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Para fugir dessa confusão

Desde o século 19, o principal negócio da família paranaense Leão é a fabricação de seu tradicional mate. Mas Agostinho Leão, um membro da quarta geração do clã, deixou recentemente a diretoria da empresa familiar para se dedicar a outro tipo de negócio. Há um ano ele passa os dias atento à movimentação de máquinas num terreno situado na margem esquerda do rio Itajaí-Açu, no litoral de Santa Catarina. Seu plano é inaugurar ali, em agosto de 2007, um cais para navios cargueiros. O novo porto, batizado de Navegantes, ficará em frente ao porto de Itajaí, que hoje opera no limite da capacidade. Leão tem três sócios na empreitada, entre eles o fundo suíço especializado em infra-estrutura Backmoon, dono de metade do empreendimento. Quando começou as obras de Navegantes, em outubro de 2005, Leão credenciou-se para ser o primeiro de uma nova leva de investidores em portos privados que devem ajudar a desafogar a infra-estrutura portuária brasileira. Apenas nos últimos quatro meses, 25 projetos de portos e terminais de carga privados foram autorizados pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários, a Antaq. Juntos, exigirão investimento de 4 bilhões de reais e deverão aumentar a capacidade de escoamento de mercadorias do país em pelo menos 60 milhões de toneladas — o equivalente a um décimo do movimento atual.

Com o crescimento das exportações, que dobraram de volume desde 2002, os principais terminais do país ficaram sobrecarregados. Portos como Itajaí e Santos operam com até 90% da capacidade. “É uma aberração”, diz o professor Paulo Fleury, do centro de estudos de logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O ideal seria 50%, para atender às demandas de safra e evitar as filas de ca minhões.” A sobrecarga decorre também de falta de investimentos. Em 2004, o governo federal anunciou um pacote de 270 milhões de reais para melhorar os portos. Até agora, porém, aplicou de fato 40 milhões de reais. Já naquela época vários empresários se candidatavam a construir portos. Mas só recentemente a Antaq começou a autorizar os projetos privados.

Solução particular

Conheça os principais projetos de portos que estão sendo construídos pela iniciativa privada no Brasil

Embraport (Santos – SP)

O grupo Coimex pretende investir 1 bilhão de reais na construção de um porto na vizinhança de Santos para exportar grãos, açúcar e álcool. A obra começa no primeiro semestre de 2007 e deve ficar pronta em três anos

Porto de Navegantes (Navegantes – SC)

A empresa Portonave está destinando 500 milhões de reais à construção de um terminal de contêineres para exportação de carga congelada e motores. A obra deve ficar pronta em agosto de 2007

Porto de Itapoá (Itapoá – SC)

Um consórcio formado pelo grupo Batistella e pela Aliança Navegação está construindo um terminal de contêineres para exportação de madeira, alimentos e motores. O término da obra, orçada em 220 milhões de reais, está previsto para março de 2007

Fonte: empresas

A trading Coimex esperou seis anos por uma licença para construir um terminal próximo de Santos. O pedido, atendido afinal em junho, passou por uma série de questionamentos do Ministério Público sobre impactos ambientais. Chamado Embraport, o futuro terminal da empresa, que hoje movimenta suas mercadorias via Santos, deve ficar pronto em 2010, para atender a importadores de automóveis e equipamentos, além de exportadores de grãos e etanol. Sua capacidade de estocar o combustível será de 5 milhões de metros cúbicos por ano, quase o dobro do volume permitido pelo porto de Santos. “Já prevíamos o boom do etanol, mas não tivemos condições de nos antecipar à demanda por causa da demora no licenciamento”, diz Orlando Machado, vice-presidente da Coimex. “Hoje o Brasil já deixa de exportar por não ter como estocar o etanol.” Para evitar atrasos semelhantes, a empresa de logística Wilson, Sons, interessada em investir 200 milhões de reais para ter um porto no Sul ou no Sudeste, cogita associar-se a alguma obra em andamento.

Os novos projetos representam uma segunda fase de investimento privado no sistema portuário brasileiro. Em 1993, muitos terminais de carga em portos públicos foram concedidos à iniciativa privada por 25 anos. As concessionárias já investiram 1,2 bilhão de reais em modernização e ampliação de instalações. Nos próximos cinco anos, pretendem investir mais 1,7 bilhão de reais, segundo o consultor de logística Vernon Kohl. Os investimentos aumentaram a eficiência operacional e reduziram de 400 para 220 dólares o custo de colocar um contêiner num navio. O número médio de contêineres movimentados por hora nos portos do país cresceu de oito para 40 — e ainda precisa melhorar, uma vez que a média européia é de 120 contêineres por hora. Mas já não há espaço para mais terminais em portos públicos. Além disso, os navios estão cada vez maiores. “Como a maioria dos portos não tem capacidade para recebê-los, os navios grandes ficam vagando até encontrar um porto adequado”, diz Kohl. “Isso faz com que os custos aumentem ainda mais.” A demanda por terminais que possam receber os supercargueiros é mais um atrativo para os investidores criarem novos portos.

Diferentemente da maioria dos portos privados em operação, os novos não serão de uso exclusivo de uma empresa. Atualmente, 120 dos 124 terminais privados servem exclusivamente companhias como Vale do Rio Doce e Petrobras. Os exportadores que não têm estrutura própria costumam enfrentar filas, que chegam a ser gigantescas nos períodos de pico, e pagam bem mais caro para embarcar seus produtos. Com os novos portos, espera-se que os preços baixem e a eficiência aumente.

Mas nem os recursos crescentes dos investidores nem os avanços tecnológicos, como guindastes que agilizam a movimentação de contêineres, anulam o fato de que, para funcionar bem, os novos portos vão precisar de infra-estrutura de apoio — e essa é uma questão que continua à espera de soluções urgentes. Para o Embraport, da Coimex, é fundamental a construção da avenida perimetral de Santos, planejada para fazer a ligação direta das rodovias Anchieta e Imigrantes à região portuária. Depois de cinco anos de atraso por falta de recursos federais, a obra está prevista para começar em março de 2007. Em Navegantes, onde a Portonave já escolheu um local de acesso fácil, ao lado da BR-101, foram gastos 16 milhões de reais na ampliação da área de manobra dos navios e mais 22 milhões em linhas de transmissão de energia. Ainda assim, para cumprir a meta de criar, no futuro, um terminal para exportação de etanol, Leão terá de contar com a boa vontade do setor público. “Só vou poder montar um terminal para etanol se o governo construir uma ferrovia para trazê-lo”, diz ele. “Senão, nada feito.”

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