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Perfurações do Itamaraty

Têm razão os que argumentam que é simplista demais a afirmação de que a atual prioridade da política externa brasileira é aumentar a influência política do Brasil no mundo em detrimento dos seus interesses no comércio exterior.

Mais exato é dizer que o Brasil tem duas políticas externas.

Tem a que se volta para seus vizinhos, particularmente para a América do Sul. Aí, o principal critério que define as ações do Itamaraty é o geopolítico. O Brasil quer protagonismo, quer mostrar liderança e vai fazendo concessões atrás de concessões, pouco se importando com as rasteiras que leva em seu comércio exterior. Foi o que se viu anteontem, quando concedeu à Argentina o poder de abrir e fechar unilateralmente suas portas ao produto brasileiro, num ambiente em que deveria prevalecer o livre fluxo comercial.

Para o resto do mundo, especialmente para os países ricos, o que em última análise determina a condução do Itamaraty são os interesses comerciais do Brasil e não exibicionismo político.

Dá show nas negociações da OMC, articula o bloco do Grupo dos 20 em direção ao avanço dos grandes acordos comerciais e peita sem vacilar os maiorais na sua política de subsídios agrícolas com duros questionamentos nos tribunais da OMC, como demonstrou nos casos dos aviões da Embraer, no dos subsídios americanos ao algodão e no dos subsídios europeus ao açúcar.

Como em tudo na vida, cada um colhe o que planta. As escancaradas concessões que o Brasil tem feito à Argentina (e agora também à Venezuela) estão desmoralizando o Mercosul. Cláusula por cláusula, os tratados vão sendo perfurados. As exceções são cada vez mais numerosas e vão-se perpetuando. Nenhum board de grande empresa vê segurança nessas regras e as decisões de investimento vão sendo transferidas para países mais confiáveis e mais promissores, como China, Índia, Coréia do Sul ou Chile.

Em vez de garantir suserania, a sofreguidão com que o governo Lula se tem atirado ao seu projeto de conquistar a liderança da América do Sul está alimentando toda sorte de desconfiança e isso produz conseqüências. A proposta da Comunidade Sul-Americana de Nações, lançada com tanta pompa pelo presidente Lula, não decolou e está sendo atropelada por outras, notadamente pelo projeto da Alternativa Bolivariana para a América Latina (Alba), do presidente venezuelano Hugo Chávez (que a revista Foreign Policy chama de Hugo Boss).

A pretensão do Brasil a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU está sendo sistematicamente vetada por seus vizinhos, notadamente pela Argentina.

As candidaturas de brasileiros à presidência de instituições multilaterais, pesadamente defendidas pelo Itamaraty, estão sendo boicotadas pelos sul-americanos. A campanha do embaixador Seixas Corrêa à direçãogeral da OMC foi um fiasco: obteve menos de 10 votos em 148. E o nome do economista João Sayad para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento foi ostensivamente rejeitado pelos outros chefes de Estado da América do Sul. O presidente argentino, Néstor Kirchner, criticou o Brasil por querer emplacar candidato seu em todas as vagas importantes que aparecem no planeta Terra, inclusive na de sucessor de São Pedro, que surgira com a morte do papa João Paulo II.

Em compensação, quando persegue posições sólidas e não apenas prestígio, a política externa do governo Lula colhe resultados. Embora não detenha mais que 1% do fluxo mundial de comércio, o Brasil foi guindado ao grupo dos cinco grandes (Estados Unidos, União Européia, Japão, Brasil e Índia) que discute preliminarmente cada novo passo da Rodada Doha no âmbito da OMC. E suas vitórias nos painéis da OMC começam a produzir efeitos práticos, como o da remoção dos subsídios ao algodão decidida há dois dias pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.

Pelos frutos se conhece a árvore, diz o Senhor.

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