A partir de 2027, o Brasil tem um mandato da Lei Combustível do Futuro , que impõe metas graduais de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em voos domésticos, iniciando com 1% e chegando a 10% até 2037.
Dessa maneira, esse novo contexto exige não apenas produção e infraestrutura, mas também políticas públicas consistentes, inovação tecnológica e articulação multissetorial.
Instrumentos convergentes: como ProBioQAV, RenovaBio e CORSIA se conectam
A Lei combustível do Futuro – Lei nº 14.993/2024, é uma política de Estado, a qual foi instituída pelo Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano.
Para o SAF, seu foco está na redução de emissões, e não no volume de mistura de combustíveis. Isso quer dizer que não há obrigatoriedade de adicionar uma porcentagem específica de SAF ao querosene fóssil, mas sim de mitigar as emissões totais associadas ao ciclo de vida do combustível.
Já o CORSIA, coordenado pela Organização da Aviação Civil Internacional (International Civil Aviation Organization – ICAO), estabelece um regime global de compensação de carbono para a aviação internacional. A adesão brasileira exige rastreabilidade da cadeia de produção, rotas tecnológicas certificadas e cumprimento de metas ambiciosas, o que representa um desafio diante da diversidade de matérias-primas e da escala continental do país.
Portanto, a integração entre esses programas demanda sinergia regulatória e tecnológica, tema central nos Grupos de Trabalho da Conexão SAF – uma iniciativa da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil que reúne representantes da indústria, governo, academia e setor aéreo com o objetivo de fomentar políticas públicas eficazes. Destaque especial para o GT de Infraestrutura e Distribuição, que já identificou entraves logísticos, fiscais, regulatórios e operacionais na cadeia do SAF.
SAF como vetor industrial: diversificar é o único caminho
A viabilidade econômica do SAF exige uma abordagem sistêmica. A indústria não se sustenta com um único produto – e o caso do petróleo, com mais de 240 derivados, é exemplar. Por isso, é imprescindível diversificar as fontes de receita com produtos como diesel verde, combustíveis marítimos renováveis e coprodutos de alto valor agregado.
É nesse contexto que se destaca o papel estratégico da academia e da pesquisa aplicada, sobretudo na geração de dados técnicos confiáveis para embasar decisões políticas e de investimento.
Isso inclui estudos de ACV, análise de rotas tecnológicas emergentes, viabilidade da produção descentralizada e soluções para intensificação de processos por meio de microreatores e inovação química e biológica.
Capacidade, exportação e barreiras logísticas: o desafio da escala
Segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética, o Brasil poderá demandar até 9 bilhões de litros de SAF por ano até 2037, somando as obrigações da Lei Combustível do Futuro e do CORSIA.
No entanto, os projetos atualmente anunciados atendem, em média, a 38% das metas de redução de emissões definidas pelo CORSIA e ProBioQAV entre 2027 e 2037, de acordo como Caderno de Perspectivas Futuras dos Combustíveis Sustentáveis de Aviação no Brasil.
A demanda volumétrica de SAF varia conforme a intensidade de carbono (IC) do combustível. SAFs com menor IC contribuem mais para o cumprimento das metas, reduzindo o volume necessário para mitigar as emissões.
Nesse cenário, o modelo Book & Claim surge como uma estratégia viável. Ele permite que o combustível renovável seja produzido e certificado em um ponto (como uma biorrefinaria no interior) e “reivindicado” por uma companhia aérea em outro ponto da cadeia, via sistema de créditos de sustentabilidade. Isso reduz custos logísticos e barreiras regulatórias, especialmente em aeroportos com infraestrutura compartilhada.
Diesel verde: coproduto estratégico para viabilidade econômica
A produção de diesel verde (HVO) está intrinsecamente conectada à expansão do SAF. Ambos compartilham rotas tecnológicas, matérias-primas e unidades industriais, como nas refinarias baseadas em HEFA. A Lei Combustível do Futuro estabelece metas obrigatórias de adição do HVO ao diesel convencional, a partir de 1% em 2027, com aumento progressivo até 3% em 2032.
Além de ampliar a escala econômica das biorrefinarias, o diesel verde contribui diretamente para a redução de emissões no transporte rodoviário pesado – um setor difícil de descarbonizar e com grande participação na matriz energética nacional.
Conclusão: uma indústria nacional de SAF exige ação integrada e visão de longo prazo
O Brasil reúne todas as condições para se destacar globalmente na produção de SAF: abundância de biomassa, experiência consolidada com biocombustíveis e capacidade tecnológica instalada. No entanto, cumprir as metas de 2027 em diante exige:
- Aceleração de investimentos e novos projetos industriais;
- Regulação compatível com a realidade brasileira;
- Integração entre programas como ProBioQAV, RenovaBio e CORSIA;
- Diversificação de matérias-primas e rotas tecnológicas;
- Apoio à pesquisa científica e inovação industrial.
A RBQAV acredita que o caminho para um setor aéreo sustentável passa pela integração entre ciência, política pública e setor produtivo. O desafio é complexo, mas a oportunidade é única.
Fontes:
- Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Combustível Sustentável de Aviação e Diesel Verde no Brasil – Perspectivas Futuras, novembro de 2024.
- Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Combustíveis Sustentáveis de Aviação no Brasil. Sustainable Aviation Fuel – SAF, setembro de 2024.
- Fala da Profa. Amanda Gondim no Workshop Combustível Sustentável de Aviação e Diesel Verde (ANP, 2024).