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Pré-sal não pode ser o pós-etanol (Tendências/Debates) (Artigo)

Em desrespeito ao setor agrícola e em prejuízo da sociedade, criou-se um clima de instabilidade para o agronegócio

AS JAZIDAS de petróleo do pré-sal, mais uma dádiva natural do Brasil, são uma riqueza expressiva e um diferencial competitivo no comércio exterior. Se o cronograma de extração não sofrer alterações e se viabilizarem os elevados investimentos previstos, a produção deverá iniciar-se em cerca de dez anos, conferindo sobrevida à velha economia baseada nos combustíveis fósseis, persistente em numerosos países sem alternativas viáveis para alterar a matriz energética.

O Brasil, detentor da melhor situação mundial (áreas disponíveis, solo, clima e tecnologia) para produzir biocombustíveis, em especial o etanol, terá, então, posição privilegiada.

Poderá ampliar o uso interno de fontes renováveis, menos poluentes e sem a mínima suscetibilidade às crises internacionais e se tornar exportador de petróleo para nações que não dispõem de reservas nem condições de cultivar cana-de-açúcar, embora desejassem muito poder fazê-lo. Assim, desprezar a importância do pré-sal seria tolice tão desmedida quanto um retrocesso nos biocombustíveis.

Por isso, são preocupantes algumas posições e atos de organismos públicos federais que, de repente, parecem esquecer as vantagens socioeconômicas e ambientais da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, empregadora de mão de obra intensiva, grande exportadora e base de pesquisa, inovação e tecnologia -os automóveis flex são um ótimo exemplo.

Mais grave: esboçam-se ataques ao setor, num movimento estranhamente proporcional à substituição dos biocombustíveis pelo monopólio semântico do pré-sal no discurso energético do presidente Lula.

Dentre tais manifestações, inclui-se a recente “nota verde” do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, com a anunciada intenção de divulgar informações sobre os níveis de emissão veicular de carros leves de passeio. O documento chega à “brilhante” conclusão de que, em muitos casos, o etanol polui mais que a gasolina. Utilizou-se metodologia inadequada, fazendo parecer corretos resultados muito distorcidos quanto aos volumes de monóxido de carbono.

Compararam-se modelos diferentes, inclusive alguns importados, com graus muito díspares de tecnologia embarcada. Um atentado contra os preceitos da ciência, da pesquisa e da ética. Quanto a este último aspecto, cabe a ressalva: se motivado por dolo e não mera incompetência…

A análise não respeitou os critérios aplicados na homologação de veículos. Além disso, ignorou por completo os gases causadores do efeito estufa.

Nesse quesito, o etanol derivado de cana-de-açúcar apresenta boas propriedades, pois é praticamente neutro quanto às emissões de dióxido de carbono.

Ou seja, a “nota verde” é um desserviço, ao colocar em xeque 30 anos de avanços concretos no desenvolvimento do etanol como combustível mais barato, limpo e renovável.

Como se não bastasse, o Ministério do Meio Ambiente acaba de divulgar o seu Plano de Ação para Controle do Desmatamento no Cerrado, apontando a cana-de-açúcar como uma das principais causas da devastação.

Isso não procede, considerando que 98% da cultura não provoca o corte de uma árvore sequer, pois são utilizadas áreas há muito tempo destinadas à agropecuária.

E, num ato que até parece articulado com esse programa, o governo federal lançou o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar. Em tese, a proposta é correta, na medida em que coíbe desmatamentos para fazer plantação. Até aí, nada contra.

O projeto, entretanto, coloca restrições à lavoura até mesmo em áreas agrícolas e pastoris já existentes.

A artilharia contra a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, incluindo a insinuação de que o pré-sal pode significar a obsolescência do etanol, parece inserir-se num olhar distorcido pelo comprometimento ideológico do governo com o MST, que nem existe juridicamente, a CUT e movimentos de intenções dúbias.

Por causa disso, produtores rurais em geral têm sido ameaçados por propostas como o exagerado aumento da produtividade mínima das fazendas e a reforma do Código Florestal, além de prejudicados por medidas como as sanções relativas às reservas legais e áreas de preservação permanente.

Criou-se um clima de instabilidade para o agronegócio, numa atitude de desrespeito ao setor e à sociedade, a maior prejudicada pelos equívocos e desmandos das políticas públicas.

*JOÃO SAMPAIO , economista e empresário do setor agrícola, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea).

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