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Retirantes numa safra de R$49 bi

A indústria de açúcar e de álcool calcula que irá faturar R$49 bilhões nesta safra, 38% a mais do que na anterior. O novo boom da cana-de-açúcar, combinado à falta de alternativas de trabalho e renda em cidades do Nordeste e da região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais —- uma das mais pobres do país — vem provocando o êxodo maciço de trabalhadores em direção a estados mais ricos como Rio, São Paulo e Mato Grosso, para onde a indústria sucro-alcooleira está se expandindo.

— A grande disponibilidade de mão-de-obra jovem, combinada com a forte demanda das usinas, engrossa as correntes migratórias para o Centro-Sul e o Centro-Oeste — afirma o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Roberto Novais.

Não há dados precisos do número de migrantes empregados no setor, onde predomina a informalidade. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged), houve 251,2 mil contratações formais para o trabalho no cultivo da cana, usinas de açúcar e produção de álcool nos primeiros quatro meses deste ano — 22,4% mais que no mesmo período de 2005. Já a União da Agroindústria Canavieira (Unica) estima em um milhão o número de empregos diretos nesta safra.

— Acompanho a migração há mais de 20 anos e estou vendo sobrar gente — relata irmã Inês, da Pastoral do Migrante de Guariba, que abrange 85 municípios de São Paulo. — A Usina Bonfim recusou 90 pessoas depois de constatar contaminação pelo barbeiro, transmissor do mal de Chagas.

‘Só em São Paulo ocorrerem 14 mortes por excesso de trabalho’

Mesmo em São Paulo, onde a mecanização já é responsável por 40% da colheita, o contingente de cortadores manuais cresceu 16% e chegou a 70 mil, 46% do total, segundo o diretor Técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues. O chefe da Área de Fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho do Rio (DRT-RJ), Guilherme Moreira, também estima que 25% dos cerca de quatro mil trabalhadores na lavoura do estado vieram de fora:

— Só a Usina Santa Cruz, de Campos dos Goytacazes, tem 700 migrantes. A Cupim tem mais 400 e deve chegar a 500 este mês.

Na Santa Cruz, os migrantes são 80% da força de corte, informa o gerente Agrícola Augusto de Vasconcelos. A empresa dobrou o número de funcionários em três anos. Hoje emprega 1,4 mil pessoas, mas ainda está precisando de 200 funcionários.

— Lá em Iaçu não tem serviço. Por isso a gente tem que agüentar — disse o baiano Jeonice dos Santos Ivo, de 21 anos, depois de um dia de trabalho em que cortou 250 metros de cana (seis toneladas), a R$0,14 o metro, para ganhar R$35.

Eles aceitam o trabalho porque no local de onde vêm a diária é de R$5 a R$10, sem a bóia, lembra o professor da Universidade Federal de São Carlos Francisco Alves.

O setor vem sendo impulsionado pelo consumo interno de álcool e pelas exportações deste produto e do açúcar, cujos preços estão em alta no mercado internacional. Há mais 29 usinas operando ou entrando em operação nesta safra, segundo a Unica. E a área plantada de cana deve chegar a 6,7 milhões de hectares, prevê a Agroconsult.

Com lucros em alta, o setor investe na inovação. Além do aumento da mecanização — exigência da legislação ambiental para reduzir as queimadas que precedem o corte manual — estão sendo usadas novas variedades de cana modificadas biologicamente para ter safras mais longas. Paradoxalmente, o avanço da produtividade é baseado na exploração da força de trabalho, diz Novais.

Nos anos 80, cada trabalhador cortava em média seis toneladas de cana por dia. Hoje as metas vão de oito a 12 toneladas, diz o professor Alves.

— Só em São Paulo ocorrerem 14 mortes por excesso de trabalho nas duas últimas safras — computa ele.

A produtividade aumentou, os salários não. O piso dos cortadores em São Paulo era equivalente a 2,5 salários-mínimos na década de 80 e hoje é de R$410.

Os migrantes são preferidos pelas usinas por sua alta produtividade. Alojados geralmente dentro dos canaviais, longe de casa e sem acesso às redes locais de proteção, eles ficam totalmente à mercê do empregador.

— A usina costuma adiantar dinheiro da viagem. O trabalhador chega endividado, cativo — diz Novais.

‘Lá a gente passa muita precisão: é o lugar mais seco do mundo’

No fim da safra, a maioria volta para a cidade de origem, mas alguns preferem ficar. É o caso de Edson da Rocha Santos, que saiu de Manuque, Minas Gerais, há um ano, para trabalhar em Campos. Lá, ele ganhava o salário-mínimo e agora tira até R$800. Trouxe mulher, dois filhos e até o cunhado para morar na Tapera, um bairro pobre de Campos, espremido entre a BR 101 e os canaviais.

Ivaneide Maria de Medeiros é outra nova moradora da Tapera. Saiu de Boca da Mata, em Alagoas, com quatro filhos e chegou ao Rio no dia 29 de abril para encontrar o marido, Carlos dos Santos Silva, que tinha vindo trabalhar na Usina Santa Cruz.

— Lá a gente passa muita precisão: é o lugar mais seco do mundo.

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