JornalCana

Superciclo de commodities em mutação

A atual combinação entre o tombo do petróleo e a disparada do dólar, com a consequente desvalorização das moedas de países emergentes, como o real brasileiro, criou a “tempestade perfeita” para golpear os preços das commodities no mundo. Mas esse cenário “não é tão terrivelmente ruim” para a economia como se poderia supor, na avaliação de Michael Haigh, chefe global de pesquisa de commodities do banco francês Société Générale.

A razão, disse ele ao Valor, é que, de modo geral, as recentes quedas nas cotações das matérias-primas – inclusive as agrícolas – estão mais relacionadas ao excesso de oferta que ao enfraquecimento da demanda.

“As coisas ficam muito ruins com a demanda deprimida, porque há crise. Nós não temos isso. Então, é uma situação muito diferente da que tivemos em 2009 e 2010 após o ‘subprime’ [hipotecas de alto risco nos EUA, que turbinaram a crise financeira mundial em 2008], quando houve declínio nos preços do petróleo e foi muito ruim. Temos preços do petróleo em declínio agora, o que é bom para o mundo, no geral”, afirmou o especialista, que lidera uma equipe dedicada à análise de 42 commodities. O Société Générale atua em 76 países, tem 32 milhões de clientes e seus ativos totais superam € 1,3 trilhão.

O novo ajuste nos preços do petróleo, lembrou Haigh, começou em agosto de 2014, com a interrupção das importações do chamado “sweet oil” (com baixo teor de enxofre) pelos EUA, que vinham produzindo mais desse produto. A situação se agravou em novembro, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidiu não agir para conter o excesso de oferta mundial, o que abriu caminho para que o barril caísse abaixo de US$ 50.

Esse recuo se reflete em preços menores para a maioria das commodities que utilizam o petróleo como insumo, mas também faz cair os custos de produção, conforme o especialista do banco francês. Além de ser usado como combustível das máquinas para o cultivo e o transporte da produção agrícola, o petróleo origina a ureia, um tipo de fertilizante.

Sacks of sugarAo mesmo tempo, com a retomada econômica nos EUA, o dólar vem ganhando força em relação a diversas moedas, tornando as commodities negociadas em dólar mais caras. Isso pode soar como preocupação do ponto de vista dos compradores, mas não dos vendedores. “Apesar de a indústria açucareira não estar em seu melhor momento, alguns desses exportadores estão em ótima condição. Se você é um exportador de açúcar, está recebendo mais em dólar e o custo de produção está menor, então suas margens são expandidas”, disse. Mas Haigh pondera que o mercado tende a entender essa diminuição de custos, que ainda não está toda precificada. “E infelizmente essas margens provavelmente ficarão comprimidas ao longo do tempo”.

Entre os grãos, a oferta abundante nas últimas duas safras, que precipitou a retração da soja e do milho na bolsa de Chicago, também reforçou no mercado os temores em relação à rentabilidade do setor. E junto à recuperação da oferta mundial, a tensão com a desaceleração da economia da China (maior importador global de soja, mas forte comprador também de outras matérias-primas agrícolas, metálicas e energéticas) levou muitos analistas a predizerem o fim do chamado superciclo de commodities, iniciado com a ascensão do país asiático há pouco mais de uma década. Haigh discorda. “Não acho que esse superciclo acabou, acho que ele está mudando”.

Ele defende que superciclos são fenômenos que duram “muitas e muitas décadas”. O primeiro, enumera, começou ainda no século 19 e se estendeu até os anos 1940, baseado na revolução industrial e no crescimento dos EUA. O segundo, de 1945 a 1973, esteve relacionado à reconstrução pós-segunda guerra mundial e ao avanço do Japão. O terceiro, que para Haigh ainda está em curso, originou-se do apetite voraz da China por commodities, que fez os preços dispararem a partir dos anos 2000. “Acredito que a composição do ciclo muda conforme os mercados emergentes crescem. Então, haverá demanda por commodities, mas de uma forma diferente”, avalia.

No front agrícola, isso significa que à medida que os países se desenvolvem, há uma tendência à redução do consumo de alimentos mais básicos, como arroz e trigo, diz Haigh. “Uma vez que as pessoas alcançam um nível de duas mil calorias por dia [consumo recomendado para um adulto], elas não compram mais pão, porque ficaram mais ricas. Elas compram carne”, afirmou ele.

Na China, especificamente, há uma desaceleração na economia, mas os números continuam superlativos: a meta do governo do país para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi reduzida de 7,5% para 7% em 2015, enquanto o Société Générale projeta 6,7%. E a percepção de Haigh é de que há uma transformação de um tipo de ciclo relacionado à infraestrutura para um mais ligado à urbanização, que continua a ocorrer com o aumento da população. “Então haverá demanda por commodities, mas de uma forma diferente. A menos que você pense que a população começará a diminuir na China e na Índia, mas não acredito nisso”, concluiu.

Nesse contexto, o Brasil tem grande importância como “produtor e fornecedor de recursos para os mercados emergentes”. A questão é quais commodities serão demandadas. “Sob a perspectiva de demanda, ração e etanol [feito de milho nos EUA] ainda estão bastante fortes, e isso deve proteger um pouco os preços. Mas assim como o restante do complexo de commodities, milho e soja estarão vulneráveis ao dólar”, analisou Haigh.

O fato é que, também diante das incertezas que rondam o plantio da nova safra 2015/16 de grãos nos EUA, o Société Générale avalia como justas as cotações atuais da soja e do milho em Chicago. A expectativa do banco é que no fim do ano, a soja esteja próxima de US$ 10 por bushel (ontem, oscilaram entre os níveis de US$ 9,50 e US$ 9,60) no fim do ano, e o milho, em cerca de US$ 4,15 por bushel (ante US$ 3,70 a US$ 3,80 de ontem).

Quanto ao algodão, mercado em que a queda da área plantada nos EUA rivaliza com a menor demanda europeia e a maior competição com fibras sintéticas, a estimativa é de um valor em torno de 66 centavos de dólar por libra-peso na bolsa de Nova York, um pouco à frente dos atuais 60 centavos.

No caso do café arábica, também negociado em Nova York, o banco ainda vê dúvidas sobre a extensão dos danos causados pela seca no Brasil. Assim, a previsão é de que as cotações encerrem o ano entre US$ 1,50 e US$ 1,60 por libra-peso (atualmente, estão um pouco aquém de US$ 1,40). Novos repiques nos preços das agrícolas, acrescentou Haigh, estarão também menos ligados à demanda e mais à oferta, na esteira de “choques climáticos” – como ocorreu com o próprio café no ano passado, quando os efeitos da estiagem no Brasil fizeram o grão superar os US$ 2 por libra-peso.

(Fonte: Valor Econômico)

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram