JornalCana

Proteção e subvenção agrícola são caras, irracionais e injustas

Após o fracasso da Rodada Doha em julho ficou claro que os países em desenvolvimento estão dispostos a ceder em seu elevado protecionismo, desde que haja forte redução do sistema de proteção e subvenção da agricultura nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Esses países se sentem injustamente discriminados, especialmente os mais pobres, na exportação dos produtos em que são mais competitivos. Não apenas os produtos agrícolas, a maior parte de suas exportações, mas também em todas as manufaturas de mão-de-obra intensiva, como as têxteis, confecção, calçado, brinquedos, artesanato e muitas outras.

Do mesmo modo, essas nações se queixam das elevadíssimas subvenções agrícolas à produção, que distorcem o comércio e criam grandes volumes de produtos subvencionados, que em seguida são exportados a preços novamente subvencionados aos países em desenvolvimento, causando estragos em sua produção nacional.

Motivos de peso não faltam para opor-se a algum tipo de acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC) até que não se reduzam tais protecionismo e subvenções. A maioria dos cidadãos dos países da OCDE deveria apoiá-los em suas reivindicações, já que não são os únicos prejudicados. Todos são afetados negativamente por tais políticas. Para apoiar esse argumento, convém analisar quem ganha e quem perde com essa política agrícola.

A proteção agrícola dos países da OCDE afeta, em primeiro lugar, todos os agricultores dos países em desenvolvimento e de alguns já desenvolvidos, que representam aproximadamente 95% dos agricultores do mundo. Da mesma forma, também sofrem todos os cidadãos dos países da OCDE como consumidores, já que as elevadas tarifas de importação que os produtos agrícolas precisam pagar, além das cotas e contingentes às quais estão submetidos, representam custo extra. Isso equivale a um imposto para cada consumidor desses países. A tarifa média de importação dos países da OCDE em relação a todos os produtos dos países em desenvolvimento era de 6% em 2000.

No entanto, em relação aos produtos agrícolas a tarifa era de 20%. E em relação aos produtos agrícolas mais consumidos na OCDE – cereais, arroz, açúcar, carne, leite e queijo -, chegava a mais de 100% do seu valor incluindo seguro e frete, levando em conta a média de tais tarifas, que são menores quando as importações estão dentro da cota ou não têm cota ou contingente e muito mais elevadas quando são importadas em volumes além da cota.

Isso significa dizer que os consumidores dos países da OCDE pagam, em média, o dobro do preço internacional, incluindo o custo do frete e seguro, por tais produtos alimentícios importados. Naturalmente, essa duplicação do preço afeta muito mais negativamente as famílias de menor renda, nas quais a cesta de produtos alimentícios representa um maior peso em seu consumo total, o que a converte em um imposto muito elevado, além de regressivo.

O mesmo pode ser dito das subvenções agrícolas de tais países. A cada ano, os países da OCDE lhes dedicam cerca de US$ 250 bilhões – incluindo os US$ 41 bilhões adicionais, em quatro anos, recentemente introduzidos pelo presidente Bush na Farm Bill.

Tais subvenções favorecem alguns poucos agricultores e são financiadas com a arrecadação do imposto sobre valor agregado ou com os impostos sobre as vendas, pagos por todos os contribuintes que consomem. Os contribuintes mais afetados por essas subvenções são, de novo, os mais pobres, já que seu consumo e o que pagam de impostos sobre valor agregado ou sobre vendas representam uma porcentagem maior do total de sua renda disponível. Calcula-se que cada consumidor europeu paga 600 euros a mais por ano com a política de subvenções. Além disso, os mais favorecidos são alguns poucos agricultores, os mais ricos, dos países da OCDE.

Por exemplo, na União Européia, a subvenção média por agricultor é de US$ 17 mil por ano; nos Estados Unidos, chega a US$ 21 mil; no Japão, a US$ 30 mil, cifras astronômicas se comparadas com a renda anual média dos habitantes de rendimento médio de países em desenvolvimento, que é de US$ 2 mil, e nos de rendimento baixo, de US$ 410. Chega-se ao absurdo de conceder uma subvenção média por cabeça de gado de US$ 2 ao dia, quando há mais de 1 bilhão de pessoas no mundo que vivem com menos de US$ 2 ao dia.

Para ser mais preciso, 20% do total de apenas 880 mil agricultores da União Européia que recebem subvenções ganham 80% dessas subvenções. Os mais pobres, cerca de 721 mil, recebem menos de 5 mil euros por ano, sendo que 450 mil recebem menos de 1 mil euros por ano. No lado oposto, 31 mil agricultores, 3,5% do total, recebem mais de 20 mil euros por ano, o que representa 40% da subvenção total. Entre esses, 374 agricultores ganham mais de 200 mil euros por ano e 115, mais de 400 mil euros por ano. Significa dizer que na União Européia 45% do Orçamento Comunitário (45 bilhões de euros) é usado para subvencionar 0,3% da população de 383 milhões. Adicionando-se os funcionários que trabalham para esses agricultores e suas famílias a porcentagem chega a menos de 8% da população total européia (cerca de 3 milhões de pessoas). Realmente, não é possível imaginar uma política mais injusta e mais discriminatória para os próprios cidadãos europeus. Se qualquer país membro fizesse isso com seu orçamento, o governo que tomasse essa decisão não duraria um mês no poder.

Um recente estudo conjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial calculou quanto custam a proteção ao comércio agrícola e as subvenções, em termos de perda de renda, com tais impostos, e de receita, com as exportações. A perda anual de renda no total mundial soma US$ 128 bilhões e a perda com receita de exportações, US$ 506 bilhões por ano. A perda total para os próprios países da OCDE é de US$ 359 bilhões (70% do total) e a perda total para os países em desenvolvimento é de US$ 147 bilhões por ano (os 30% restantes). Contudo, se for levado em conta que o Produto Interno Bruto (PIB) dos países em desenvolvimento, medido em dólares pelo câmbio corrente, é quatro vezes menor do que o dos desenvolvidos, 62% do custo efetivo é pago pelos países em desenvolvimento e 38% pelos desenvolvidos.

A Comissão Européia levou a cabo uma reforma da Política Agrícola Comum (PAC), reduzindo em 20% tais ajudas ao longo de sete anos, com uma redução anual de 3% e desvinculando 29 bilhões de euros da produção e aplicando-os para sustentar a renda dos agricultores, além de ter delimitado um valor máximo por agricultor de 300 mil euros por ano. A lógica da reforma é que os agricultores europeus devem receber uma contrapartida porque produzem muitos “bens públicos” de que a sociedade precisa, como a preservação do meio ambiente, a paisagem e a proteção dos animais. (É realmente paradoxal dizer que os agricultores “preservam” o meio ambiente quando a agricultura representou um dos ataques mais daninhos da história ao meio ambiente.)

Além disso, finalmente a Comissão percebeu que a maior parte da subvenção, que está ligada à produção, é totalmente ineficiente, já que ajuda apenas em 25% a aumentar a renda de alguns poucos agricultores agraciados e a maior parte é investida em equipamentos e em mais solo cultivável. Contudo, essa reforma ainda não foi aprovada pelo Conselho Europeu e existe uma forte oposição à sua aprovação por parte dos países membros mais beneficiados. E isso apesar da manutenção do total das subvenções, já que o que for economizado com essa redução de 20% será transferido aos países membros para gastos em “desenvolvimento rural”.

Em resumo, parece pouco racional, para não dizer absurdo, dedicar ainda hoje 45% do Orçamento Comunitário para subvencionar uma atividade produtiva do passado, que em sua maioria não é competitiva, já que é possível substituí-la, em grande parte, por importações mais baratas dos países em desenvolvimento e que é utilizada de forma ineficiente e injusta, em vez de dedicar-se ao desenvolvimento científico e tecnológico, que é o que trará maior valor agregado e maior produtividade futura à União Européia.

Prova disso é o recente informe encomendado pelo presidente da Comissão, Romano Prodi, a um grupo independente de economistas europeus de alto nível, intitulado “Uma Agenda para uma Europa em Crescimento”. O estudo propõe destinar metade dos gastos orçamentários atuais da PAC, que os economistas consideram que subvenciona uma atividade de peso mínimo no total do emprego e da produção européia (3,5% do emprego e 2% do PIB) e que, além disso, é uma “relíquia do passado”, a outros fundos que realmente melhorem a convergência real e a produtividade e a reestruturação do aparato produtivo da UE. Naturalmente, essa proposta caiu em ouvidos surdos, já que recebeu uma oposição virulenta por parte dos países membros. Não é de estranhar, portanto, que os EUA estejam crescendo a um ritmo muito mais elevado do que a UE e sua produtividade seja muito maior. Como cidadão europeu, tenho o dever de denunciar tamanho disparate, a partir do qual todos os cidadãos do mundo saem perdendo, a não ser alguns poucos privilegiados.

Neste momento, ao que parece, a UE estaria disposta, nas próximas semanas, a chegar a um acordo na Rodada de Doha para reduzir em 60% as tarifas médias de importação para produtos agrícolas (a não ser em 8% dos produtos que a UE considera “sensíveis”), além de cortar em 70% as subvenções agrícolas que produzem maiores distorções no comércio agrícola internacional.

Por seu lado, os EUA estariam dispostos a reduzir o imposto médio de importação de produtos agrícolas em 90% e cortar em 60% as subvenções que mais distorcem o comércio agrícola. No entanto, embora a proposta da UE tenha lugar dentro da atual reforma da PAC, os EUA ainda precisariam reformar sua Farm Bill para consegui-lo.

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram