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Proposta dos EUA para a Alca não tem desaforo, diz Brasil

“Não tem desaforo”. Na linguagem franca e contundente que é sua marca, o embaixador Adhemar Bahadian, co-presidente, pelo Brasil, das negociações da Área de Livre Comércio das Américas, define assim o conjunto de propostas que um grupo de países liderados pelos Estados Unidos apresentaram ontem para as discussões que tentarão definir de uma vez o formato da Alca.

De fato, o texto, assinado também por Canadá, Chile, México e Costa Rica, entre outros países, é mais suave do que o documento original do G3 (Canadá, Chile e México), aparentemente por pressão norte-americana.

Demonstração definitiva de que a proposta não tem “desaforos”: dos 32 itens do documento, em 22 as anotações feitas à margem do texto pela delegação brasileira apontam “OK”, ou seja, zero de discordância.

Mas há, sim, sutilezas que podem complicar a reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), principal organismo técnico da Alca, que se inaugura oficialmente hoje na cidade mexicana de Puebla.

Primeiro problema, conforme a Folha já havia apontado em sua edição de ontem: o texto dos Estados Unidos e demais parceiros mantém, embora com linguagem menos direta, o veto à possibilidade de que o Brasil pegue carona em acordos mais ambiciosos de liberalização comercial nas Américas.

O texto original do G3 dizia que “os resultados nas negociações de acesso a mercado do nível plurilateral somente serão estendidos aos países participantes do nível plurilateral”.

Nível plurilateral é o jargão para um dos dois trilhos da chamada Alca “light”, que o Brasil conseguiu obter na Conferência Ministerial de Miami, em novembro. O primeiro trilho é o de “um conjunto comum de direitos e obrigações”, obrigatório para todos os 34 participantes.

O segundo trilho são justamente os acordos plurilaterais, mais ambiciosos, mas dos quais participa apenas quem quiser.

A nova linguagem do grupo formado pelos EUA e parceiros diz apenas que “a cláusula de Nação Mais Favorecida deveria aplicar-se (…) tendo em conta os compromissos e as obrigações dos diferentes países”.

A cláusula, regra de ouro no comércio internacional, diz que, se um país der vantagem a outro em negociações regionais como as da Alca, por exemplo, terá que estendê-la a todos os demais.

Na prática, significa que quem não paga (o preço da liberalização) não come (os frutos dela em outros países).

“Estabelecer que, se um país não quiser fazer tal coisa, será punido em outra área é como criar a roda quadrada”, reage o embaixador Bahadian.

Segundo problema: o texto dos norte-americanos e dos outros países diz que, “conforme se chegue a um acordo, poderão ser incluídas disposições adicionais ao conjunto comum de direitos e obrigações”.

É outro parágrafo vetado pelo Brasil, por motivos óbvios: abre espaço para engordar substancialmente a Alca “light” saída de Miami.

Por fim, no capítulo específico de serviços, o documento norte-americano (e de sócios) cobra “compromissos adicionais em setores específicos, conforme se chegue a acordo”.

É o que a delegação brasileira batiza de Gats-plus, em alusão ao Acordo Global sobre Comércio de Serviços, já vigente no âmbito da Organização Mundial do Comércio, e é o limite que o Brasil está disposto a aceitar.

Há outras divergências menores: o Brasil acha pouco, por exemplo, que, em matéria de derrubada de tarifas, se diga que “todo o universo tarifário está sujeito a negociações”. Prefere que se fale em “eliminação” de tarifas, ainda que em prazo escalonado (imediato, cinco anos, dez anos e mais de dez anos).

O Itamaraty também acha fraco o trecho da proposta dos EUA e dos parceiros sobre agricultura e veta a idéia de “estabelecer uma salvaguarda agrícola especial”.

Uma salvaguarda desse gênero permitiria, por exemplo, que algum sócio da Alca barrasse exportações brasileiras de soja se elas aumentassem por conta de uma eventual desvalorização da moeda.

De modo geral, no entanto, o documento deixa pouquíssima margem para confrontos, na avaliação preliminar da delegação brasileira.

Mesmo assim, Antônio Simões, com seis anos de Alca às costas, prefere a cautela: “Uma coisa é o que está nos papéis, outra é a discussão lá dentro”, diz, apontando para o Centro de Convenções de Puebla que será o QG da reunião do CNC.

Mas o embaixador Bahadian é mais otimista: “Acho que será uma negociação mais fácil do que a imprensa supõe”, diz.

Sua tese é a de que os Estados Unidos finalmente se deram conta de que a proposta brasileira de uma Alca light, com dois níveis de obrigações, não é uma tática negociadora, mas uma posição indestrutível de governo.

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