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Produtores norte-americanos de etanol recusam rótulo de vilões

Os produtores americanos de etanol rejeitam as críticas que vêm sofrendo nos últimos meses, segundo as quais o etanol fabricado a partir de milho – como acontece nos EUA – seria o responsável pela inflação global no preço dos alimentos.

Para a Renewable Fuels Association (RFA), entidade que reúne produtores e distribuidores norte-americanos de etanol, o aumento no preço do barril de petróleo – que chegou ao recorde de US$ 138 no início de junho – é o verdadeiro vilão.

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“Várias análises provam que o preço do barril de petróleo – e não o do milho ou a produção de etanol – tem o maior impacto nos alimentos, porque esse combustível é uma parte integral de virtualmente todas as fases da produção de alimentos, desde o processamento até a embalagem e o transporte”, disse a RFA por meio de sua porta-voz, Mary Giglio.

No último dia 3, na Conferência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma, o presidente Lula fez questão de diferenciar os efeitos do etanol feito a partir de cana-de-açúcar, como no caso brasileiro, daquele que usa o milho como matéria-prima.

Nas palavras do presidente, “há quem diga que o etanol é como o colesterol. Há o bom etanol e o mau etanol. O bom etanol ajuda a despoluir o planeta e é competitivo. O mau etanol depende das gorduras dos subsídios.”

É a mesma postura adotada por Jean de Schutter, relator Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Alimentação, em declaração feita no mês passado. “Eu não penso que o impacto de se produzir etanol a partir da cana-de-açúcar no Brasil, o que tem sido feito há 30 anos, poderia ser colocado no mesmo plano que a transformação do milho em bioetanol nos Estados Unidos”.

Além do petróleo, os americanos apresentam outros argumentos para rebater essas críticas. Segundo a RFA, quebras de safras devido a fatores climáticos na Austrália e na China, aumento na demanda por alimentos nos países em desenvolvimento, especulação com as commodities nas bolsas de valores e a desvalorização do dólar também têm maior influência que o etanol de milho.

“Estimamos que, no total, o etanol de milho seja responsável por 2% ou 3% do aumento no preço dos alimentos, afirma Mary Giglio, da associação dos produtores norte-americanos de etanol. “Além disso, uma refinaria de etanol de tamanho médio gera por ano cerca de 1,6 mil empregos através da economia”, justifica.

Motivos

Especialistas brasileiros ouvidos pelo G1 discordam da avaliação norte-americana. Para Daniele Siqueira, consultora da Agência Rural, o petróleo tem influência nos preços.

No entanto, ela acredita que “o principal fator do aumento é o desvio de parte da safra de milho para a fabricação de etanol”.

Segundo ela, a quantidade de milho usado como matéria-prima do combustível nos EUA saltou de 53,8 milhões de toneladas na safra passada para 76,2 milhões na atual. É quase um quarto do total plantado nos EUA, de 332,1 milhões.

“O mais impressionante é a previsão desse desvio para a próxima safra, que está na casa de 101,6 milhões”, alerta.

A consultora explica que esse milho era usado tanto para exportações quanto para o mercado interno de rações e alimentação – e o Departamento de Agricultura americano já reduziu as previsões de ambos nos EUA.

“Com isso, o aumento se espalha para outros segmentos alimentares. Os produtores de carne, por exemplo, tem dificuldade de manter seus preços quando a ração está tão cara”, detalha.

Esse desvio das exportações já está sendo sentido nos mercados mundiais.

Segundo o estudo “The Rush To Ethanol”, do grupo Food & Water Watch, “países em desenvolvimento que importam milho americano, como Indonésia e Egito, podem experimentar instabilidade sócio-econômica como resultado de preços exorbitantes do produto”.

No México, isso já está ocorrendo, gerando protestos populares. A tortilha – símbolo da culinária mexicana, feita à base de milho – tem se tornado cada vez mais cara, agravando um quadro político e econômico já volátil.

No caso da cana-de-acúcar, os analistas apontam que ela não concorre diretamente com nenhum alimento, além do açúcar, que também é fabricado a partir do vegetal.

Hoje, pouco mais da produção de cana do Brasil é usada para etanol, e o restante vai para a produção de açúcar. Mesmo assim, espera-se que a próxima safra brasileira do produto seja recorde. E, ao contrário dos grãos, a demanda por açúcar no mercado mundial é apenas moderada no momento – e se espera que essa tendência seja mantida nos próximos anos. Disputa por terras

Outro modo de influência do etanol de milho no preço dos alimentos é através da competição por terras com outras culturas alimentares. “Os EUA são uma país onde praticamente não há novas terras aráveis”, afirma Daniele.

“Essa escassez leva a uma disputa por terras entre as commodities com maior preço no mercado. Assim, o milho avança sobre a soja e o trigo”, diz. Com menor disponibilidade, esses dois produtos registrararam altas significativas nos últimos meses. É a mesma análise de Paulo Molinari, analista da consultoria Safras.

“A limitação no tamanho dos campos gera um estrangulamento da oferta de alimentos em um momento de aumento da demanda. Estamos no fio da navalha:uma eventual quebra de safra agora poderia gerar um problema seriíssimo no mundo”, analisa.

Segundo analistas, essa situação é diferente no caso do etanol de cana. De acordo com Sérgio Torquato, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA), um levantamento do instituto, concluído em março, mostrou que pelo menos no caso do estado de São Paulo não há substituição em grande escala de alimentos por cana.

“As novas plantações têm surgido basicamente em áreas que antes eram pastagens extensivas”, informa. Segundo ele, existe espaço no Brasil para o crescimento da cana. “A cana ocupa hoje cerca de 7 milhões de hectares (2,5% da área plantada do país). Há cerca de 20 milhões de hectares livres para a expansão da cultura”. O fator ambiental

A influência ambiental também é apontada como outra diferença entre as duas matérias-primas do combustível. No caso americano, o uso de nitrogênio como fertilizante nas crescentes plantações de milho do Meio-Oeste faz com que todo ano cerca de 100 mil toneladas de nitratos sejam despejados no rio Mississippi, que deságua no Golfo do México.

A concentração do produto na região gera a proliferação descontrolada de algas e prejudica o desenvolvimento da vida marinha, o que levou ao surgimento de uma região conhecida como “zona morta”.

No caso do Brasil, a preocupação referente à cana é que o aumento de seu plantio possa ser uma repetição do que aconteceu no caso do soja, onde a expansão das colheitas na direção norte gerou um aumento no desmatamento até criar o chamado Arco do Fogo. Trata-se de uma região que envolve a floresta amazônica conhecida pelo grande número de queimadas.

“O medo de a cana pressionar na direção da Amazônia sempre existe, mas é possível evitar isso através de diversas medidas, como o zoneamento agrário (indicação de áreas adequadas para plantação), diz Torquato, do IEA. “O caso dos EUA e do Brasil é completamente diferente. A cana-de-açúcar tem espaço para crescer sem devastar a Amazônia”, concorda Daniele, da Agência Rural.

Expansão

Os EUA passam por uma forte expansão em sua produção de etanol desde 2005, quando uma lei chamada Energy Policy Act determinou cotas mínimas de uso do combustível para os próximos anos. Os números mostram que a participação do etanol no consumo energético americano foi de 3,5% dos suprimentos de combustível em 2006. Espera-se que até 2017 esse valor chegue a 7,5%.

Nos EUA, a produção de etanol é feita a partir de milho porque, devido a fatores climáticos, os fazendeiros só conseguem plantar cana nos estados da Flórida e do Havaí.

Como resultado da demanda por etanol, a extensão desse plantio vem crescendo. A área plantada com milho em 2007 será a maior desde 1944 nos EUA. Na próxima safra, a quantidade plantada com milho deve subir em 15%, superando os 90 milhões de hectares.

Mesmo com a maior produção, no entanto, o preço do milho no mercado mundial está disparando: no período de dois anos, o valor do bushel (unidade de medida equivalente a 25,4 quilos) triplicou, saltando de US$ 2 para US$ 6.

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