O Senado aprovou projeto de lei que facilita a compra, a posse e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras. O PL 2.963/2019, do senador Irajá (PSD-TO), teve parecer favorável do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com emendas, e segue agora para votação na Câmara dos Deputados.
O projeto disciplina a aquisição, a posse, o arrendamento e o cadastramento de imóvel rural, por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, constituídas e estabelecidas fora do território nacional.
De acordo com o texto, os imóveis rurais adquiridos por sociedade estrangeira no Brasil também deverão obedecer aos princípios da função social da propriedade previstos na Constituição, como o aproveitamento racional e a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.
O relator afirma que, até o momento, a aquisição de terras no Brasil por estrangeiro é envolta em controvérsias jurídicas, que transitam em torno da Lei 5.709, de 1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, anterior à Constituição Federal de 1988.
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“A questão da recepção, no todo ou em parte, da Lei 5.709, pela nova ordem constitucional foi objeto de diferentes interpretações jurídicas ao longo do tempo, o que trouxe muita insegurança jurídica para o setor produtivo, afugentando o investimento estrangeiro e a implantação de importantes projetos para o desenvolvimento de nossa agropecuária e agroindústria”, considera Pacheco.
Além disso, o relator explica que, no que se refere a empresas brasileiras controladas direta ou indiretamente por estrangeiros, o projeto adequa a legislação à Emenda Constitucional 6, de 1995, que revogou o art. 171 da Constituição, acabando com a distinção entre empresa nacional e empresa nacional de capital nacional. “Assim, busca-se promover o tratamento igualitário entre as empresas brasileiras e dos capitais produtivos do país, independentemente de sua origem”, destaca o relator no parecer.
Para Maria Cecília de Almeida, diretora da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), no contexto do projeto “é importante manter um critério de proporcionalidade na titularidade de imóveis rurais no território municipal, melhorar o sistema cadastral, observar as normas ambientais”, entre outros aspectos.
A diretora da SNA destaca ainda que o projeto reconhece áreas de interesse da segurança nacional e aquisições ocorridas em um período de grandes contradições em diversos pareceres, e acrescenta que “é necessário observar a garantia real de financiamentos em instituições financeiras estrangeiras”.
“Assim que a norma for aprovada e publicada, merecerá uma análise profunda de seus dispositivos”, afirma Maria Cecília. “O mais importante é dar certeza a essas aquisições, garantindo o sempre bem-vindo investimento na área rural”.
O líder do PT, senador Rogerio Carvalho (PT-SE), apresentou pedido de retirada de pauta do projeto, que acabou sendo rejeitado em Plenário. Ele disse que o texto autoriza a compra de até 25% do território dos municípios, o que poria em risco a segurança alimentar e a produção de alimentos, além de causar o aumento no preço de terras no Brasil.
Jean Paul Prates (PT-RN) disse que o projeto é polêmico, o que exigiria uma discussão mais aprofundada. Em sua avaliação, o texto não estaria maduro para que houvesse uma decisão final do Senado.
Autor do projeto, o senador Irajá (PSD-TO) afirmou que a grande maioria dos senadores presentes à sessão remota teria interesse em votar o projeto. Ele ressaltou que chegou a entrar em contato com 74 dos 81 senadores, dos quais 68 teriam defendido a votação do texto. Irajá ressaltou ainda que o projeto aguardava votação há 11 anos. Durante esse tempo, segundo ele, o país perdeu R$ 550 bilhões em investimentos no setor agropecuário.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou que chineses, ingleses e italianos já utilizam terras baianas para plantio de diversas culturas, como soja, cana e café.
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Na avaliação do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o projeto promove a internacionalização das terras brasileiras em larga escala, sobretudo das áreas localizadas na Amazônia.
O projeto recebeu o voto contrário dos senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Paulo Paim (PT-RS), Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Styvenson Valentim (Podemos-RN), além das senadoras Zenaide Maia (Pros-RN), Leila Barros (PSB-DF) e Rose de Freitas (Podemos-ES).
Limites
De acordo com o projeto, estarão sujeitas a aprovação do Conselho de Defesa Nacional (CDN) a aquisição de imóveis rurais ou de qualquer modalidade de posse quando as pessoas jurídicas forem organizações não governamentais, fundos soberanos, fundações e outras pessoas jurídicas com sede no exterior.
Também terão de passar pelo conselho pessoas jurídicas brasileiras constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, quando o imóvel rural se situar no Bioma Amazônia e sujeitar-se a reserva legal igual ou superior a 80%.
As aquisições por estrangeiros de imóveis situados em área indispensável à segurança nacional também deverão obter o consentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional.
Ficam vedados a estrangeiros: qualquer modalidade de posse por tempo indeterminado, arrendamento ou subarrendamento parcial ou total por tempo indeterminado e habilitação à concessão de florestas públicas destinadas à produção sustentável. Essa concessão, no entanto, é permitida para pessoa jurídica brasileira constituída ou controlada direta ou indiretamente por pessoa física ou jurídica estrangeira.
Essas vedações não se aplicam quando a aquisição de imóvel rural se destinar à execução ou exploração de concessão, permissão ou autorização de serviço público, inclusive das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica ou de concessão ou autorização de bem público da União.
Regras
O projeto dispensa autorização ou licença para aquisição e posse por estrangeiros, quando se tratar de imóveis rurais com áreas não superiores a 15 módulos fiscais. A soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá, no entanto, ultrapassar um quarto da superfície dos municípios onde se situarem.
O texto atribui competência ao Congresso Nacional para autorizar, mediante decreto legislativo, a aquisição de imóvel por pessoas estrangeiras, além dos limites fixados em lei, quando se tratar da implantação de projetos julgados prioritários, em face dos planos de desenvolvimento do país, mediante manifestação prévia do Poder Executivo.
Cadastro
Os estrangeiros deverão obrigatoriamente lavrar escritura pública para aquisição do imóvel e os cartórios de registro de imóveis deverão manter registro especial, em livro auxiliar, das aquisições de imóveis rurais pelas pessoas físicas e jurídicas estrangeiras.
O relator apresentou emenda para que a identificação do adquirente do imóvel seja acompanhada, no caso de pessoa jurídica, de informações relativas à estrutura empresarial no Brasil e no exterior, declaradas sob pena de falsidade ideológica, conforme previsto no Código Penal.
O projeto altera a Lei 5.868, de 1972, que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), para estabelecer que os cadastros serão informatizados e, ressalvadas as informações protegidas por sigilo fiscal, serão publicados na internet, garantida a emissão gratuita de certidões das suas informações com autenticação digital.
O SNCR terá sua base de dados atualizada com as informações prestadas pelos contribuintes no Documento de Informação e Atualização Cadastral (DIAC), a que se refere a Lei 9.393, de 1996, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e sobre pagamento da dívida representada por títulos da dívida agrária.
O texto também altera essa lei para rever a obrigatoriedade da prestação de informações cadastrais quanto aos imóveis rurais adquiridos ou utilizados por pessoas jurídicas estrangeiras.
Segundo o projeto, um regulamento próprio deverá unificar o SNCR, criado pela Lei 5.868, de 1972, e o previsto na Lei 9.393, de 1996. A informatização e a gestão desse cadastro unificado deverão ter também uma base única, integrada com a base de dados das juntas comerciais e demais órgãos que disponham de informações sobre a aquisição de direitos reais por estrangeiros ou por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras.
Capital estrangeiro
O texto modifica a Lei 4.131, de 1962, que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior. Segundo o projeto, os recursos financeiros ou monetários introduzidos no Brasil por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, ou quando objeto de reinvestimento para a aplicação em atividades econômicas que envolvam a aquisição e o arrendamento de áreas rurais em território nacional, estarão sujeitos à legislação que regula a aquisição de imóveis rurais por pessoas estrangeiras.
Revogação
O projeto revoga a Lei 5.709, de 1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Por outro lado, convalida as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas, direta ou indiretamente, por pessoas privadas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, durante a vigência dessa lei.
Outras emendas
O relator rejeitou cinco emendas apresentadas em Plenário, acatou integralmente 13 emendas apresentadas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e na Comissão de Agricultura (CRA) e parcialmente outras três.
Uma das emendas deixa expresso que as empresas brasileiras que adquiram imóveis rurais e sejam constituídas ou controladas por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras, sujeitam-se ao dever de cumprimento da função social da propriedade.
Outra emenda modifica a Lei 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente. Segundo o novo texto, estados e municípios deverão disponibilizar, em um sistema informatizado aberto, o zoneamento ecológico-econômico sob suas respectivas jurisdições, juntamente com os critérios da divisão territorial e seus conteúdos, com o objetivo de assegurar as finalidades, a integração e a compatibilização dos diferentes níveis administrativos e escalas do zoneamento e do planejamento territorial.
Além disso, o órgão ambiental competente deverá observar os critérios da divisão territorial e seus conteúdos definidos pelo ente municipal ou estadual no zoneamento ecológico-econômico, quando houver, para expedição de licenças ambientais relacionadas ao uso e à exploração de imóveis rurais.