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Política externa e papel dos empresários

O que foram esses dois anos e meio do nosso presidente na área da política externa? A primeira e óbvia constatação foi a sua atuação pró-ativa. Quando se discutia a sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que marcou fortemente sua presença externa não só como ministro das Relações Exteriores mas também como presidente da República em seus dois mandatos, a atuação do presidente Lula era vista principalmente voltada para temas internos.

Lembro-me de uma entrevista do vice-presidente José Alencar, imediatamente após a finalização da contagem das urnas, em que, questionado sobre qual papel exerceria, deixou claro que não imaginava que o presidente Lula fosse viajar com freqüência ao exterior e que, assim sendo, com seu perfil mineiro de total discrição, não via muito espaço para substituí-lo e seria o de um grande torcedor. Estava enganado! Não só o presidente botou o pé na estrada, como se diz na gíria, como José Alencar esteve muito longe de ter tido um papel discreto, quer como vice-presidente, quer posteriormente como ministro da Defesa.

O G-20, o diálogo Sul-Sul, fortalecimento dos laços comerciais com países da América do Sul, a coordenação do Grupo de Amigos da Venezuela, a busca de um assento no Conselho de Segurança, o malgrado episódio da disputa da direção geral da OMC, o diálogo com países que estavam distantes do nosso cenário político e social e a presença no Haiti como uma força de paz, são alguns exemplos dessa posição mais pró-ativa, inclusive a polêmica concessão do “status” de economia de mercado à China.

A abertura de tantas frentes simultâneas, com uma limitação de recursos e de pessoal (mesmo com a qualidade do Itamaraty), foi comentada como prejudicial à nossa atuação em objetivos prioritários, como seria a questão do Mercosul, que passa por mais uma difícil fase, particularmente no que toca o diálogo com a Argentina.

Como ficam, nesse contexto, as emperradas negociações da Alca, bem como do Mercosul e da União Européia?

Critica-se também a questão obsessiva com que o Brasil busca um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O ativismo nos contatos com países do Oriente Médio e africanos teria basicamente esse objetivo.

Qual o objetivo maior de uma política externa? Marcar uma maior presença no cenário internacional para fazer corresponder ao nosso destino de grande nação e afirmação de grande potência? Ou, ao buscar uma política mais agressiva, facilitar e atrair fluxo de investimentos e maior comércio?

A atuação agressiva na área externa, que alguns entendem ter uma vertente mais terceiromundista, foi vista como contraponto a uma política econômico-financeira super ortodoxa. A alternância de bons/maus momentos na relação com os Estados Unidos deve agradar às alas mais radicais do PT, não havendo também alinhamentos automáticos com a União Européia.

O fato é que as críticas ao governo têm sido centradas na questão da política interna econômico-financeira. Somente aqueles mais voltados às questões relevantes da política externa têm levantado dúvidas sobre nossa atuação.

O ativismo empresarial é uma constante que marca esse novo cenário, seja por maior presença na área externa (empresas brasileiras investiram cerca de US$ 10 bilhões no exterior), por atuação na OMC (algodão e açúcar) e pressão de seus interesses junto às autoridades. A atuação do governo junto à OMC foi determinante na obtenção dos resultados, mas a mobilização de interesses dos setores diretamente envolvidos, que arcaram com os custos dessa representação, também não foram pequenos.

Os resultados que vêm sendo obtidos na área externa, particularmente nas exportações, devem-se principalmente a uma posição mais agressiva dos empresários nacionais e das multinacionais, usando o país como plataforma de exportação, à continuidade de políticas de governos anteriores e à atuação de dois ministros oriundos do setor privado.

Finalmente, a questão da liderança do Brasil na região é um outro ponto controvertido. Quais as contrapartidas para exercer o papel de líder? Está provocando ressentimentos e distanciamento de parceiros tradicionais como a Argentina e o México. Algumas lideranças empresariais desses países com quem tenho estado dão mostras de uma certa inquietude com a agressividade brasileira e comentam, à boca pequena, que nos está faltando uma certa humildade e olhar um pouco mais para nossos problemas internos, sejam sociais, sejam de segurança e de meio ambiente, para citar os mais evidentes.

Ao terminar, lembraria o que o dr. Olavo Setubal, nosso chanceler durante 11 meses, registrou durante sua passagem no Itamaraty: “A visão democrática projetada internacionalmente nos levou a uma reflexão crítica sobre o próprio sistema mundial de poder. Hoje, podemos reivindicar uma maior justiça na ordem internacional, a eliminação da miséria e do subdesenvolvimento, a diminuição das desigualdades entre os países, pois a dimensão social passou a ser também internamente um elemento importante de nossas políticas”.

Como se constata desde 1985, já marcamos uma posição diferenciada no cenário internacional.

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