Mercado

Para o Brasil, pouco deve mudar

Se os brasileiros pudessem votar na eleição presidencial francesa, que candidato seria melhor para os interesses do Brasil: o direitista Nicolas Sarkozy ou a socialista Ségolène Royal? Naquilo que interessa mais diretamente ao Brasil, a liberalização do comércio agrícola, a resposta seria: tanto faz. Ambos são igualmente protecionistas. Não há diferença, disse ao

Estado Géraldine Kutas, pesquisadora do Grupo de Economia Mundial da Faculdade de Ciências Políticas (conhecida como Science Po). Os dois querem manter a proteção. Ferreamente apegada a suas tradições rurais, a França tem sido o principal obstáculo ao corte dos subsídios e das tarifas de importação dos produtos agrícolas, que dificultam a entrada dos produtos brasileiros na União Européia (UE).

As mudanças nessa área estão ocorrendo apesar da França. Os subsídios da Política Agrícola Comum (PAC) foram congelados em 2005, no patamar de 43 bilhões de euros (hoje, equivalente a mais de US$ 58 bilhões; na época, 40% do orçamento da UE).

Os produtores passaram a receber a subvenção com base na média do que receberam entre 2000 e 2002, quando ela era calculada sobre sua produção.

Para acabar com o estímulo a essa produção altamente custosa para os contribuintes europeus, os agricultores recebem todo ano a mesma soma, independentemente do que produzem.

Sarkozy e Ségolène nada disseram sobre a PAC durante a campanha. A candidata socialista enviou sinais ambivalentes. Em seu programa de governo, ela propõe promover a idéia de um ´PAC mundial´ para organizar os mercados de maneira mais equilibrada e dar uma verdadeira chance à agricultura dos países em desenvolvimento.

Música para os ouvidos do Terceiro Mundo. Mas, segundo uma fonte diplomática, essa referência teria muito mais a ver com permitir a entrada pontual de produtos tropicais de países pobres que não são produzidos na França, como banana, do que, por exemplo, facilitar a importação da soja brasileira, altamente competitiva.

Se alguém tinha alguma esperança de encontrar em Ségolène uma defensora da abertura do mercado agrícola, ela a sepultou há uma semana, ao convidar o líder camponês José Bové a assessorá-la sobre soberania alimentar e globalização.

Bové, que obteve 1,3% dos votos no primeiro turno, dia 22, opõe-se à globalização, ao livre comércio e ao agronegócio, e foi expulso do Brasil, em 2001, depois de liderar a invasão de cultivos transgênicos experimentais da companhia Monsanto em Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul.

No programa, Ségolène fala em encorajar as contribuições dos agricultores ao fornecimento de energia (biomassa, agrocombustíveis, biogás, usinas eólicas).

Já Sarkozy, que, segundo as pesquisas, deve vencer a eleição de amanhã, prometeu, durante debate na quarta-feira, isenção fiscal para os produtores de matéria-prima para o etanol – que na França se faz com beterraba, trigo e milho.

Géraldine lamenta essa opção: Hoje, o imposto para esses produtos já é reduzido para além da curva de produção. Como o mercado é controlado pelo governo, essa renúncia fiscal não tem impacto sobre o preço e não traz nenhum benefício para o consumidor. O sinal também é ambivalente. Por um lado, a isenção seria mais um entrave à competitividade de produtos brasileiros.

Por outro, a intenção de alavancar o mercado de biocombustíveis pode abrir oportunidades para o Brasil, o país mais competitivo do mundo em etanol. Em qualquer caso, esse também é um tema atrelado à União Européia.

REFORMA DA ONU

Na esfera política, o presidente Jacques Chirac apoiou o pleito brasileiro de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Também nesse campo, não há diferença entre os dois candidatos, observa Dominique Moïsi, do Instituto Francês de Relações Internacionais. Nenhum deles tem interesse ou competência em relações internacionais, diz ele. É posição da diplomacia francesa não se envolver muito na reforma do Conselho de Segurança, acrescenta Luiz Felipe Alencastro, presidente da Cátedra do Brasil na Sorbonne. Segundo ele, à medida que a União Européia caminha para uma política externa comum, o tema vai saindo da esfera nacional.

Há o atlantismo de Sarkozy – sua disposição de alinharse com as posições americanas, que o levou a se reunir em Washington com o presidente americano, George Bush, em setembro, quando era ministro do Interior.

A visita foi interpretada como apoio velado à invasão do Iraque e causou escândalo na França, que se opôs à invasão.

Esse é outro tema que aproximou a França do Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou sua oposição à invasão, durante visita a Chirac em janeiro de 2003. As relações de Chirac com Fernando Henrique Cardoso eram boas, e parece que ficaram melhores ainda com Lula, recorda Alencastro.

No plano pessoal – e ideológico -, Ségolène obviamente teria mais empatia com Lula que Sarkozy. Ela e seu companheiro, François Hollande, primeirosecretário do Partido Socialista, almoçaram com o então candidato a presidente durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em janeiro de 2002.

Com a intermediação de Luís Favre, assessor de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores (PT) e marido de Marta Suplicy, eles acertaram apoio mútuo nas eleições. Em abril do mesmo ano, Lula participou de um comício do então candidato socialista à presidência, Lionel Jospin.

Mas Jospin nem sequer passou ao segundo turno.

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