JornalCana

´Setor precisa menos do governo do que pensa´

O setor precisa menos do Governo do que pensa e tem mais força econômica do que imagina. É a opinião do ministro da Fazenda Antonio Palocci, em entrevista exclusiva ao JornalCana. Palocci é profundo conhecedor do agronegócio canavieiro – foi prefeito de Ribeirão Preto por duas gestões. Veja a íntegra da entrevista:

JornalCana – Como o senhor avalia a importância do setor sucroalcooleiro na proposta de retomada do desenvolvimento econômico do País?

Antonio Palocci – O setor é um dos mais estratégicos do agronegócio nacional, pode e deve expandir-se, intensificando a interação com outras atividades industriais e de serviços. O setor se apóia em tecnologia desenvolvida no país, gera uma atividade competitiva internacionalmente, cria empregos e economiza divisas para o país. Mas devo dizer também que é necessária uma maior articulação dos empresários do setor, ainda muito dispersos. O governo pode induzir o progresso da atividade, mas o trabalho fundamental continua a ser dos empreendedores e das empresas.

JC – Os Estados Unidos, Europa e Ásia encaminham projetos para a implantação de programas de combustíveis limpos, como o álcool. Para conquistar esses novos mercados o álcool precisa ser transformado em commodity. Existem projetos no Ministério da Fazenda avaliando o assunto?

AP – Na safra passada, o Brasil exportou apenas 630 milhões de litros de etanol; nesta safra, o volume exportado pode chegar a 790 milhões de litros, um aumento de 25% em apenas um ano. Isso se deve ao aumento das exportações de álcool hidratado para o Caribe, onde ele é reprocessado e enviado para os Estados Unidos. Esse é o início de um processo, pois o comércio de álcool combustível no mercado internacional ainda é incipiente. O governo, por sua vez, está atento às novas oportunidades no âmbito das negociações da Alca – Área de Livre Comércio das Américas, mas acha também que as empresas precisam focalizar bem as oportunidades que estão se abrindo interna e externamente, o que reforça as suas responsabilidades com a construção de uma imagem de confiabilidade e regularidade de abastecimento no mercado interno.

JC – O álcool surge como possível novo item para as exportações brasileiras. Com isso, o setor pode ganhar novo tratamento do governo?

AP – O governo está sempre disposto a buscar mecanismos criativos e eficientes que ampliem a capacidade de investimento. Mas, como tem dito o presidente Lula, a função do governo é induzir as ações neste sentido. Já as empresas devem empenhar-se em construir um modelo de negócios que explore o caso de sucesso que o Brasil é no mundo em termos de produção de combustível renovável a partir da biomassa. Por ora, o Governo Federal e o setor sucroalcooleiro têm os seguintes compromissos: a) aumentar a produção de álcool como forma de recompor os estoques do produto; b) manter em 25% o teor de álcool na gasolina; regular os preços do combustível nos estabelecimentos produtores (destilarias) e destinar recursos para a estocagem de álcool. Nesse particular, o governo ampliou suas ações por meio de um programa de estocagem de álcool, criando uma linha especial de crédito com recursos da cide – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico no total de R$ 500 milhões, a juros de 11,5% ao ano.

JC – O setor é considerado estratégico para o governo. Assim, pretende-se manter a política atual de mercado ou pretende-se criar mecanismos para incentivá-lo?

AP – O Departamento do Açúcar e do Álcool, da Secretaria de Produção e Comercialização (SPC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estuda a implantação de um novo modelo para o álcool combustível. As ações em estudo consistem em: financiamento à comercialização e equalização da taxa de juros; aquisição e manutenção de estoques de álcool combustível; oferta antecipada de garantia; e equalização. Mas eu gostaria de dizer também que o incentivo mais eficiente que o governo pode dar é à inovação tecnológica, à melhoria contínua de processos e à agregação de valor, pela tecnologia, à cadeia produtiva. Isso é o que poderá, ao longo do tempo, dar-nos chances de projetar multinacionais de álcool (ou de energia com forte matriz alcooleira) brasileiras. Termino com uma pergunta: estamos prontos para esse desafio? Temos bons programas para tanto?

JC – Este ano o governo confirmou cerca de R$ 500 milhões para o programa de estocagem de álcool. Há interesse em incrementar esse mecanismo?

AP – Existem propostas no âmbito do Ministério da Agricultura no sentido de elevar-se esse volume de recursos, mas convém fazer primeiro uma avaliação de impacto do resultado obtido pelo programa em curso. Isso poderá indicar às áreas competentes do governo a realização de novos estudos voltados ao incremento deste programa.

JC – O açúcar, um dos importantes itens da balança comercial brasileira, enfrenta problemas nos países europeus, onde a proteção de mercados pode representar transtornos para os exportadores brasileiros. Como o Ministério da Fazenda está acompanhando e encaminhando esse assunto?

AP – O governo sinaliza com o questionamento das medidas protecionistas na OMC – Organização Mundial do Comércio, já que as políticas públicas adotadas pelo Brasil não representam distorção ao livre comércio. O fato é que, embora o País seja o maior exportador mundial de açúcar e detentor de um terço do mercado livre, somos obrigados a travar uma acirrada disputa no mercado internacional contra as barreiras tarifárias e o protecionismo, que impedem a expansão dos negócios onde temos capacidade de competição comprovada e bastante testada. Mas o governo do presidente Lula tem combatido o protecionismo dos países ricos em todos os Foruns Internacionais.

JC – Aos poucos a indústria automobilística está retomando a produção do carro a álcool. O governo pretende criar instrumentos para acelerar esse processo?

AP – Creio que o mercado e a própria tecnologia de motores estão criando novidades interessantes. Veja o carro flex-fuel, combinando gasolina e álcool. Isso coloca desafios novos para a indústria sucroalcooleira, que tem de motivar o consumidor a usar mais intensivamente o combustível. Um novo programa para o setor até pode ser pensado, mas obviamente ele seria totalmente distinto daquele que terminou em 1990. O setor precisa, neste caso, evitar a dispersão e trabalhar idéias novas, com alternativas eficientes para essa nova realidade. O ponto de partida disso, sabemos todos, é a garantia da regularidade no abastecimento. Neste ano o setor demonstra que pode garantir o abastecimento, sem tutela do governo. É a continuidade deste compromisso que garantirá a valorização do álcool como combustível.

JC – No caso da cogeração de energia, o setor tem potencial para produzir o equivalente a duas unidades como a de Itaipu. Como já se fala em necessidade de investimentos para evitar problemas no abastecimento de energia elétrica, de que forma o governo poderá viabilizar a exploração do potencial das usinas sucroalcooleiras?

Palocci – A primeira coisa é consolidar o mercado para venda do excedente de energia produzida pelas usinas às distribuidoras de energia elétrica, incrementando, assim, a exploração do potencial de geração das usinas. Após esse passo, é que se pode pensar em incentivar a criação de políticas que possibilitem o aumento da capacidade de geração termoelétrica das usinas em funcionamento no país. O novo marco regulatório do setor energético a cargo do Ministério das Minas e Energia certamente terá respostas consistentes a esta questão.

JC – Mesmo com a desregulamentação do setor em meados dos anos 90, o setor reclama uma presença de incentivo do governo. De que forma os empresários do setor e o governo podem estabelecer parceria para incrementar o parque sucoalcooleiro brasileiro?

AP – O novo modelo de política para o álcool combustível se baseia na administração de quatro instrumentos tradicionais que promovem um mínimo de intervenção governamental, porém capazes de influenciar o comportamento dos mercados. São eles: adequada participação dos produtos da cana-de-açúcar na matriz energética nacional; mecanismos econômicos necessários à auto-sustentação setorial; desenvolvimento científico e tecnológico; e presença do Brasil no mercado externo de álcool carburante. Por isso, não estamos prevendo a aplicação automática de recursos em programas permanentes. Mas devemos, sim, avaliar a eficácia das medidas implementadas a cada ano-safra, estabelecendo metas associadas às perspectivas de oferta e demanda, com a devida garantia de abastecimento. O setor sucroalcooleiro terá sucesso garantido quando souber olhar para seu próprio potencial e coesionar suas atividades de maneira planejada e consistente. O setor precisa menos do governo do que pensa e tem muito mais força econômica do que imagina ter.

(Carlo Severino, especial para o JornalCana)

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram