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Produtores de cana aumentam a produção, mas freiam investimentos

O negócio da cana-de-açúcar continua crescendo no Brasil, só que não no ritmo anunciado dois anos atrás. O repórter César Dassie encontrou, em Mato Grosso do Sul, uma realidade que reflete o atual momento do setor: aumento na produção e freada nos investimentos.

Seu Valdeli dos Santos Rosa é um dos agricultores do município de Costa Rica, em Mato Grosso do Sul, que abriram a porteira para a lavoura da cana-de-açúcar. Dos 5 mil hectares da propriedade, 1.400 viraram canavial. “Eu assinei o contrato de arrendamento no final de 2006, para plantio em 2007. Paguei R$ 400 por hectare. Hoje, caiu 25% o preço, está em torno de R$ 300 o hectare”, compara.

Foi com arrendamentos como o do seu Valdeli e com a decisão de agricultores que bancaram o plantio da cana em suas propriedades que a lavoura ganhou grandes dimensões em Mato Grosso do Sul. Do ano 200 para cá, o Estado saiu do sétimo para o quarto lugar, atrás de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Nesse período, enquanto o Brasil dobrou a produção, Mato Grosso do Sul aumentou quatro vezes a quantidade de cana, chegando aos atuais 34.350.000 toneladas.

No município de Chapadão do Sul, uma única fazenda mandou para o abate 47 mil cabeças de gado para que a pastagem virasse canavial. O gerente de pecuária Felipe Rocha viu o rebanho diminuir 70% em apenas dois anos, depois que a empresa resolveu construir uma usina. “Infelizmente vale mais um hectare de cana do que de gado. Um hectare de pecuária vai render na base de R$ 150, R$ 200, por hectare líquido. A cana vai render umas três vezes mais que isso, de R$ 450 a R$ 500 por hectare”, conta.

O vaqueiro Olisses de Carvalho diz que seu trabalho praticamente não mudou, mesmo com a redução no número de animais. “Reduziram os companheiros, então o trabalho continua quase no mesmo ‘batidão’. Porque, quando tem bastante gado, tem bastante peão. Tem menos gado, tem menos peão. Não trocaria uma égua por um trator, porque o trator eu nem sei nem tirar do lugar, e com a égua eu ganho meu pão”, diz.

Nas áreas de plantio, não é difícil encontrar os companheiros do seu Olisses que trocaram o gado pela cana. Há o Cléber Rodrigues, que deixou de ser vaqueiro. “Trator você trabalha mais tranquilo, gado é mais complicado”, afirma. Há também o José Fábio da Silva, que passava o dia fazendo cerca. “Nunca tinha dirigido um trator como esse. Tem mais botão do que eu imaginava”, revela. E há ainda o Robson Borges, que está feliz da vida com o rumo da sua profissão. “Consegui uma promoção, de assistente técnico na pecuária para supervisor de plantio”, entusiasma-se.

O agrônomo Osvaldo Franco é o gerente agrícola de toda a fazenda e revela qual a sua maior preocupação em formar um canavial de 24 mil hectares para abastecer a usina. “Quando se trabalha com uma cultura anual, soja, você com quatro meses hoje colhe soja, entre o plantio e a colheita. Aí você faz safrinha; no outro ano, se você não gostou daquela variedade, você planta outra. Milho a mesma coisa. Cana, não, cana é uma cultura semiperene, que você não pode errar na variedade, no plantio. Isso tem que ficar perfeito, porque você vai ter que conviver com ela cinco, seis anos, ou até mais, dependendo do rendimento da área”, explica o agrônomo.

Apesar do crescimento no plantio e na produção, muitas usinas vivem um momento delicado. Dois anos atrás, com a alta do petróleo e a possibilidade do etanol se transformar em uma commodity internacional, havia a expectativa de que o município de Chapadão do Sul teria quatro usinas a partir de 2009. Este ano chegou e apenas uma indústria está saindo do papel.

É que, quanto mais baixo o preço do petróleo, menos vantajoso para o etanol. Em 2007, o barril valia cerca de US$ 70. No ano passado, chegou perto dos US$ 150. E agora beira os US$ 50. No mercado externo, os Estados Unidos, o Japão e a Europa ainda não reduziram as tarifas de importação do etanol brasileiro, nem sinalizam com a possibilidade de fortalecer esse mercado no curto prazo.

Para o superintendente da Única Usina de Chapadão do Sul, que promete cumprir os prazos para 2009, o que parece um milagre tem explicação. “Quem não teve ou quem não tinha a própria terra, esse pessoal abortou o projeto. Quem tinha terra, é o nosso caso, nós demos continuidade. Quando essas outras usinas começarem a moer, nós já vamos estar com um ano com a nossa equipe solidificada, treinada, qualificada. E isso aí facilita dentro de qualquer empreendimento.Ela deve ser inaugurada no dia 15 de junho. Daquela chaminé, tem que sair a fumacinha branca”, ressalta o diretor-superintendente da Única, Antônio de Pádua.

As usinas do Centro-Sul do Brasil respondem por 90% da produção nacional de etanol e 86% da fabricação de açúcar. Antonio de Pádua Rodrigues é diretor da Única, a maior entidade do setor. Em 2007, havia uma previsão de que 86 novas usinas seriam implantadas no Brasil até 2009. “Bom, dessas 86, 20 provavelmente entrarão em safra agora em 2009. Quinze entrarão em safra em 2010. As outras 51, acho que só a Deus pertencem. Não dá para investir em um mercado que não seja firme. Então, enquanto o etanol não se transformar em uma commodity mundial, enquanto você não reduzir algumas barreiras técnicas ou tarifárias, a expansão vai continuar acontecendo em um ritmo menor”, evidencia o diretor da Única.

Para Antônio de Pádua, a situação se complicou depois que os preços do açúcar e do etanol não foram suficientes para remunerar o setor, nos últimos dois anos. Somado a isso, houve a crise mundial que começou em setembro do ano passado. “O setor está sem dinheiro. Hoje, são raras as empresas que têm limite de crédito para tomar algum recurso novo nos bancos. Toda essa questão dos últimos dois anos e a necessidade de o setor e as empresas continuarem mantendo seu canavial, continuarem investindo com financiamento de curto prazo, levaram a um esgotamento no limite de crédito”, explica.

Mesmo com o desaquecimento do setor, algumas empresas continuam fazendo projeções grandiosas. Em uma área onde hoje tem brachiária, deve funcionar a partir do ano que vem uma das dez usinas de um grupo que promete produzir quatro bilhões de litros de etanol por safra, até 2015. Para o vice-presidente de operações da Brenco, José Taragano, a crise mexeu com a empresa, mas não a ponto de desestruturá-la. “Como qualquer outra empresa, nós também estamos no mundo e fomos impactados de uma forma ou de outra. Mas as mudanças que a gente fez foram muito sutis, muito pequenas. Alguns cronogramas foram ligeiramente empurrados para frente, mas nós achamos que o cenário do etanol continua promissor, sim”, destaca.

Só que, para fazer uma usina funcionar, o plantio da cana deve ocorrer dois, três anos antes, por conta da multiplicação das mudas e o tempo para o próprio crescimento da lavoura. E, por conta das turbulências do mercado, cerca de 8% da cana disponível para ser esmagada na última safra deixou de ser colhida. “Isso aconteceu em 2008 e provavelmente deverá acontecer em 2009. Em 2009, ainda mais ainda forte, porque muitas empresas, por falta de recursos, não fizeram a manutenção da indústria. Essas empresas que não fizeram uma adequada manutenção industrial, por quanto tempo elas vão conseguir operar? Quanto tempo elas vão parar por quebra, por falta de manutenção? E cada dia perdido é um dia de cana não moída. Isso já é um potencial prejuízo para a atividade”, avalia o diretor da Única, Antônio de Pádua.

É bom lembrar que, apesar do desaquecimento do setor, a produção de cana no Brasil continua crescendo. A safra passada, por exemplo, foi quase 19% maior que a do ano anterior. Para este ano, o IBGE prevê um aumento de pouco mais de 1% em relação a 2008.

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