O ministro das Relações Exteriores, José Serra, declarou ontem em Paris que o avanço das negociações para um acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul depende das propostas do bloco europeu na área agrícola. O Brasil também aposta na expansão do comércio com os Estados Unidos e o Canadá como forma de pressionar a UE a acelerar a conclusão de um acordo com o Mercosul.
“A bola está agora nos pés da União Europeia, principalmente com a questão agrícola”, disse o chanceler brasileiro, que chegou a Paris no domingo para participar da reunião ministerial anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na quarta e quinta-feiras.
Após inúmeros adiamentos, o Mercosul e a União Europeia realizaram, em 11 de maio, a troca de ofertas entre os dois blocos. As negociações para a criação de uma zona de livre comércio se arrastam há quase duas décadas. Na avaliação do Brasil, as ofertas apresentadas pela UE em maio seriam insuficientes por não ter incluído alguns produtos relevantes para o país, como carne e etanol.
“A União Europeia ainda está pendente de entregar partes de suas conclusões. No Brasil e na América Latina há pessoas dizendo que o acordo Mercosul-UE não sai por causa do Mercosul. Isso podia ser verdadeiro no governo anterior, mas não é mais”, afirmou Serra. Serra criticou os subsídios agrícolas europeus, citando o montante de cerca de € 100 bilhões anuais “em dinheiro” entregues aos produtores.
A comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmström, é uma das autoridades que o chanceler brasileiro deverá encontrar durante a reunião ministerial na OCDE, amanhã e quinta-feira. Serra disse esperar um “bom avanço” nas discussões com a comissária europeia, ressaltando que o Brasil não irá fazer concessões unilaterais. “O Brasil não vai fazer concessões unilateriais, não faz sentido. Eles [o bloco europeu] não fazem. Por que a gente vai fazer?”
Serra também deve se reunir esta semana com o representante para o comércio dos Estados Unidos, Michael Fromam, e destacou que o Brasil deve diversificar seus parceiros comerciais. “Vamos insistir nas possibilidades de expansão do comércio com os Estados Unidos e Canadá até como fator para estimular mais a União Europeia a se apressar”, disse o chanceler ontem.
“Um bom player no comércio internacional tem sempre de se diversificar. Não podemos ficar dependentes de uma ou duas regiões do jeito como o mundo é hoje”, declarou Serra.
O chanceler disse ainda que não estava a par das reticências da ministra argentina das Relações Exteriores, Susana Malcorra em relação à proposta brasileira de flexibilização do Mercosul, com o objetivo de dar maior liberdade aos membros do bloco para negociar acordos comerciais. Malcorra afirmou que mudanças desse tipo no Mercosul devem ser feitas com prudência e poderiam até atrapalhar as negociações atuais com a UE.
“Não estou sabendo disso, não vi nada a respeito”, afirmou Serra ontem, acrescentando que irá se encontrar com a ministra argentina em Paris. Hoje Serra deve ter reuniões de trabalho para preparar seus encontros com autoridades durante o evento da OCDE. No início da noite de hoje ele deve participar de uma recepção no Palácio do Eliseu, sede da presidência francesa, para celebrar a semana da América Latina em Paris, com uma série de eventos culturais.
No evento da OCDE, Serra será um dos palestrantes do painel que discutirá “uma agenda universal para o desenvolvimento inclusivo e sustentável”. “Vou fazer um balanço da economia brasileira, superconjuntural, baseado em coisas que eu mesmo fiz ou que pegamos nos jornais neste final de semana. As perspectivas são boas, relativamente”, completou.
Serra se recusou a comentar sobre questões políticas no Brasil. Apenas voltou a defender, ao falar sobre sua viagem a Cabo Verde, a adoção do sistema de semi-presidencialismo no Brasil, como existe no país africano.
“O semi-presidencialismo é precisamente o que eu acredito que seria melhor para o Brasil. Tem o primeiro-ministro, que cuida do governo, e o presidente, que cuida dos assuntos de Estado”, disse Serra, citando também Portugal, onde também há eleição direta para presidente, diferentemente de países como a Itália ou a Alemanha.
Serra reiterou ontem que não existem decisões sobre o eventual fechamento de embaixadas do Brasil na África. “Eu apenas mandei fazer uma análise da utilidade e dos custos de cada embaixada. É uma providência elementar”, disse o chanceler, em resposta a rumores de que as embaixadas em Serra Leoa e no Libéria seriam as primeiras fechadas no continente. “Como esse pessoal do PT não tem nada para falar a respeito do atual quadro, ficam caraminholando em torno dessas coisas.”
Antes de chegar à capital francesa, na noite de sábado, Serra esteve em Cabo Verde para discutir, com autoridades do país, temas de cooperação nas áreas de saúde, educação e Defesa. Ele ressaltou o interesse do Brasil pelo continente. “A África Subsaariana cresceu entre 2000 e 2010 ao ritmo equivalente ao dobro da América do Sul. De 2010 a 2016, o ritmo é equivalente ao triplo. É um mercado crescente e que nos interesse bastante.”
Fonte: (Valor)