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Questão urgente do álcool

É inevitável rememorar infeliz episódio do passado. Estão muito presentes na minha memória as boas recordações dos tempos em que passava as férias na fazenda da família, no município de Medeiros Neto, Bahia. Criadores que éramos de gado de corte da raça nelore, acompanhava o ciclo dos preços da arroba do boi. Quando chegava a “época das águas”, entre outubro e março, o capim rebrotava viçoso, o gado engordava e todos queriam vender seu rebanho. É óbvio que, pela lei da oferta e da procura, o preço da carne no atacado e no varejo caía, mas o peso do boi compensava o preço. Essa situação perdurava até o mês de julho, quando o frio chegava, a neblina rareava e o capim começava a secar; era o início da entressafra – e o gado começava a perder peso. Os pecuaristas, já capitalizados (ao contrário de hoje em dia), mantinham seus rebanhos para vender na temporada seguinte. No entanto, como o consumo da população não tinha entressafra, os frigoríficos se viravam para continuar abastecendo o mercado. Vi, por inúmeras vezes, mais de cinco compradores chegando à nossa fazenda diariamente para comprar gado para o abate. Para compensar a perda acentuada de peso do rebanho, o fazendeiro tinha de aumentar o preço da arroba, e assim procedia até o mês de novembro, que era o pico da entressafra.

Havia reclamações aqui e acolá, mas nunca faltou carne, já que, naquela época, o brasileiro ainda podia contar com emprego, salário e renda. Durante todo esse período nunca houve um governante que ameaçasse com confisco, importação de carne ou outra medida mirabolante. O tempo passou e, infelizmente, em meados da década de 80, num assomo de populismo inconseqüente – era época do chamado Plano Cruzado, um desastre como se viu –, inventaram uma teoria delirante de que os pecuaristas estavam escondendo os bois para não vender a carne pelo preço artificialmente tabelado. Só a cabeça de algum burocrata insensato poderia agasalhar a suposição de que os pecuaristas seriam capazes de esconder 180 milhões de cabeças de gado, simplesmente o maior rebanho do mundo!

Relembro esse episódio porque percebo uma correlação entre ele e o que estão querendo fazer hoje com a séria questão do álcool combustível. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que, da mesma forma que o boi e outras commodities, a cana-de-açúcar tem safra e entressafra e seus derivados são regidos pela lei do mercado.

O título do editorial da Gazeta Mercantil publicado na edição do dia 6 último expressa bem a real situação do setor sucroalcooleiro: “Não há surpresa na crise do álcool”. Em vez de algumas vozes do governo ficarem ameaçando o setor com o confisco do produto ou mesmo sua importação dos Estados Unidos, deveriam estar planejando a construção, em caráter de urgência, já para a próxima safra, de depósitos que serviriam de estoques reguladores, como fazem os países que adotam a boa gestão da coisa pública.

Se o álcool no mês de junho de 2005 era vendido a R$ 0,58/litro e hoje está sendo comercializado a R$ 1,10/litro na usina, tal fato deve-se única e exclusivamente à falta de planejamento governamental. Se tivéssemos estoques reguladores, bastaria colocar no mercado o produto comprado a R$ 0,58/litro e automaticamente os preços nas usinas baixariam para patamares aceitáveis. Outra idéia aventada pelo governo federal seria a diminuição do percentual do álcool adicionado à gasolina, que passaria de 25% para 20%; uma providência inócua, visto que ela não representa nem 10% do total consumido mensalmente, em torno de 1,5 bilhão de litros.

É de extrema importância que a Agência Nacional de Petróleo, o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras conjuguem esforços para que não haja uma nova crise de credibilidade no setor do álcool combustível e na vitoriosa tecnologia do veículo flex-fuel. Um programa de tal envergadura, genuinamente nacional, não pode ser conduzido ao fracasso. O uso do álcool combustível no Brasil propiciou uma economia de US$ 55 bilhões em 27 anos.

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