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Receita vai fazer devassa nas exportações

A Receita Federal prepara uma devassa nas exportações brasileiras para identificar operações fraudulentas que permitem às empresas obter bilhões de reais em créditos fiscais e economizar no pagamento de impostos.

A ação começa por São Paulo e deve se estender para todo o país. Para realizar essa operação, fiscais da equipe de inteligência da Receita vão cruzar as informações de pedidos de créditos fiscais dos exportadores com as notas de exportações das empresas.

A operação para detectar irregularidades nas exportações acontece após uma série de reportagens sobre fraudes tributárias publicada desde julho pela Folha. A fiscalização vai guiar-se pelo valor dos pedidos de créditos fiscais. Isso significa que a Receita está de olho nos grandes exportadores brasileiros, já que são eles os que pleiteiam os maiores créditos.

Em São Paulo, os fiscos estadual e federal vão cobrar cerca de R$ 2 bilhões de um grupo de empresas que teria obtido vantagens fiscais com a exportação fictícia de óleo e farelo de soja. Por meio de notas “clonadas”, a exportação só ocorria no papel. Três empresas já procuraram a Fazenda paulista para devolver créditos indevidos antes da autuação.

Notas clonadas

Investigações dos ministérios públicos de São Paulo e de Mato Grosso e de fiscais da Receita e da Fazenda indicam que o esquema de exportação fictícia, como o identificado com os derivados de soja, já ocorreu em pelo menos outros quatro setores: couro, bebidas, palha de aço e açúcar. Empresas envolvidas estão sob fiscalização e também serão autuadas.

As fraudes nas exportações acontecem porque os produtos vendidos no mercado externo são isentos de impostos federais, como PIS, Cofins e IPI, e estadual, como ICMS. Quando a empresa comprova que adquiriu insumos para produzir para exportar, tem direito a créditos fiscais.

A busca por essa vantagem leva a fraudes, segundo relatam à Folha fiscais e ex-funcionários de alto escalão da Receita. Além da clonagem de notas, há casos de empresas que embarcam mercadorias em navios durante o dia e as desembarcam à noite. Assim, o produto permanece no mercado interno isento de impostos.

Há casos de fraudes sofisticadas. A empresa chega a fazer empréstimos de ACCs (Adiantamento de Contrato de Câmbio) para exportar, mas não envia um produto sequer para o exterior.

Só que o dinheiro entra no país e, dessa forma, a empresa consegue “lavar” recursos remetidos para fora de forma ilegal.

Essa prática geralmente acontece por meio de uma “trading” com conta no exterior. Ela faz a exportação fictícia e envia o dinheiro para o exportador –é a forma utilizada para “esquentar” o dinheiro. Fraudes como essa já foram constatadas nos setores de cigarros, bebidas, pneus e açúcar.

Dilema

A Receita vive um dilema: ao mesmo tempo em que quer fechar o cerco sobre os contribuintes que lesam o fisco por meio de exportações fictícias para obter vantagens fiscais, não quer inibir as vendas para o exterior, consideradas o motor da economia.

Hoje, é fácil exportar. Todo o procedimento para a venda de um produto no mercado externo é feito pela internet. A empresa acessa o Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior) e pede o registro de exportação à Secex (Secretaria de Comércio Exterior), do Ministério do Desenvolvimento, que faz a análise do pedido. Aprovado o pedido, a empresa está pronta para registrar a Declaração de Exportação.

A partir daí, o Siscomex define se a exportação segue pelo canal “verde” ou “vermelho” –tudo eletronicamente. A maioria das exportações sai pelo canal “verde” –sem conferência física da mercadoria. No canal “vermelho”, documentos e produtos são conferidos.

Inspetores da Receita relataram à Folha que atualmente só parte dos registros de exportação concedidos pela Secex é analisada. Isso porque existe um sistema de “malha inteligente”, como o que funciona nas declarações do Imposto de Renda, que cruza os dados dos exportadores.

Número insuficiente

A Receita informa que existem hoje no país cerca de 20 mil empresas exportadoras. São cerca de 2.500 fiscais em todo o país –número considerado insuficiente para dar conta da fiscalização. Na França, por exemplo, são 20 mil funcionários na fiscalização.

Fiscais da Receita informam que é possível burlar as exportações, como em qualquer outro país. Dizem que não há interesse dos países em dificultar as exportações, mas, sim, as importações.

Uma das formas de combater as exportações fictícias, segundo relatam inspetores da Receita, seria fazer um recadastramento de todos os exportadores do país.

Simulação por “terra”

Nas fronteiras terrestres, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul do país, a fiscalização está de olho em empresas que simulam exportações mas deixam o produto no Brasil.

Assim, o exportador “finge” que envia a mercadoria para o exterior, mas a carga transportada retorna como contrabando para ser distribuída no mercado interno –especialmente nos pontos-de-venda informais.

Estradas escondidas em propriedades brasileiras que fazem divisa com Paraguai, Uruguai e Bolívia são as mais usadas nessas operações.

As fraudes, segundo informam, são mais fáceis de ocorrer na exportação de produtos a granel (transportados em grandes quantidades e sem embalagem) –caso de cereais, carvão, minérios e combustíveis líquidos.

Um dos casos mais recentes, sob investigação do fisco, envolve o setor de combustíveis. Os nomes das empresas são mantidos sob sigilo para não atrapalhar o trabalho dos fiscais. Há indícios da simulação de venda de gasolina adulterada para a Bolívia.

Os caminhões “fingem” que vão entregar o produto, mas retornam ao Brasil para revender o combustível adulterado a postos e distribuidoras brasileiras.

No setor de cigarros, essa simulação de exportações foi corriqueira até 1999, segundo informam advogados tributaristas.

É que até aquele ano o IPI chegava a representar até 41,25% do preço de um maço de cigarros. Depois, o peso desse imposto caiu para 22%.

O setor de bebidas também está na mira do fisco. Em junho, donos e diretores da Schincariol foram presos durante a “Operação Cevada”, realizada pela Polícia Federal e pela Receita, por suspeita de sonegação.

Uma das acusações é que a cervejaria teria participado de esquema de exportação fictícia. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro. A empresa nega as acusações.

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