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Queimadas: a nova lei estadual e o STJ

Há muito se discute a questão das queimadas no estado de São Paulo, principalmente na nossa região onde a cultura da cana-de-açúcar é a mais expressiva do Brasil. O “fim das queimadas” é pedido incessantemente por muitos, já que o resultado da queima cai nos quintais dos ribeirãopretanos, ou seja, a fuligem resultante das queimadas incomoda diretamente os “urbanos”, o que provoca a natural reação adversa a essa prática de pré-colheita da cana.

Neste sentido, começa a surgir no meio ecológico uma grande reação à recente Lei Estadual n.º 11.241, que regulamenta o fim das queimadas em São Paulo. Esta lei vem sendo criticada por importantes e respeitados ambientalistas de nossa região, pois revogou alguns artigos da Lei 10.547/00 (que previa o fim das queimadas em um prazo mais curto) ao estabelecer prazos de até 30 anos para o fim das queimadas neste estado da federação.

Assim, em breves palavras, a questão por sua ímpar importância deve ser analisada com o cuidado que a matéria exige, especialmente porque as conseqüências oriundas do fim da queima são inúmeras, sendo a mais relevante, o fim do emprego de cerca de 300.000 pessoas só no estado de São Paulo.

Pois bem, para que se entenda as inovações trazidas pela referida norma, quanto ao prazo, importante dizer que ela estabelece prazos qüinqüenais para a redução da área queimada em relação à área cortada. Explicando: a cada cinco anos a queima deve ser eliminada em 20%, 30%, 50%, 80% e 100% em relação à área cortada, ou seja, temos que o fim da queima, quando se atingirá 100% da área cortada – 100% da área queimada, se dará em 2021. Isto para áreas mecanizáveis, isto é, em linguagem usual, aquelas em que é possível a utilização de máquinas para a realização do corte da cana. Por outro lado, se diz que os prazos podem chegar a 30 anos para o fim das queimas, pois nas áreas não-mecanizáveis, isto é, onde não é possível ainda a utilização de máquinas devido à declividade do solo, a eliminação da queima terá uma prazo maior, também a cada cinco anos, mas com percentuais de áreas queimadas em relação às cortadas mais brandos, resultando no fim das queimas em 2031.

Deste modo, resumidamente, são estes os prazos que deixaram alguns descontentes com a nova lei estadual. Não concordam que o fim da queimada tenha esses prazos, aliás por entenderem que esta prática é ilegal.

No entanto, esta posição não se coaduna com o que chamo de bom senso ambiental, fator essencial para a aplicação de qualquer norma neste seara. Ao estabelecer prazos para o fim das queimadas, o legislador paulista demonstra amadurecimento, já que ao mesmo tempo que contempla o fim do “incômodo” provocado pelas queimadas, mantém esta prática por um período razoável, garantindo o emprego e o treinamento de centenas de milhares de pessoas.

Aliás, vale ressaltar que esta mesma lei também demonstrou sensibilidade por parte do legislador estadual, pois nela há previsão de que o Poder Público junto com os sindicatos rurais deverão promover a requalificação profissional dos trabalhadores, além de investirem no desenvolvimento de equipamentos que diminuam o desemprego com o fim das queimadas. Com isso, durante estes prazos qüinqüenais, estes trabalhadores rurais antes de serem dispensados, o que inevitavelmente ocorrerá com a mecanização, deverão ser requalificados, o que, indubitavelmente, é um grande avanço.

Por outro lado, quanto à legalidade da prática da queimada da cana, recente decisão acerca de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em Araraquara requerendo a proibição das queimadas, trouxe a primeira manifestação de mérito do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre o assunto.

O STJ, pela maioria (4×1) dos ministros de sua 1º Turma, julgou que a ação era improcedente e que a queimada da cana é legal, ou seja, o argumento de que esta prática contrariaria a legislação ambiental brasileira restou por terra, ao menos nesta primeira manifestação sobre o mérito do tema (se a queimada é legal ou não) prolatada por um Tribunal Superior.

Ademais, importante destacar que os votos dos ministros foram fundamentados, também, na importância social do assunto, com argumentos de que é preciso dar tempo para que a tecnologia consiga resolver todos os problemas que afetam o meio ambiente, ou de que não se pode falar em lucro só para o usineiro ao queimar a cana, já que se ela tiver que ser cortada crua vai liberar um pó bastante alérgico além de permitir que a serrilha da folha provoque ferimentos ao trabalhador que não consegue usar todos os equipamentos de proteção sob o sol escaldante.

Enfim, esta importante decisão do STJ indica que a recente lei estadual em debate está cercada de legalidade ao estabelecer prazos para o fim das queimadas, e mais, valoriza a questão social com muita sensibilidade, cabendo a todos da sociedade de São Paulo exigir que nossa lei estadual seja aplicada, principalmente quanto à requalificação dos trabalhadores.

Matheus Lauand é advogado atuante na área ambiental de

Guimarães Advocacia em Ribeirão Preto (SP)

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