. “Se alguém quiser comprar uma usina de açúcar, poderá montá-la quase toda aqui, com componentes de diversas empresas”, afirma Waldemar Manfrin Júnior, diretor da TGM, uma das estrelas da segunda geração das indústrias da cidade. Como muitas outras empresas locais — mais de 30, na última contagem –, a TGM nasceu da iniciativa de técnicos e gerentes que trabalhavam na AKZ, uma subsidiária da Zanini, empresa da primeira geração de Sertãozinho, hoje incorporada à DZ. A Zanini era uma empresa totalmente verticalizada, mas suas crias, ao contrário, são múltiplas e especializadas. A TGM, por exemplo, nascida em 1991 como prestadora de manutenção, desde 1996 fabrica turbinas a vapor para gerar energia e mover máquinas na indústria sucroalcooleira (e em outras como a de papel e celulose, refinação de petróleo e petroquímica). Segundo Manfrin, é a única fabricante de turbinas do Brasil que desenvolve a própria tecnologia e não paga royalties ao exterior. A empresa, que faturou 80 milhões de reais no ano passado (20% disso na exportação para a América Latina), emprega 400 funcionários, entre eles engenheiros formados pelo Ins tituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos.

A menos de 1 quilômetro da TGM está a Simisa. Até um urbanóide paulistano conhece pelo menos um tipo de moenda: a que espreme a cana para fazer caldo na calçada dos parques da cidade. Agora imagine uma versão da altura de uma casa, com dezenas de toneladas de peso e “roletes” com o diâmetro de um pneu de jamanta. É isso o que a Simisa faz. A empresa prevê vender 21,7 milhões de dólares neste ano, um aumento de 34% sobre 2002. A Simisa e as demais empresas de Sertãozinho têm em comum, além da especialização, a devoção à tecnologia. Aplicaram a eletrônica, a informática e a moderna engenharia de produção a uma indústria tradicionalmente “braçal”, acostumada a trabalhar guiada pelo hábito e pela intuição. “Da primeira vez que automatizamos uma moenda, conseguimos ganhos de produtividade de 30%”, diz Carlos Roberto Liboni, diretor internacional da Smar, líder mundial na tecnologia de instrumentos digitais de controle e automação. Nem por isso Liboni e seus sócios, também oriundos da Zanini, desdenham da primeira geração de empreendedores de Sertãozinho. “Em 1950 eles metiam na cabeça que iam fabricar uma caldeira, começavam a dobrar chapa e faziam mesmo”, diz. A propósito: é na Smar que trabalham nossos três empresários aprendizes lá do início e foi dela que arrendaram os tornos desativados.

Tranqüila e arrumada, Sertãozinho tem também dinheiro para investir. O orçamento da prefeitura, de 53 milhões em 2000, deve praticamente dobrar no ano que vem, segundo o prefeito José Alberto Gimenez (PSDB). Boa parte dos municípios brasileiros ameaça declarar falência, mas Sertãozinho gastou 4 milhões de reais em equipamentos esportivos — entre eles uma pista de atletismo no estado da arte, uma piscina semi-olímpica e a reforma do “Docão”, o ginásio de esportes da cidade — para sediar os Jogos Regionais, em julho. Está reformando a rede escolar pública de 45 escolas e construindo um sistema de tratamento de esgotos de mais de 10 milhões de reais para atender 100% da população até 2006.

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