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Preservação ambiental, efeito estufa e a sorte do ´criolo doido´

Parece que todo mundo que, de alguma forma, trabalha ou atua na área ambiental sofre de síndrome crônica de “catastrofismo” e mau humor… Só que é difícil mesmo manter uma postura olímpica e positiva quando o tema – embora todo mundo seja “entendido” e “a favor” – canaliza tantas bobagens em termos de noticiário, manifestações e de gerenciamento (público e privado).

Se a nossa elite jornalística, até hoje, ainda não entendeu e nem se preocupou em entender o óbvio, como é que podemos esperar que nossas lideranças intelectuais, empresariais e governamentais tenham suas preocupações voltadas para uma proposta efetiva de desenvolvimento sustentável e comecem (pelo amor de Deus!…) a ser menos obcecadas pela numerologia monetária e pelo economicismo tacanho de curtíssimo prazo?

Mais do que emblemático a esse respeito é a verdadeira apoteose de erros que reproduzimos na notícia abaixo (do Jornal da Globo de 30/9/2004 – aqui destacado apenas por conveniência de espaço e não por se distinguir dos outros veículos jornalísticos):

“A favor do Meio Ambiente – O primeiro tratado global para proteger o meio ambiente e reduzir o efeito estufa deverá entrar em vigor nos próximos meses. Hoje a Rússia ratificou o chamado Protocolo de Kyoto, derrubando a principal barreira à aplicação do acordo. O parlamento russo ainda vai aprovar o texto, que prevê a redução das emissões de gás carbônico. O buraco na camada de ozônio já está mudando o clima do mundo. Países com grandes áreas de florestas, como o Brasil, podem se beneficiar do tratado, que vai estimular projetos de preservação ambiental. O problema é que os Estados Unidos, principal poluidor, esnobaram o acordo”.

Vamos deixar as “misturas” de lado (do tipo “redução das emissões de gás carbônico” com “buraco de ozônio que já está mudando o clima no mundo”; ratificação com envio ao Congresso, etc…) e vamos só ao que interessa:

Em primeiro lugar: o Protocolo de Kyoto não tem nada a ver com florestas e com áreas florestais já existentes. Nada tem a ver também com o que é habitualmente conhecido como “projetos de preservação ambiental” (que são ações na área de cuidados com os recursos naturais e de manutenção da biodiversidade em geral).

Muito pelo contrário. O Protocolo de Kyoto não só não quer “preservar” como quer mudar – e de preferência rápida e radicalmente – a matriz energética mundial, hoje baseada em fontes de abastecimento fósseis, não renováveis, poluidoras concentradoras de riquezas, geradoras de problemas econômicos, sociais e políticos e que, ainda por cima, geram também o efeito estufa que está provocando a mudança do clima na Terra.

No países do mundo, mais 80% dos recursos energéticos vitais à sobrevivência humana são de origem fóssil (e a imensa maioria do pouco que não depende do carvão, gás ou petróleo se baseia na controvertida e ameaçadora energia nuclear – que, aliás, também é finita, poluidora, etc. e etc.). E isso é um imenso problema, pois exige mudanças na base que ampara o estilo de vida que definimos como civilizado (para não exagerar e dizer “desenvolvido”).

Qualquer coisa que afete a maneira como se lida com os recursos que amparam a energia mundial (e nunca é demais repetir: o petróleo, o gás e o carvão), geram problemas e traumas terríveis.

Só para dar um exemplo, até as pedras sabem que a presença dos EUA no Iraque se explica por interesses do Presidente Bush em ter algum controle nas reservas de petróleo da região. Além dos desastres inerentes à guerra, o resultado mais palpável dessa iniciativa, foi o de ter deixado o cobiçado petróleo (dos carrões americanos e do modelo de transporte adotado em todo o mundo) muito mais ameaçado e ultrapassando a faixa de US$ 50 dólares o barril…

Não há chance de se conseguir um mínimo de racionalidade e de perspectiva de sobrevivência (inclusive do tão caríssimo e louvado sistema econômico capitalista liberal e do que chamamos de democracia) se o consumo energético se mantiver na situação esquizofrênica em que se encontra hoje.

É isso que está na base do “todo” e é esse “todo” que é o ambiente.

Vamos encarar que não há nada mais importante para a defesa do meio ambiente (e para não deixar degringolar de vez a qualidade de vida) do que isso.

A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, as obrigações dos países em reduzir volumes quantificados de emissão de gases geradores de efeito estufa (ou seja e parece que nunca é demais repetir: reduzir o uso de petróleo, gás e carvão mineral), direciona com maior racionalidade e acelera o processo de mudança do paradigma energético em vigor, já reconhecido como esgotado e inviável até mesmo para os mais míopes olhos economicistas.

A importância e o valor disso para o Brasil?

Enorme. Incalculável. Uma sorte. E talvez esteja exatamente aí, nessa sorte o nosso problema e o nosso azar.

O Brasil já é, no que diz respeito ao tema das mudanças climáticas e Protocolo de Kyoto, um país reconhecido por ter a mais renovável matriz energética mundial. Além da frota de carros à álcool e dos veículos flex-fuel, evitamos as emissões da queima de 25% da gasolina consumida nacionalmente, substituindo esse volume pelo uso do álcool anidro.

A quase totalidade da eletricidade brasileira é originada em hidrelétricas.

Somos exatamente o contrário dos países industrializados e dos que tem níveis equivalentes aos nossos de desenvolvimento: mais de 80% de nossa energia é renovável e limpa.

No caso do álcool combustível nossa situação vantajosa seja a ser até assustadora para outros países: sem nenhum tipo de subsídio ou incentivo político, produzimos um litro de álcool por um custo – preço que, no mínimo, é a metade do cobrado pela gasolina (e com o petróleo cotado a bem menos do que 50 dólares por barril).

Dados os diferenciais ambientais positivos da produção canavieira no Brasil, que vão do controle biológico de pragas à prática da fertirrigação e uso do bagaço da cana para geração de eletricidade, cada litro de álcool queimado nos automóveis não só não geram a acumulação de gases de efeito estufa, como retiram CO2 da atmosfera (em níveis de 0.19 kg de CO2 por litro, o que é enorme se considerarmos que, todos os anos, substituímos 13 bilhões de litros de gasolina pelo uso do álcool).

Uma grande sorte. Sorte demais para um país cujas lideranças ainda tratam meio ambiente como um simples cuidado com o “verde”. Sorte que pode ser desperdiçada, quando nosso governo – tradicional e especialmente perdido na gestão dos assuntos de energia e meio ambiente – só não abandona mais e trata pior o tema das mudanças climáticas por que desconhece um modo mais evidente de fazê-lo.

Uma sorte que, como estamos vendo, pode continuar a nem ser percebida pelas nossas lideranças e geradores de opinião. É tão primário que chega a ser ridículo, mas somos – à esquerda e à direita, para frente a para trás – tão “colonizados” que ainda achamos que “se só tem no Brasil, e não for jabuticaba, não deve ser tão bom assim”…

Laura Tetti, é socióloga, especialista e consultora em meio ambiente da Unica – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo.

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