Mercado

Pré-sal acaba lua de mel do governo com o etanol

Os capítulos mais recentes da novela da matriz energética brasileira poderiam muito bem ter saído da imaginação de Manoel Carlos – com o governo, o etanol e o pré-sal nos papéis principais. O governo (Marcos) encontrou o etanol (Helena) e os dois viveram uma paixão fulminante, com declarações de amor eterno, projetos de alcooldutos cortando o país para abastecer os consumidores locais e conquistar um mundo sedento por combustíveis renováveis. Mas eis que surge o pré-sal (Dora) jogando charme. O governo não resistiu. Encantou-se com a promessa de bilhões de barris do ouro negro.

E agora? O que será da relação entre Marcos e Helena, isto é, entre o governo e o etanol? Teledramaturgia à parte, os produtores de etanol – álcool para os mais antigos – esperam do governo a defin! ição de uma política para o setor. O receio é que o amor incondicional demonstrado pelo presidente Lula e seus companheiros pelo pré-sal coloque o produto para escanteio outra vez, como aconteceu na época do Proálcool. Justo agora que etanol voltou a ser o principal combustível dos carros nacionais, ultrapassando a gasolina.

O principal motor da mudança é o carro flex, invenção nacional. Ano passado, foram vendidos 2,3 milhões de carros bicombustíveis, contra 217 mil movidos a gasolina. Este ano, com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os carros novos, as vendas serão ainda maiores. E devem continuar em alta nos primeiros meses de 2010, já que o governo anunciou a manutenção do imposto reduzido (de 7% para 3%) para os flex populares (motor 1.0) até março. Já os carros a gasolina voltarão aos 7% em janeiro, conforme o cronograma anterior.

Renato Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar/PE)! , prefere não falar em temor. Mas cobra mudanças. “Não temos medo do pré-sal. Mas ainda faltamos avançar nos estoques de segurança do etanol, na reserva estratégica e do setor de distribuição”. Na opinião dele, o planejamento precisa ser melhorado e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), assumir um papel proativo, com capacidade para decidir sobre estoques, por exemplo.

Hoje, lembra o executivo, o suprimento de álcool ainda é regulamentado pelo Ministério da Agricultura. “O nome da ANP já mudou, mas precisa ser criada uma diretoria específica para os biocombustíveis. Os estoques reguladores poderiam ser formados com dinheiro da Cide”, diz Renato Cunha. A Cide, para quem não se recorda, é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, carinhosamente chamada de imposto dos combustíveis. O presidente do Sindaçúcar/PE acredita que é possível conciliar as duas fontes de energia.

Isso já acontece com a própria gasolina comercializada ! no país, que leva em sua composição 25% de álcool anidro. “Em todo o mundo, a tendência é a de conciliar e agregar valor às energias de origem fóssil, mais poluentes”, diz Renato Cunha. Ele lembra que o Canadá, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, vem buscando fontes mais limpas de energia. Estão testando até a palha de trigo como biomassa, na tentativa de minimizar os efeitos do combustível fóssil. Outros exemplos poderiam ser citados. Mas, por enquanto, é melhor aguardar as cenas dos próximos capítulos.

Banner Revistas Mobile