As dificuldades enfrentadas pelas empresas sucroenergéticas são insuficientes para tirar o Brasil da liderança mundial como país de menor custo de produção de cana-de-açúcar. E há muito a fazer para avançar na
consolidação dessa liderança, explica o economista Martinho Seiiti Ono, presidente da SCA Trading S/A.
Reconhecido pelo MasterCana Brasil, principal premiação do setor sucronergético na América Latina,
Ono detalha, na entrevista a seguir, suas avaliações sobre as tendências do setor sucroenergético brasileiro.
Como o Brasil deve fazer para manter-se na liderança do setor sucroenergético mundial, seja em termos de produção como em tecnologia agrícola e industrial de açúcar, etanol e bioeletricidade?
Matinho Ono – As enormes dificuldades que o setor atravessa reduziram em muito a capacidade de investimentos na expansão da atividade canavieira brasileira, porém continuamos liderando como o país de menor custo de produção de cana no mundo. Sabemos que ainda há muito espaço para incremento de rendimento, desde investimentos em tecnologia agrícola, em máquinas e equipamentos e no desenvolvimento genético da planta. Em favor, dispomos de
excepcionais condições de clima.
Para que os novos investimentos sejam estimulados, precisamos de ações concretas envolvendo setor privado e órgãos do governo que assegurem a sustentabilidade econômica de longo prazo.
E a guerra contra o açúcar por meio de políticas protecionistas?
Martinho Ono – No açúcar as políticas protecionistas e de incentivos indevidos praticados por outros países produtores desequilibram as condições de livre e justa concorrência. A Organização Mundial do Comércio (OMC) é o fórum adequado para estas questões e o campo próprio para busca da devida correção. O tempo de resposta destes
procedimentos são longos e os desequilíbrios, muito prejudiciais, podem perdurar por longos períodos, porém
é uma luta que precisamos vencer e fazer prevalecer a nossa competitividade, de produzir com menor custo
que os principais competidores.
A demanda mundial pelo açúcar é pouco elástica, mas continua crescente.
O que deve ser feito em relação ao etanol?
Martinho Ono – O etanol não pode continuar a ser comercializado apenas considerando a paridade em relação ao combustível fóssil (gasolina e gás natural). É imprescindível reconhecer as externalidades positivas do etanol através de um trabalho forte envolvendo órgãos do governo e o setor privado. Necessitamos de maior previsibilidade de demanda do etanol hidratado, a exemplo do que aconteceu com o etanol anidro, como foi determinado pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
No etanol hidratado somos diferenciados e únicos no mundo. Temos uma frota de 30 milhões de automóveis flex que podem usar etanol e dispomos de uma rede com mais de 40 mil postos aptos a comercializar etanol. Precisamos e devemos desenvolver um programa de estímulo de consumo de biocombustíveis, através de melhor comunicação com a sociedade brasileira, enaltecendo os diversos benefícios econômicos, sociais, ambientais que são proporcionados.
Neste sentido, o RenovaBio é uma esperança concreta que está em desenvolvimento. Devemos urgentemente modernizar a comercialização. É essencial que se crie mecanismos financeiras que permitam a realização
de hedge, assegurando ao produtor e ao comprador oportunidades de fixação de preços antecipados.
Vivemos um 2018 com o etanol dominando a produção das unidades. Essa tendência deverá repetir em 2019 também por conta do excedente de oferta mundial do açúcar? A queda gradativa do consumo e a ampliação da concorrência não farão o setor migrar de vez para o mix mais alcooleiro?
Martinho Ono – O empresário do setor sucroenergético brasileiro tem oportunidade única. Temos a opção de em cada safra decidir pela produção de etanol e/ou açúcar. A decisão pelo maior mix de etanol ou açúcar é tomado pelo
produto que melhor remunera. Em 2018 tivemos uma abundante produção mundial de açúcar e o Brasil, com
essa flexibilidade, optou pela maior produção de etanol, porque os preços do petróleo e a gasolina alcançaram
preços elevados, propiciando competitividade e venda recorde de etanol hidratado.
O Brasil reduziu quase 10 milhões de toneladas de açúcar na última safra, em função da versatilidade da
nossa indústria.
Atualmente os níveis de estoque de açúcar ainda são elevados, os preços não são remuneradores e vários países produtores sinalizam produção aquém dos últimos anos. Na região Centro Sul, devemos
começar a safra mais alcooleira, mas poderemos ter mudança de mix a partir de julho, com uma visão mais
concreta da produção dos principais competidores.
O RenovaBio é vital para o setor? Por que?
Martinho Ono – O RenovaBio contemplará uma série de benefícios previstos no programa, já de amplo conhecimento dos agentes envolvidos no setor. Sob o ponto de vista comercial, entendemos que a previsibilidade volumétrica de demanda, como já acontece com o etanol anidro, é positiva.
Atualmente ao produzirmos etanol hidratado temos incerteza sobre a possibilidade de comercializar o volume dentro da safra, dependendo exclusivamente da precificação da gasolina para atrair maior ou menor demanda. Com o
comprometimento das distribuidoras através das metas estabelecidas pela ANP, o setor poderá planejar melhor
a produção e as ofertas em cada safra. Projetamos a participação do hidratado no ciclo Otto menos dependente da paridade de preços em relação a gasolina.
Os veículos elétricos estão chegando. O sr. os vê como concorrentes ou será possível ter mercado
para o etanol e a bioeletricidade, que pode ser matéria-prima para as baterias?
Martinho Ono – Cada país deve desenvolver sua matriz energética, potencializando os recursos de que dispõe. Neste sentido, o Brasil deve incentivar os biocombustíveis porque já dispõe de investimentos feitos pelas montadoras,
pelas distribuidoras de combustíveis e pelos milhares de revendedores de combustíveis. A pergunta é porque
diversificar ou mudar a matriz se temos tecnologia única desenvolvida no Brasil (carros flex), se temos um
combustível testado e aprovado que nenhum país possui (etanol hidratado) e rede de distribuição em todo território nacional?
Priorizar e potencializar a nossa capacidade nos parece ser o desafio do país.
Há um movimento de redução de tradings com atuação no mercado de açúcar. Como o sr. vê o futuro de médio prazo (10 anos) e de longo (acima de 10 anos) para a comercialização do açúcar e do etanol? Haverá menos e maiores comercializadoras?
Martinho Ono – Na medida que grandes grupos econômicos participam deste mercado, é natural que o espaço das tradings seja ocupado. Na nossa visão, o mercado vai se ajustando às necessidades, mas sempre haverá espaço para quem se adaptar a nossa realidade. Já observamos isto em outros segmentos dominados por grandes grupos econômicos.
O sr. prevê uma concentração de unidades produtoras nas mãos de grupos? Ou o setor tem espaço para pequenas unidades, de 3 milhões de toneladas de moagem de cana por safra?
Martinho Ono -Produzimos commodities, cuja precificação é dada pelo mercado, sem dependência do tamanho da indústria. A escala, o volume pode ajudar os grandes grupos, porém as unidades individuais podem superar estas diferenças com iniciativas criativas.
Esta entrevista está na edição 302 do JornalCana. Clique aqui para acessar o conteúdo.