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Porque a cana é um excelente investimento

Formado engenheiro agrícola em 1970 pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP), desde então Manoel Pedro Azevedo Ortolan ‘respira’ cana-de-açúcar. É dos principais porta-vozes dos fornecedores particulares da matéria-prima do açúcar e do álcool, seja como presidente da Canaoeste – associação que reúne cerca de 2.500 produtores paulistas – ou da Orplana (Organização dos Plantadores de Cana do Estado), cujo mandato termina no final deste ano, após duas gestões consecutivas. Ao longo de 2005, Ortolan integrou tensas e intensas rodadas de negociações junto a representantes da indústria, com o objetivo de reajustar os preços aos plantadores. No final de dezembro, foi anunciado aumento de 6% nos valores. Leia trechos da entrevista concedida por Ortolan na tarde de terça-feira, dia 17 último, na sede da Canaoeste, em Sertãozinho.

Os produtores de cana-de-açúcar começaram 2006 com uma boa notícia: depois de quase um ano inteiro de discussões com representantes da indústria, conseguiram revisão do Sistema Consecana-SP (Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de SP), pelo qual o valor da cana foi reajustado em 6%. Como funciona o Consecana?

É formado por dez representantes dos produtores de cana e por igual número de técnicos e executivos ligados aos fabricantes. [Trata-se de uma associação sem fins lucrativos com o objetivo de aprimorar o sistema de avaliação de qualidade da cana].

Houve polêmica em torno do Consecana?

Em 2005, o ministro do Mapa (Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Roberto Rodrigues, em uma das reuniões da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Açúcar e de Álcool [de qual Ortolan é coordenador do Grupo Temático Cana], colocou que era compromisso da Câmara instalar e fazer funcionar o Consecana no Nordeste. Chegamos a assinar documentos e o Consecana do Nordeste até foi formado. Mas, pelo que sabemos, funcionar acho que não tem funcionado.

E deles [produtores nordestinos] é que vinham muitas críticas. Várias vezes representantes da Feplana (federação dos produtores de cana da região) foram à mídia para criticar. Não que não quisessem o Consecana. O aceitariam, com números mais atualizados, mas o queriam funcionando, com uma atualização do sistema a cada cinco anos.

Como assim?

O sistema Consecana é baseado em parâmetros econômicos e técnicos (eficiência de fermentação, eficiência de destilação, perdas industriais e, entre outros, cálculo de fibras) pelos quais conforme sejam novos equipamentos e tecnologia, e haja a mudança de variedades de cana-de-açúcar, passado algum tempo é preciso um ajuste dos parâmetros. Era previsto fazer isso a cada cinco anos. Tentamos fazer na safra anterior, a 2004-2005, não conseguimos, e assumimos o compromisso da revisão na safra vigente 2005-2006 [que oficialmente vai de 1º de maio de 2005 a 30 de abril deste ano]. Mas é difícil. Embora exista o Conselho, o peso econômico das partes é muito desigual. Quer dizer: o produtor particular representa 25% da cana moída nas fábricas paulistas, enquanto o produtor industrial representa 75% da cana e 100% do álcool e 100% do açúcar. E quando você não tem alguém junto para arbitrar as divergências, é preciso construir entendimentos. E aí não é fácil porque existe um lado que paga e recebe a cana. Então, muito que se fala que funciona no entendimento, na verdade vem da imposição.

Como vocês, produtores, vêem isso?

Não é o ideal. Mesmo na negociação de dezembro não dá para dizer que ficamos 100% satisfeitos. Entendemos que merecíamos algo a mais.

Quanto a categoria pedia?

Trabalhávamos com 9% a 12% ao invés dos 6% conseguidos. Mas digamos que é um aprendizado. No caso do Consecana, foi a primeira vez que sentamos para negociar. Foi difícil, sim. Houve momentos tensos e estivemos para desistir de tudo. Mas daí, com um mais experiente de um lado, e outro mais experiente de outro, foi-se contornando. E o resultado atende em parte os interesses. Houve um ganho, atualizamos parâmetros técnicos, também melhoramos a parte econômica.

Qual é a moeda do Consecana? Quando se fala em reajuste de 6%, como se deu?

Você tem de um lado o cálculo da quantidade de quilos de ATR (Açúcar Total Recuperável). Então é preciso apurar na cana quantos quilos de ATR tem-se a receber. Isso depende de cada produtor, em função da quantidade de açúcar na cana. Não é uma média do setor. De outro lado tem-se que apurar quanto vale esse quilo de ATR. Sem o reajuste, ele valia R$ 0,2620 em dezembro. Sobre esse valor foram aplicados 3,16% (do total de 6% concedidos em dezembro; enquanto os restantes 2,84% vão para reajustar os parâmetros técnicos). Com isso, o quilo do ATR vale R$ 0,2702.

Esse valor é retroativo?

Sim, vale desde maio de 2005, quando começou oficialmente a safra. Se a fábrica começou a moer em abril, e considerou esse mês como dentro da safra nova, o novo preço do ATR também passou a valer desde abril. Os fornecedores entregaram na atual safra próximo a 60 milhões de toneladas.

Quanto o reajuste irá representar?

Mais ou menos R$ 2,15 a R$ 2,20 por tonelada de cana. Estamos, com isso, agregando R$ 130 milhões para os produtores paulistas.

Como é feito o pagamento desse valor?

Como norma do Sistema Consecana, a usina estabelece com o fornecedor de cana um percentual de antecipação ao longo da safra. Como o preço do ATR é formado de 1º de maio a 30 de abril do ano seguinte, ao longo da safra o fornecedor entrega a matéria-prima por um preço provisório já que o preço só será fechado a 30 de abril. Então, hoje estamos com o quilo do ATR a R$ 0,2702, mas ele deve fechar entre R$ 0,28 e R$ 0,29 em abril próximo. Funciona assim: a usina diz que irá antecipar 80%, adiantados ao longo da safra. Quando a moagem termina, normalmente no fim de novembro, há um ajuste do que foi pago pelo valor de novembro. Traz tudo para o preço do término da moagem.

E os 20% restantes?

A maioria das fábricas paga em parcelas mensais entre dezembro a abril, quando é feito acerto definitivo no mês de maio. As usinas ‘seguram’ esses 20% porque os preços podem cair ou subir ao longo da safra. Caso caiam, o fornecedor precisa devolver dinheiro, como já ocorreu.

Esse método obedece a uma regra?

Integra o Sistema Consecana, mas ele não estabelece regras para pagamento.

Ficou fechado o acordo com os fabricantes em relação aos 6%?

Não chegamos ainda a um entendimento final na parte econômica, que reajustou a cana. Na parte dos parâmetros, sim: são 2,84% e está liquidado. Mas foi criado um impasse e entendeu-se que deveriam ser contratadas a FGV (Fundação Getúlio Vargas) e a Fundação Vanzolini com o objetivo de analisarem os trabalhos feitos por nós, produtores de cana (através da Orplana), e o feito pelos fabricantes (através da Unica-União da Agroindústria Canavieira do Estado de SP). Cada um fez um trabalho com critérios diferentes. Chegamos a resultados não comparáveis. Então é preciso checar a metodologia de um e de outro e o que deve prevalecer. É o que foi feito: as duas fundações foram contratadas e deverão concluir o trabalho neste mês. Os 6% ficaram como adiantamento porque os 3,16% podem sofrer alteração, dependendo da conclusão dos trabalhos, que não serão determinantes. As instituições foram contratadas para darem argumentos para produtores e fabricantes finalizarem a negociação. Então os 3,16% podem teoricamente aumentar ou diminuir. Mas não vejo como cair. Vamos é trabalhar para tentar melhorar esse percentual. O trabalho deve ser fechado antes do final da presente safra.

Independente de possível mudança, os 6% de reajuste sinalizam que o produtor começa o ano otimista

Não só pelos 6%, mas principalmente porque os preços da cana foram recuperados. Além da quantidade de ATR, esses preços levam em conta os preços do álcool e do açúcar, tanto para mercado interno como externo, e também a curva de comercialização ao longo da safra. Então como os preços do açúcar e do álcool vieram em um crescente, fez também o valor da cana fechar em preço que remunera o custo de produção. De um lado, o preço melhorou, o nosso pagamento melhora por conta dos 6% e o custo de produção baixou devido à queda do dólar, que empurrou para baixo os valores dos fertilizantes e de adubos.

Em 2005 qual foi o custo médio do hectare plantado de cana?

O custo do plantio gira em torno de R$ 2,5 mil por hectare.

O preço da tonelada cobrirá, então, esse custo?

Para isso, a tonelada deveria valer R$ 40 e, com certeza, fechará a safra 2005-2006 nisso. Mas é bom lembrar que não conseguimos tal resultado nos últimos dois anos, por conta dos reflexos do dólar nos aumentos dos preços dos defensivos e do aço (influencia na montagem de máquinas agrícolas).

E daqui para frente?

Acredito que a demanda aquecida por álcool e açúcar vá puxar a oferta de cana por mais alguns anos.

E em relação à Canaoeste (Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado), com pouco mais de dois mil fornecedores associados, como foi a safra?

Deveremos fechar a safra 2005-2006 com a entrega de 11 milhões de toneladas. O volume é praticamente o mesmo do ciclo anterior.

A Canaoeste já tem associado produzindo na chamada nova fronteira do setor, na região de Araçatuba?

Não. Em Araçatuba estamos fazendo divulgação das realizações da Orplana pelo setor, e das oportunidades que o setor leva para aquela região. Já temos associações de produtores em General Salgado, Valparaíso e em Andradina, e são elas que representam o setor.

Temos fornecedores da região de Ribeirão indo para lá?

Sim. Temos produtores com plantações em Monte Aprazível, mas ligados à associação local.

Como deverá ser o fornecimento de cana da Canaoeste na safra 2006-2007?

Acredito que será maior, em torno de 12 milhões de toneladas, porque até agora 2006 está bom para o campo. Tivemos em 2005 um período de seca que acabou comprometendo a produção. Mas nesse ano, até o momento, foi muito bom para a brotação da soqueira (planta em fase de crescimento) e como, também, para o plantio da cana. Em média, a renovação de canaviais entre associados da Canaoeste atinge 15% do total da área.

Como se sabe, a região próxima a RP está tomada. Para onde a Canaoeste amplia áreas?

De Barretos para frente. Está sendo implantada fábrica entre Barretos e Colômbia e trabalhamos ali para ampliar a participação da Canaoeste com novos produtores locais.

O setor prepara-se para iniciar antes a moagem da safra 2006-2007 até para março próximo, dois meses antes do tradicional. O fornecedor participará dessa antecipação?

Acho difícil. A não ser os grandes, dependendo de acertos com as usinas, porque será uma questão emergencial [para garantir estoques de álcool]. Nem a usina tem interesse em iniciar a safra em março, porque começando nesse mês será o sacrifício do resto da safra. Em março certamente a cana está com baixo teor de açúcar.

Temos cana bisada [deixada sem colheita] disponível para o início antecipado da safra?

Sim. Talvez em toda a região Cento-Sul devemos ter cerca de seis milhões de toneladas de cana bisada. O problema é que esse volume está distribuído e, assim, permitirá moagens de 20 dias em uma unidade, dez dias em outra. A região de Sertãozinho apresenta bom volume de cana bisada.

Com 35 anos de experiência no meio, qual é a receita do sr. para o setor sucroalcooleiro crescer sem percalços no meio do caminho, como foi o caso dos recentes reajustes do álcool?

Primeiro é preciso entender – e isso já foi dito na mídia – que o álcool não tem preço fixado. Ele segue o mercado, e quando falamos isso é uma relação entre demanda e oferta. Temos hoje, no Brasil, um problemão ‘bom’ para o país: a demanda do álcool caminha à frente, puxa a oferta. É uma certeza para nós que o setor crescerá muito, terá de produzir mais álcool, mais açúcar, tanto e principalmente para o mercado interno, mas também para exportação. Sabemos que há no horizonte um potencial de crescimento, mas não sabemos qual o seu tamanho.

Como lidar com isso?

O setor tem projeções para cinco, dez anos. E elas assustam. Quando se fala que entre cinco e dez anos serão necessários, na pior das hipóteses, 12 bilhões de litros de álcool, mas poderemos na verdade precisar de 20 bilhões de litros, ou de seis milhões a mais de toneladas de açúcar, ou de dez. Não há números definidos. O setor faz o que pode para, nesse curto espaço de tempo, de cinco a dez anos, implantar entre 50 a 60 unidades industriais, além de expandir a capacidade das atuais. É um trabalho de fôlego. E eu acho que o industrial está com muita coragem, arriscando muito, para não deixar o setor e o país em uma situação desacreditada.

Houve surpresas?

Quem é que esperava que a venda de carros flexíveis ocorresse no ritmo registrado em 2005? Então vamos culpar a montadora por ter produzido e vendido um monte de carros? Havia uma previsão de venda de modelos a álcool que foi superada em meses depois de planejada. Quer dizer: o que o setor e a Anfavea (entidade representativa das montadoras) imaginavam que seriam vendidos de carros flexíveis para 2006 já foram comercializados em 2005. Ou seja, vendemos hoje o que estava planejado para 2007. A demanda cresceu muito rapidamente e o campo precisa de um prazo para o plantio e modificação da cana. Agora, neste meio tempo, como se está sujeito ao mercado, teremos uma volatilidade do preço um pouco tumultuada, tanto para baixo, como para cima.

O sr. diz em relação ao preço do álcool?

Estranhamos hoje a alta do preço porque o álcool durante muito tempo esteve barato. Tanto é assim que ele foi praticado por 44%, 46% do preço da gasolina. Isso incentivou essa produção de carros flex, ou aos ‘rabos de galo’ (mistura direta de álcool em motor à gasolina), ou até à exportação. Tivemos condições de exportar até para os Estados Unidos (onde existem tarifas de importação) porque nosso preço estava muito baixo. Isso tudo torna a demanda muito forte em um espaço de tempo muito curto. E é difícil você instalar lavoura ou indústria. Mas tenderá pelo tempo, senão à estabilização, mas a uma normalidade onde se enxergará o mercado mundial, onde certamente outros países também produzirão álcool, e se terá o mercado mais ou menos equilibrado. Quer dizer: crescerá um pouquinho, mas não o crescimento vertiginoso registrado agora.

É o que ocorreu no começo do mês?

Se você comprime a oferta devido à demanda, o mercado reage. Da mesma forma que o mercado reagiu para baixo quando houve sobra de álcool, e ele foi vendido com prejuízo para as fábricas. Naquela hora, foi o setor quem foi ao governo pedir que ele tivesse estoque regulador. Hoje é a população quem questiona do governo e do setor porque não existe esse estoque, comprado por exemplo no início da safra para se usado nesses primeiros meses do ano. São questões complicadas. Se você forma um estoque no começo da safra, retira álcool disponível no mercado, com o conseqüente aumento do preço do produto.

Como ele deveria ser formado?

Em minha opinião, esse estoque regulador deve ser formado quando sobra álcool. Para não mexer no mercado. Hoje esse estoque faria sentido, mas não há disponibilidade.

Existem outras alternativas?

Sim, um exemplo é a necessidade contratos de compra de longo prazo entre fabricantes e distribuidoras de álcool. Seria um tipo de medida para ajudar a reduzir a volatilidade de preços entre início de safra e começo de entressafra (dezembro a março).

A produção do setor é transparente?

Todo mundo que está na cadeia sabe quanto tem de cana, sabe quanto irá produzir. Hoje, através de satélites, até os Estados Unidos ou a Índia sabem a área brasileira destinada para a cana. Não tem como enganar ninguém. E é isso: se você é apertado na oferta, o preço sobe. Se há excedente de oferta, o preço cai. A população, enquanto isso, busca alternativas. Uma delas é a conversão de motores flex para gás (GNV). Outra, também no caso dos flex, é usar gasolina ao invés do álcool. Só fica complicado para quem tem carro movido a álcool. Mas pelo acordo firmado com o governo, com o litro do hidratado a R$ 1,05, mais os 12% do ICMS, o preço do litro, na bomba, deveria estar em R$ 1,65. Sendo assim, diante do preço da gasolina a médios R$ 2,49, ainda é vantagem utilizar álcool.

E como está a safra do Norte-Nordeste, que termina em março próximo?

Está com muitos problemas devido à seca. Terá quebra acentuada de cana. Para um ano como esse, não é uma notícia boa. Seria melhor que tivesse produção excedente de álcool para suprir nossa demanda aqui.

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