Agricultura

Entrevista: Rui Chammas, presidente da Biosev

Entrevista: Rui Chammas, presidente da Biosev

O executivo paulistano Rui Chammas assumiu a presidência da Biosev, segundo maior grupo produtor de cana-de-açúcar brasileiro no final de 2013. Seu primeiro encontro com o setor se deu quando ainda era executivo da Brasken, onde participou do desenvolvimento do plástico verde, feito a partir da cana.

Chammas assumiu o comando da Biosev, no momento em que o setor enfrentava e ainda enfrenta sua pior crise, abalando até mesmo os grupos bem edificados. Prova disto é que uma das primeiras ações do gestor foi hibernar a Usina Jardest, localizada em Jardinópolis, SP.

Mas o que parece ser inabalável é o otimismo de Rui Chammas. Ele não dá ouvidos às más notícias. Com semblante simpático e ponderado, ao ser questionado sobre o clima pessimista que paira sobre os produtores, responde com a calma de quem parece — apenas parece, não se engane — desconhecer o assunto:

— O pessoal não está otimista?

E tampouco sua aparente surpresa não é demonstração de quem está alienado entre as quatro paredes de seu escritório localizado na Avenida Faria Lima em São Paulo. Ao contrário, Chammas afirma viver nos últimos doze meses uma profunda imersão no setor, visitando e conhecendo profundamente as onze unidades do grupo. “Não nasce cana na Faria Lima. Por isto, visito constantemente as usinas, porque é lá que as coisas realmente acontecem”, afirma o executivo, que como uma espécie de missionário em suas peregrinações pelas usinas, conhece de perto os gestores e colaboradores.

Em entrevista ao JornalCana o executivo fala sobre perspectivas de mercado, política setorial e aponta caminhos para o sucesso administrativo, comprovado por uma gestão que fez com que a Biosev apresentasse prejuízo líquido menor em comparação ao mesmo período do ano anterior, mantivesse os números de moagem pareados aos da safras anteriores e aumentasse o ATR no último trimestre, feitos estes que lhe renderam o troféu MasterCana como executivo do ano. Confira.

JornalCana — Qual o impacto de assumir a Biosev durante a pior crise do setor?

Rui Chammas — A Biosev tem um time forte e os ativos são bons, além de uma capacidade de produção grande, com um acionista controlador que possui uma visão de longo prazo. Claro que quando assumi o impacto foi desafiador, mas no momento, acredito que o ciclo de baixa do setor dará sinais de arrefecimento caminhando para um ciclo de alta a partir da próxima safra.

Como manter o manter o otimismo em momentos de dificuldade?

Esse é um negócio cíclico, ele passa por períodos de baixas, talvez este tenha sido o de maior declive. Independentemente da ocasião é importante preparar a empresa para momentos assim.

 Quais são as perspectivas de mercado para o setor na safra 2015/16?

Considere dois componentes: o primeiro é o mercado de açúcar. O mundo viveu de 2010 a 2014 um superávit, uma produção maior que a demanda, fruto dos investimentos que foram feitos em 2010. Durante este intervalo acumulou-se estoques em todo mundo. Portanto, pela primeira vez em 4 anos, creio que teremos um déficit, com oferta menor que demanda, o que é positivo para o mercado de açúcar brasileiro. O segundo é o etanol, que dependerá de políticas de combustíveis. Temos nos manifestado junto ao governo através de nossas associações pela volta da Cide, que coloca de volta no preço da gasolina o custo das externalidades que o combustível tem, por ser um produto de origem fóssil, menos sustentável que o etanol. São dois vieses positivos para a próxima safra. Um deve acontecer naturalmente e o outro dependerá da política de combustíveis do governo.

Quais os resultados produtivos e financeiros que o grupo pretende alcançar na próxima safra?

Nessa atual safra que termina em março de 2015 temos o objetivo de transformar a Biosev uma empresa geradora livre de caixa, ou seja, estamos trabalhando para trazer resultados que nos permitam pagar todos os investimentos de manutenção em entressafra, manutenção em nosso canavial, de trato do nosso canavial, o pagamento dos juros e ainda sobre algo para gerar um caixa positivo ou se não neutro. Esse é nosso objetivo, ao mesmo tempo que estamos reestruturando e reforçando todos os nossos processos transversais.

Quais estratégias de gestão fizeram diferença nessa safra?

Fizemos uma análise granular de todos os nossos ativos. Ao avaliarmos cada um deles decidimos deixar uma das nossas usinas em hibernação, que é a Jardest. Também analisamos nossos processos internos, que nos permitiram organizar diferentemente a companhia com uma diminuição no número de gerentes e gestores, o que nos trouxe uma redução de custo, além de agilidade e responsabilidade pela decisão no nível de cada um dos nossos quatro polos. E nesse processo de descentralização, houve uma aproximação muito grande com nossos fornecedores. A Biosev entende que o valor se gera ao longo da cadeia, uma usina ou uma empresa. Como a Biosev nunca será próspera sozinha, toda a cadeia deve prosperar. Por isso temos um diálogo aberto com os fornecedores de cana, com as empresas e famílias que nos arrendam fazendas, bem como uma relação próximas com nossos fornecedores de serviços e clientes.

A Jardest voltará a moer?

A Usina Jardest está hibernada. Decidimos mantê-la pronta para voltar a moer caso um dia assim decidamos. Ela não foi fechada definitivamente. Isso dependerá das condições de mercado e produtividade dos nossos canaviais naquela região. Em Ribeirão Preto nós temos um polo de 18 milhões de toneladas em capacidade. Onde nós tínhamos cinco usinas, hibernamos a Jardest e redirecionamos este ativo biológico para as outras quatro usinas. Principalmente MB, Vale do Rosário e Santa Elisa. Não foi somente a cana que foi redirecionada, muitas pessoas foram transferidas. Aproveitamos a mão de obra agrícola e industrial e muitos foram convidados para trabalhar nas unidades localizadas na região.

Qual o impacto social que as unidades geram nas cidades onde as usinas estão instaladas?

Gera empregos qualificados. Pessoas que moram em cidades de médio e pequeno porte que não teriam a oportunidade de emprego com essa tecnicidade passam a ter. Gera um resultado muito importante nos fornecedores de cana e nas fazendas que nos arrendam as terras. Não podemos esquecer que do faturamento de uma empresa, aproximadamente 60% do lucro fica com os fornecedores de cana, que acaba irrigando toda a economia da região. Por isso afirmo que é um negócio inclusivo e que traz prosperidade para a região. Em um estudo que fizemos no Matogrosso do sul onde temos duas unidades em um mesmo município, Rio Brilhante. A cidade antes e depois das usinas é muito diferente. Reduziu-se a migração da população local, que ia para cidades como São Paulo e Campo Grande atrás de empregos. Esse para mim é um dos grandes méritos do negócio. Há também a qualificação dos operadores dos equipamentos mais modernos. Vencida a barreira da mecanização, você passa a ter a oportunidade de criar vagas de operador de colhedoras ao invés de cortadores de cana. Para mim, a mecanização no setor sucroenergético aconteceu num momento perfeito na história do país. Momento no qual vivíamos o bônus demográfico e uma demanda por mão de obra em outros setores, como serviços e comercio. Acho que com isso conseguimos fazer o movimento de mecanização ao mesmo tempo que as taxas de mecanização não explodiram.

Elenque cinco passos para a gestão excelente de um grupo sucroenergético,

Ter uma equipe forte. Trabalhar com conceito de excelência, buscando se cercar dos melhores. Definir processos que sejam robustos e indiquem os pontos de melhorias. Fazer uma análise granular dos ativos e dominar questões ligadas à agricultura e indústria, pois é lá que o açúcar e o etanol são produzidos.