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Planos para 2030

Existe uma grande diferença entre prever o futuro e construir o futuro que desejamos. O melhor exemplo de previsão é dado pela infeliz Cassandra, sacerdotisa da cidade de Tróia, na Grécia antiga (Anatólia), cercada pelos invasores gregos.

Cassandra previu – corretamente – que o “cavalo de Tróia”, abandonado pelos invasores, estava abarrotado de soldados e tentou convencer os habitantes da cidade a não levá-lo para dentro das fortificações. Não foi ouvida, com os resultados bem conhecidos de destruição de Tróia e da própria Cassandra.

Construir o futuro é muito diferente: observadores argutos podem examinar o que aconteceu no passado e tentar prever como será o futuro. Ao fazer isso eles dão maior ou menor peso a certas tendências e, dessa maneira, estarão influindo no tipo de futuro que efetivamente ocorrerá. Criar um porto novo, uma nova estrada, uma usina elétrica, construir um metrô são ações que tomamos hoje e vão determinar como será o futuro, amanhã.

É por essa razão que é preciso tomar cuidado com planejadores e não aceitar sem discussão as suas hipóteses e preferências. Dependendo do futuro que se deseja, é preciso adotar hoje as providências – e obras – que levem a ele.

Por exemplo, sabemos que a temperatura média da superfície da Terra está aumentando por causa do acúmulo na atmosfera de um gás que resulta da queima de combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás. A persistirem as tendências atuais, o aumento da temperatura será de dois graus centígrados em meados do século 21, o que terá enormes conseqüências no clima do planeta.

Planejadores prudentes – sobretudo em países da União Européia – estão tomando providências para substituir o uso de combustíveis fósseis por outras fontes de energia que não causem esses problemas.

Aqui, no Brasil, o governo federal lançou recentemente o Plano Nacional de Energia para 2030 (PNE-2030), que reúne as informações existentes sobre as fontes e os usos de energia em uso hoje e faz extrapolações para o futuro. Esse é um exercício que era feito há muitos anos no País pela Eletrobrás, órgão planejador para eletricidade, e pela Petrobrás, para o petróleo.

Atualmente, a Empresa de Planejamento Energético (EPE), criada pelo atual governo, tem essa missão. Este PNE-2030, provavelmente, vai orientar os investimentos e outras ações do governo daqui para a frente. Vale a pena, pois, analisá-lo.

Como a maioria dos planos desse tipo, no Brasil e no exterior, ele faz hipóteses sobre o crescimento econômico e tenta derivar daí as quantidades de energia que serão necessárias para sustentar esse crescimento. Isso é feito com base numa análise das tendências do passado e sua extrapolação para o futuro.

Até recentemente, essa tarefa era muito simples, porque os planejadores aceitavam, sem reservas, a idéia de que com um crescimento econômico, digamos, de 5% ao ano o consumo de energia deveria também crescer 5% ao ano. Sabe-se agora que é possível crescer usando menos energia, o que complica um pouco os cálculos.

No PNE-2030, as hipóteses para o crescimento econômico variam de 2,2% ao ano – considerado um desastre – a 5,1% ao ano, que é bem maior do que o crescimento que experimentamos nas últimas décadas. Como conseqüência, as previsões para o consumo de energia em 2030 serão duas a três vezes maiores do que a atual.

Toda a ênfase é dada, então, às obras e aos empreendimentos que serão necessários para atingir tais níveis de crescimento. Esses empreendimentos são, então, disputados pelas empresas e sua priorização – entre as inúmeras obras possíveis e listadas no plano – se torna objeto de intenso lobby nos Ministérios, em Brasília.

É isso que vem ocorrendo há vários decênios. As declarações pueris de que o Brasil não tinha planejamento energético e agora tem são um reflexo de ignorância ou de arrogância.

O que há de inadequado nesse procedimento é que ele ignora – ou lhes dá importância menor – dois fatores que se mostraram de fundamental importância em outros países.

O primeiro deles é a idéia de que o aumento do bem-estar da população não é medido apenas pelo crescimento econômico, mas pelo índice de desenvolvimento humano (IDH), que leva em conta não só renda per capita, mas também educação e saúde. Até o presidente da República parece ter entendido isso, como refletido na sua mensagem de fim de ano.

O IDH do Brasil tem melhorado não só pelo crescimento da renda, mas pelas melhorias em atendimento social. Por essa razão, basta um cálculo simples para mostrar que não é preciso triplicar o consumo de energia do Brasil para chegarmos ao nível de conforto da Espanha ou da Itália, mas apenas dobrar esse consumo. Isso significa menos obras, mas mais investimentos em educação e saúde, que consomem menos energia.

O segundo é que a utilização mais eficiente da energia pode conduzir aos mesmos efeitos que se desejam, com menos consumo. Só para dar um exemplo, as geladeiras modernas produzem a mesma refrigeração (que é o que importa) no mesmo volume com menos da metade da eletricidade usada no passado.

Lâmpadas “frias” fluorescentes usam cinco a dez vezes menos eletricidade do que as lâmpadas do passado. Não há nenhuma razão para não introduzir equipamentos mais eficientes à medida que o País cresce, ou até saltando na frente, como estamos fazendo com o álcool que substitui a gasolina.

Um verdadeiro Plano Nacional de Energia para 2030 levaria esses dois fatores em conta, não como uma correção de pequena importância, mas como hipóteses fundamentais de trabalho. Alguns empreendedores talvez não gostem muito disso, mas o País como um todo se beneficiaria.

* José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo (Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo)

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