
Criado por lei em 2017, o Programa Nacional de Biocombustíveis, conhecido por RenovaBio, enfrenta ameaças e corre riscos.
O Programa enfrenta, por exemplo, inadimplência de distribuidoras de combustíveis na compra dos créditos de descarbonização, os Cbios.
Mas quais os motivos da situação?
Para saber mais a respeito, o JornalCana entrevista Amance Boutin, gerente de desenvolvimento de negócios da Argus:
Por que há inadimplência na aquisição de Cbios? Como essa situação afeta o RenovaBio?
Amance Boutin – Porque algumas distribuidoras de combustíveis, que são as empresas obrigadas a adquirir os Cbios, questionam o programa e judicializam a questão.
Neste processo, deixaram de adquirir Cbios ou não cumpriram a totalidade de suas metas de compra. Um dos principais argumentos dessas empresas é que a compra de Cbios nos níveis que vinham sendo praticados representava um ônus grande demais às suas operações.
A situação é vista pelo mercado como uma ameaça à efetividade do Renovabio, já que cria distorções na competição entre distribuidoras ao remover um custo para as inadimplentes.
Quais os impactos dessa inadimplência do RenovaBio no etanol? Esses impactos atingem tanto o anidro como o hidratado? Como?
Amance Boutin – O impacto é uma renda menor proveniente dos Cbios para as usinas, pois o volume adquirido pelas distribuidoras é menor, já que parte do segmento não adquire os Cbios de acordo com suas metas. Isso tende a pressionar os preços, com muita oferta de créditos e a demanda fica restrita.
A Argus tem destacado que os prêmios dos contratos de etanol anidro para 1º junho/25 – 31 de maio/26 recuaram em relação ao ciclo anterior para a maior parte do setor. Porém, distribuidoras inadimplentes no RenovaBio acordaram percentuais mais elevados que a média neste ciclo. Que prêmios dos contratos são esses?
Amance Boutin – Os prêmios correspondem ao percentual acordado em contrato entre produtor e distribuidor para fixar o valor do etanol anidro ao longo da safra.
O preço de base, ao qual o prêmio é adicionado, é o valor semanal do etanol hidratado no mercado à vista em São Paulo.
As distribuidoras inadimplentes no mercado de Cbios tiveram que pagar prêmios mais elevados porque não conseguiram comprar etanol de grandes grupos produtores do Centro-Sul, que se recusaram a firmar contratos anuais com eles.
Como é possível retomar a normalidade do mercado de créditos do RenovaBio?
Amance Boutin – Primeiramente é necessário que haja uma resolução para as questões judiciais pendentes.
Se for decidido que os argumentos das distribuidoras inadimplentes são válidos, o mercado precisaria se ajustar a uma nova noção de normalidade sem a expectativa de demanda por parte dessas empresas.
Caso impere a visão de que as distribuidoras devem comprar as metas pré-estabelecidas, isto precisa ocorrer de forma organizada.
Uma questão pendente no mercado é a necessidade ou não de criar formas de “parcelar” a dívida de Cbios por um período maior, já que a emissão pode não ser suficiente para toda a demanda reprimida e a entrada de tantos agentes no mercado ao mesmo tempo pode levar a uma alta de preços impraticável, dependendo do momento e da forma que isso ocorra
Em sua opinião, a regulamentação de mercados como o de carbono, desde que mais estruturada ante a do RenovaBio, pode colocar em risco a sobrevivência do RenovaBio?
Amance Boutin – A regulamentação do mercado de carbono no Brasil passa pela discussão dos mercados existentes e pela reorganização de seu valor frente a essa nova realidade.
No estágio atual da regulação, é impossível dizer se isso significará a extinção ou a coexistência dos esquemas de carbono existentes, mas é importante que os mercados de Cbios, CGOBs e de quaisquer outros esquemas de certificados sejam levados em conta nas discussões.
A princípio, os Cbios não são utilizados pelas empresas em seus inventários de emissão e, por isso, não concorreriam diretamente com os créditos de carbono do mercado regulado, porém cabe ao Governo definir se faz sentido manter programas de descarbonização paralelos ao mercado regulado de carbono.