Carolina Christiano*
A Lei n° 11.101/2005, de 09/02/2005 tem como objetivo regular a recuperação judicial, extrajudicial e a falência das pessoas jurídicas, substituindo o antigo regime de concordata, aumentando sobremaneira as chances de soerguimento das empresas em dificuldade, preservando os empregos e a manutenção de suas atividades operacionais, beneficiando também os fornecedores em geral, e todo o movimento econômico que gravita ao seu redor.
Em que pese o instituto da recuperação judicial ser bastante conhecido no meio empresarial, a prática tem mostrado que nem sempre acionistas e gestores de empresas conhecem a fundo todos os benefícios que os institutos inseridos na lei podem trazer aos seus negócios porventura envoltos em crises.
Um desses institutos é a Unidade Produtiva Isolada (UPI), prevista no artigo 60 da Lei n° 11.101/2005, que é o tema deste trabalho.
As chamadas UPIs nada mais são do que o conjunto de ativos de uma empresa necessários ao desenvolvimento de suas atividades e que de acordo com o artigo supramencionado podem ser alienados durante o processo de recuperação judicial, visando a preservação das atividades da companhia, bem como o pagamento da totalidade ou de boa parte dos débitos da empresa em recuperação judicial.
Em breve síntese, cabe explicar que, ao ter seu pedido de recuperação judicial deferido, a empresa recuperanda deverá, suportada por assessoria técnica e jurídica capacitada, elaborar um plano de recuperação judicial que será encaminhado aos credores para votação.
Em referido plano, entre as medidas obrigatórias de restruturação e quitação dos débitos, poderá incluir a alternativa de venda de parte ou da totalidade de sua(s) unidade(s) operacionais (UPIs), cujo valor será prioritariamente destinado ao pagamento de seus credores.
Esta alternativa, não compulsória, além de possibilitar trazer capital novo à empresa, traz também muita credibilidade aos credores e ao Magistrado encarregado pela recuperação judicial, facilitando a aprovação do Plano de Recuperação Judicial pela Assembleia Geral de Credores (AGC), procedimento obrigatório previsto no processo de homologação da recuperação judicial.
Assim, a UPI representa, de fato e de direito, uma cisão parcial ou total das unidades operacionais da companhia em recuperação judicial, a qual estará completamente isenta de passivos de quaisquer natureza existentes na recuperanda e absolutamente livre do risco de sucessão dos problemas da empresa de origem.
À adquirente de uma UPI restará apenas a obrigação de pagar o plano de aquisição conforme acordado e aprovado pela AGC, e posteriormente homologado pelo Magistrado, sendo este de fato o seu único passivo imediato.
Portanto, seu CNPJ será novo, limpo e sem vínculos com o CNPJ da empresa recuperanda, mesmo no caso desta última ter sua recuperação judicial convolada em falência no futuro.
Isso quer dizer que, caso ainda remanesçam débitos na empresa recuperanda após a venda, estes débitos continuarão sendo de responsabilidade exclusiva da empresa recuperanda (CNPJ antigo), e eventuais cobranças somente a ela poderão ser dirigidas, como se verifica dos artigos 60, parágrafo único1 e 141, inciso II2, da Lei n° 11.101/2005.
Além da vantagem de adquirir uma empresa com um CNPJ totalmente “limpo”, os adquirentes de UPIs também encontram a possibilidade de incorporar ao seu portfólio companhias que, na maioria das vezes, possuem grandes possibilidades de alavancar ganhos, mas que não se materializavam devido à má gestão, falta de estrutura de capital, crise ou problemas de sucessão e/ou societários.
As vantagens ainda se estendem ao fato de que ao adquirir uma UPI, os novos proprietários podem renegociar os contratos de trabalho com os funcionários que já trabalhavam na empresa, mantendo assim a qualidade do trabalho e o know-how, sem a necessidade de investimentos na criação e treinamento de novas equipes.
Sendo ainda o adquirente uma empresa do mesmo seguimento econômico, seus investimentos tornam-se ainda menores, uma vez que ele já possuirá todo o expertise técnico e administrativo para melhor se aproveitar da oportunidade, reduzindo custos fixos e de investimentos em pessoal e mão de obra.
Conclui-se, portanto, que a aquisição de uma UPI é benéfica tanto para a empresa em recuperação judicial, que precisa de dinheiro novo, quanto aos investidores, que têm a possibilidade de adquirir um negócio “limpo” e com consideráveis possibilidades de crescimento e ganhos, e também para os empregados, que preservaram seus empregos, e para a comunidade e o Estado, que mantém suas fontes de renda e tributos, o que consagra ainda um avanço significativo e fundamental para a modernização da legislação brasileira.
Muito embora o espírito da lei de recuperação judicial seja o de viabilizar condições para o soerguimento e continuidade das atividades de uma empresa, a formação de UPIs e a venda a terceiros pode e deve ser encarada como uma alternativa extremante atrativa, útil e, muitas vezes, como única possibilidade de preservação de empregos e da economia da região em que se localiza o negócio.
*Advogada com especialização em Direito Tributário e Recuperação Judicial pelo Insper e mestrado em Banking, Corporate and Finance pela Fordham University/New York, é sócia do departamento jurídico da Rio Anhumas Consultoria Empresarial Ltda.
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