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Por que o Brasil não pode ter câmbio flutuante puro

Na semana passada, o Banco Central anunciou que o Tesouro vai comprar dólares no mercado interno. Cerca de US$ 3 bilhões serão adquiridos até meados de 2005.

Trata-se de uma decisão correta e visa corrigir, ou pelo menos evitar, o agravamento do atual processo de valorização do real. Uma valorização excessiva da nossa moeda traz grandes transtornos para a economia e não afeta somente os exportadores.

O câmbio é um dos principais preços da economia, refletindo a paridade da moeda local relativamente às demais moedas internacionais, o que não se restringe às decisões de exportações.

Definições fundamentais no setor produtivo, como de investimentos, localização industrial, substituição de importações, agregação de valor local, pesquisa e desenvolvimento etc. são fortemente influenciadas pelo nível da taxa de câmbio.

Há na economia internacional uma disputa ferrenha do ponto de vista dos investimentos, tecnologia e comércio. O Brasil concorre com economias que adotam políticas deliberadas de sub-valorização da moeda, como é o caso mais evidente de países como China e Índia, para citar os principais exemplos.

A história recente brasileira nos mostrou o estrago que pode causar a valorização excessiva e prolongada da taxa de câmbio, como ocorreu de 1994 a 1998. Naquela época, criou-se um paradigma que a correção cambial representaria o caos da economia brasileira e poria a perder todo o esforço empreendido para a estabilização.

Na verdade, essas análises se mostraram equivocadas. Estavam certos os que, como eu, acreditávamos que a desvalorização, embora não indolor, seria fundamental para que o Brasil retomasse as mínimas condições para se desenvolver.

Foi a partir da adoção da flexibilidade do câmbio, em 1999, que o Brasil conseguiu reverter o perigoso quadro externo, que, em apenas cinco anos, acumulou acréscimo de mais de US$ 200 bilhões no passivo externo e nos tornou excessivamente vulneráveis às instabilidades internacionais.

No entanto, os mesmos paradigmas e argumentos equivocados de apenas alguns anos são novamente utilizados, muitas vezes pelos mesmos atores, para justificar e defender a valorização do real. O eventual ganho decorrente da queda da inflação não compensa a desestruturação do tecido produtivo, que costuma estar associada a uma taxa de câmbio fora do lugar.

Além disso, apesar de todos os alertas, continuamos com nível de reservas cambiais excessivamente baixo – apenas US$ 22 bilhões, quando consideradas as reservas líquidas.

Aqui de novo o argumento é que o regime de câmbio flutuante dispensa um nível elevado de reservas, uma vez que o aumento da demanda por dólares faria a cotação da moeda subir até o ponto de desestimulá-la e ajustar novamente o balanço de pagamentos.

Trata-se, evidentemente, de um outro equívoco. Um país como o Brasil, que não possui moeda conversível, tem um passivo líquido bruto de mais de 60% do PIB e necessidades de financiamento ainda elevadas de cerca de US$ 35 a 40 bilhões ao ano, não pode se dar ao luxo de ter uma regime cambial flutuante puro.

Além disso, assim como um câmbio artificialmente valorizado é péssimo para a saúde da produção, uma desvalorização excessiva traz efeitos deletérios sobre a estrutura de preços da economia, com o agravante de que há preços indexados (preços administrados) que são corrigidos com base no IGP (Índice Geral de Preços, calculado pela FGV) que capta fortemente as oscilações do câmbio e as transfere para os demais preços.

Isso sem falar que o BC, com a política de manter juros reais de 10% ao ano, em um quadro internacional de juro real negativo, acaba estimulando as captações externas e o ingresso de capitais de curto prazo, que tendem a valorizar artificialmente a taxa de câmbio doméstica.

Por todos esses motivos, no cenário internacional prevalece, na grande maioria dos países, um regime cambial de flutuação suja, ou seja, há liberdade cambial, mas, dentro de determinados limites, com intervenções do Banco Central para evitar exagerada depreciação ou apreciação da moeda.

Desde 2002, nossas exportações vêm crescendo a taxas de 26% ao ano, bem acima da média internacional. Em parte, esse crescimento decorre da subida dos preços internacionais de commodities exportadas pelo Brasil, mas também tem grande efeito do estimulo cambial propiciado pela desvalorização do real, de 2002 e 2003.

Mais importante ainda, a economia brasileira tem ampliado a corrente de comércio – já que as importações também estão crescendo – com a geração de superávits comerciais crescentes, fator fundamental para compensar o déficit estrutural na conta de serviços do balanço de pagamentos, de, pelo menos, US$ 25 bilhões ao ano.

Apesar desse desempenho favorável nos últimos dois anos, nosso volume de exportações, que em breve deverá atingir US$ 100 bilhões, ainda representa apenas 1,3% do mercado global, muito aquém de países em desenvolvimento, como México, Coréia do Sul, Rússia, além, é claro, da China.

É importante destacar que o crescimento observado decorre de decisões tomadas há muito tempo, sendo portanto indevida a comparação entre o atual nível de taxa de câmbio e o volume corrente de exportações.

Na verdade, é preciso defender o nível da taxa de câmbio e evitar a volatilidade para favorecer decisões que permitam manter, e mesmo ampliar, o desempenho dos dois últimos anos, até mesmo porque deveria ser um dos objetivos viabilizar a melhora da qualidade das exportações e diminuir a dependência de commodities.

Essa é uma meta que não depende só do câmbio, mas, uma taxa de desajustada inviabiliza as condições mínimas para viabilizá-la.

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