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Queimada pode sujar imagem do álcool

De combustível limpo, com fama internacional de energia pouco poluente, o álcool pode se transformar em um “sujão” se não forem respeitadas as leis que já existem para a produção e utilização de sua matéria-prima – a cana-de-açúcar. Da mesma forma que a fama de bom moço concedida ao álcool no cenário dos combustíveis modificou drasticamente o perfil da economia da região de Araçatuba, também pode transformar essa fonte de energia em vilão do meio ambiente no noroeste paulista, uma vez que o setor sucroalcooleiro é um dos mais fortes, responsável por milhares de empregos em ampla cadeia produtiva e pelo desenvolvimento de muitas cidades.

Na avaliação do professor do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) João Vicente de Assunção, o aspecto ecologicamente correto do álcool como combustível menos poluente é ofuscado pela queima da palha da cana-de-açúcar, prática comum na região de Araçatuba. As queimadas liberam na atmosfera poluentes tóxicos, como compostos de enxofre e nitrogênio e monóxido de carbono.

Nos próximos anos, os prejuízos causados pela queima da cana-de-açúcar no processo de colheita para a produção do álcool podem ser ainda maiores. Considerada a nova fronteira da cana, a região de Araçatuba trocou os bois pela matéria-prima do álcool e açúcar. Nos últimos 18 meses, a área destinada ao plantio da cana aumentou 80,97% na região de Araçatuba, o que equivale a 142,5 mil hectares a mais plantados com a nova riqueza do oeste paulista.

Os bois, cujas pastagens foram responsáveis pelo desmatamento do cerrado e áreas de Mata Atlântica há décadas, deram espaço ao verde da cana. Entre 2004 e 2006, o rebanho de Araçatuba diminui 14%. Menos áreas de pastagem significa mais áreas com cana e, conseqüentemente, mais perigo de queima da palha.

Até 2010, estima-se que a produção regional será acrescida em 56 milhões de toneladas, o que representa um investimento de 4,2 bilhões de dólares na instalação de 28 usinas para a produção de álcool e açúcar. Com a expansão, o setor deve criar 25 mil empregos diretos. A cana deve tomar conta de uma área de aproximadamente 850 mil hectares.

Mais cana representa mais queimada se for considerada a lógica atual de que o fogo no canavial é utilizado para facilitar o corte ao eliminar impurezas. O número de pontos de queimadas verificado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Monitoramento Por Satélite aumentou entre 2004 e 2005: de 260 subiu para 320. Em 2006, até segunda-feira passada, a Embrapa verificou 62 pontos de queimadas na região de Araçatuba (que para efeitos de estudo da empresa reúne 36 municípios, na faixa territorial entre Avanhandava e Castilho).

O sistema de monitoramento de queimadas da Embrapa utiliza imagens geradas a partir de um sensor a bordo do satélite meteorológico Noaa, cuja recepção é realizada pelo Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais). Entre 1999 e 2001, a Embrapa detectou uma diminuição no número de queimadas: foram verificados 456 pontos em 99, 273 no ano seguinte e 239 em 2001. Em 2002, a quantidade de pontos observados voltou a crescer e atingiu 270 focos, contra 255 em 2003.

A engenheira agrônoma da Embrapa Adriana Vieira de Camargo de Moraes explica que o número de pontos de queimadas pode ser ainda maior.

“As queimadas destinadas ao corte da cana são realizadas, geralmente, nos fins de tarde, e tem, relativamente, curta duração”, explica Adriana, especialista em agrometeorologia. “O número de queimadas por dia registrado pelo satélite refere-se às queimadas noturnas, o que pode apresentar um resultado equivocado e menor que o efetivamente ocorrido na região.”

POLUIÇÃO – Assunção explica que o álcool produzido a partir da cana-de-açúcar sempre foi elogiado por não ter conseqüência negativa sobre o efeito estufa. Isso ocorre porque a cana absorve o gás carbônico da atmosfera ao realizar a fotossíntese e devolve oxigênio. “Nesse sentido, o álcool é considerado um combustível importante contra a degradação ambiental”, afirma o pesquisador.

No entanto, a queima da cana faz o caminho inverso. Além dos compostos químicos prejudiciais, a queima libera poluentes (dioxinas, hidrocarbonetos, etc.) que são cancerígenos. Esses poluentes também reagem com o ozônio e causam agravos à saúde. “Mesmo que a queima seja mais freqüente em áreas canavieiras, esses poluentes são transportados a longas distâncias e prejudicam vários ecossistemas”, diz Assunção, responsável por pesquisas sobre os efeitos das queimadas na saúde humana.

O problema se maximiza porque as queimadas ocorrem justamente no período mais seco do ano, com poucas chuvas, o que facilita a ocorrência de problemas respiratórios nas populações dos núcleos urbanos próximos aos canaviais.

PROBLEMAS AMBIENTAIS – A queima da cana não provoca apenas poluição do ar e problemas respiratórios. O vento espalha os “carvõezinhos” pelas cidade e implica aumento do consumo de água para limpeza de casas e estabelecimentos justamente em uma época em que se prioriza tanto a economia dos recursos hídricos.

Outro problema é que a queima da cana espanta animais silvestres. A fauna da região teve seu habitat natural comprometido desde a expansão da pecuária extensiva, que projetou na economia nacional a região noroeste paulista. Os animais que restaram vivem em matas próximas a canaviais e freqüentemente estão no meio deles. É comum na região apreender animais atropelados em rodovias e estradas vicinais que sofreram o acidente quando fugiam do fogo.

Além da colheita da cana, as queimadas registradas pela Embrapa Monitoramento Por Satélite são usadas na agricultura para o controle de pragas, limpeza de áreas para plantio e renovação de pastagens. “Se por um lado a queimada facilita a vida de parte dos agricultores trazendo benefícios a curto prazo, de outro ela afeta negativamente a biodiversidade, a dinâmica dos ecossistemas, aumenta o processo de erosão do solo, deteriora a qualidade do ar e provoca danos ao patrimônio público e privado, prejudicando a sociedade como um todo”, esclarece Adriana.

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