Mercado

Os doces caminhos da cana

O cheiro doce impregna o ar da região de Ribeirão Preto. O aroma quase enjoativo é o sinal mais evidente da riqueza da região que produz boa parte da cana-de-açúcar do Estado de São Paulo. Dali saem todos os anos 40 milhões de toneladas de cana, que abastecem as 46 usinas da região e produzem 3 milhões de toneladas de açúcar e 1,7 bilhão de litros de álcool. O paradoxo é que o berço do setor sucroalcooleiro no Estado não suporta mais expansões. A fértil terra roxa ficou cara demais para um plantio que agora exige custos cada vez mais baixos. O resultado é que as tradicionais usinas de Ribeirão Preto estão expandindo suas atividades fora da região. Calcula-se que mais de 15 projetos serão desenvolvidos no Oeste paulista, perto de Araçatuba. São empreendimentos que devem consumir mais de R$ 1 bilhão em investimentos e deverão processar mais 15 milhões de toneladas de cana por ano. A Usina Santa Elisa, por exemplo, vai construir uma unidade na região de Barretos. A Virálcool, da família de Antônio Tonielo, vai construir uma usina em Castilho, na divisa com Mato Grosso. E a Usina Batatais vai erguer uma planta em Lins. “Já fizemos nossa parte em Ribeirão. Agora é a hora de expandir a fronteira agrícola”, conta Maurílio Biagi Filho, da Usina Santa Elisa.

O boom no setor sucroalcooleiro se deve às enormes perspectivas de exportação do álcool brasileiro. Em função do Protocolo de Kioto, que prevê a diminuição de emissão de gases poluentes, existe no mundo todo uma campanha pela substituição da gasolina pelo álcool. O Japão e os EUA seriam um dos potenciais compradores do álcool brasileiro. E a Índia está importando tecnologia brasileira para novas usinas. Os usineiros sabem que só conquistando mercados no exterior que essas novas usinas terão clientes para seu produto. Essa preocupação com os estrangeiros é tamanha que o setor sucroalcooleiro está alarmado com a tentativa dos europeus de pichar as usinas brasileiras no exterior. Um vídeo produzido pela televisão alemã está circulando pela Europa, mostrando que o açúcar e o álcool do Brasil são competitivos porque exploram os trabalhadores brasileiros. A propaganda contra poderia fechar as portas para o produto brasileiro.

Além das oportunidades de exportação, os carros flexfuel – aqueles que misturam álcool e gasolina em qualquer proporção – estão caindo no gosto dos consumidores brasileiros. Em outubro foram produzidas 8,6 mil unidades, somando 22,6 mil a produção de 2003. Detalhe: são apenas quatro modelos de veículos no mercado brasileiro. “Essas novas usinas são a aposta do setor que o consumo no Brasil vai crescer e mercados externos vão se abrir para o álcool brasileiro”, diz Antonio Tonielo, da Virálcool. Sua família era dona de uma destilaria de cachaça e aderiu à produção de combustível em 1980, no auge do Proálcool. Agora, os Tonielo vão investir cerca de R$ 70 milhões na nova unidade de Castilho, que deverá começar a produzir em 2006.

Esse cheiro de prosperidade nas usinas em nada lembra o gosto amargo que abateu o setor há pouco mais de quatro anos. Em 1999, o setor quase foi à bancarrota. “Achei que íamos quebrar”, conta Biagi Filho, da Usina Santa Elisa, que acumulava uma dívida de R$ 180 milhões na época. Naquele ano, o governo havia desregulamentado o setor de álcool e o preço do litro que girava em torno de R$ 0,45 despencou para R$ 0,14. Da noite para o dia, o governo saiu de cena e deixou o mercado por conta própria. Até aquela época, o papel do usineiro se resumia a moer a cana e entregar o produto ao governo. “Ninguém estava preocupado em competitividade”, conta Manoel Ortolan, cuja fazenda produz 7 mil toneladas de cana por ano. Ao governo cabia a formação do preço, a compra e venda do açúcar e do álcool. Sem a tutela governamental, os usineiros tiveram que se profissionalizar. Depois dessa fase dura, a lucratividade voltou aos canaviais. Nos últimos três anos, os lucros compensaram as perdas do auge da crise. Hoje, o setor movimenta cerca de US$ 20 bilhões no Brasil e a perspectiva é de um novo ciclo de expansão.

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