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ONGs: bom humor contra lobby do etanol

Provocações e bom humor desafiam a batalha dos usineiros brasileiros para emplacar o etanol no restrito mercado da União Europeia (UE). No front estão a União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) -que no ano passado abriu um escritório em Bruxelas (Bélgica), capital do bloco – e organizações não-governamentais (ONGs) que questionam a sustentabilidade do combustível brasileiro. Dos dois lados, um forte trabalho de lobby, contra e a favor ao etanol da cana-de-açúcar. Enquanto usineiros questionam o trabalho realizado pelas ONGs, as entidades “premiam” o esforço dos empresários como o “pior do mundo”.

A briga cresceu justamente quando avançou na UE a discussão para uma diretriz do bloco econômico de uso dos combustíveis renováveis, principalmente o álcool, o que poderia ampliar o mercado para o produto brasileiro. Em setembro do ano passado, a ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra), fez um estudo apontando possíveis pontos negativos em relação ao etanol brasileiro.

Entre as críticas estão o suposto uso de trabalho escravo no corte da cana e a substituição de áreas de plantio de alimentos pelas de produção da matéria-prima do combustível. A ONG aponta ainda a existência de uma “monocultura” canavieira no País, com 7,06 milhões de hectares cultivados, o correspondente, segundo ela, a 18% da área plantada brasileira.

Ao saber que representantes da entidade estavam distribuindo o estudo nas comissões de avaliação da diretiva na UE, a Unica conseguiu o documento e o desqualificou, publicamente, em seu site em inglês. Uma cópia da resposta pode ser obtida em www.unica.com.br/downloads/documents/factualerrors.pdf.

A principal entidade dos usineiros brasileiros responde, por exemplo, que 90% do emprego no segmento canavieiro são formais, contra 50% da média nacional da força de trabalho da atividade agrícola e que seus trabalhadores estão entre os mais bem pagos do setor. Ratifica ainda a posição que a cana não compete com alimentos e diz que apenas 1% da área destinada à agricultura no Brasil, ou 3,4 milhões de hectares, é destinada à produção de etanol, o qual substitui metade da gasolina consumida no País.

“Nesse caso, optamos por pegar o relatório e fizemos uma resposta pública mundial, apontando vários erros. Não é questão de opinião, eram erros mesmo, e optamos até por não citar todos”, explicou o diretor de Comunicação Corporativa da Unica, Adhemar Altieri. “Foram mais de 400 downloads feitos do documento e, mesmo assim, eles (Friends of the Earth) nunca contestaram a nossa posição”, completou o executivo.

defesa. Na versão do Amigos da Terra Brasil, não houve contestação ao documento da Unica simplesmente porque a entidade não negou os pontos apresentados pela ONG. “Eles não contestaram os nossos dados, apenas expuseram o ponto de vista do setor, muitas vezes com base em dados questionáveis, como a questão das terras agriculturáveis, onde há muita controvérsia sobre essa definição”, disse Lúcia Ortiz, coordenadora geral do Amigos da Terra Brasil. Lucia ainda afirmou que, apesar de a Unica defender a formalidade do emprego, “mais da metade dos casos de flagrantes análogos à escravidão no Ministério do Trabalho é de trabalhadores do corte de cana”.

O embate, então, deixou de ocorrer só nos corredores de Bruxelas e se transformou em um festival de humor. No início de dezembro, a Unica integrou, com o Conselho de Óleo de Palma da Malásia (MPOC) e a Abengoa Bioenergy -braço norte-americano da gigante produtora de biocombustíveis espanhola, O Lobby dos Agrocombustíveis, vencedor do prêmio “Pior Lobby na União Europeia 2008” (Worst EU Lobbying Awards 2008). Os organizadores do prêmio e da bem-humorada cerimônia de premiação foram as entidades Europe Observatory, LobbyControl and Spinwatch e o Amigos da Terra Europa (Friends of the Earth Europe).

O Lobby dos Agrocombustíveis obteve 52% dos 8.643 votos computados pelo site www.worstlobby.eu. As entidades “vencedoras” foram indicadas, segundo os organizadores do prêmio, “pelas suas campanhas enganosas de promoção de agrocombustíveis como verde”. Em segundo lugar na votação do Pior Lobby na União Europeia 2008, com 14% dos votos, ficou a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA). Segundo os organizadores, a ideia do prêmio “é desencorajar práticas controversas de lobby ao expô-las publicamente”. Entre essas práticas controversas citadas estão “fingir interesses ambientalistas”.

“Ficamos lisonjeados com a escolha. A melhor resposta que a Unica poderia dar é a votação da diretiva europeia, que acolheu tudo o que estas ONGs extremistas queriam que não acolhesse. (O prêmio) é motivo de risada aqui. Acham mesmo que alguém iria levar isso a sério?”, disse o diretor da Unica sobre a premiação. De fato, logo após o prêmio, a UE divulgou a diretiva que prevê, entre outras coisas, o uso de até 10% de combustíveis renováveis em sua matriz energética até 2020, bem como obrigou a certificação do combustível a ser importado pelo bloco econômico.

vantagens. Para Eduardo Pereira de Carvalho, ex-presidente da Unica e atual conselheiro da ETH Bioenergia S/A, “o trabalho da Unica para o combustível renovável, que é um passo adiante na substituição do combustível fóssil, é consistente”. O executivo afirmou ainda que etanol de cana do Brasil tem condições de sustentabilidade “infinitamente superiores, é de longe o que mais gera energia por unidade utilizada no processo, o que menos consome água e fertilizantes, e o que produz a maior quantidade de litros por hectare”, disse Carvalho, que também brincou com a notícia do prêmio recebido pela entidade. “É coisa de quem é contra tudo”, disse.

Já o usineiro Maurílio Biagi Filho, da Maubisa, lembrou que a pressão e premiação das ONGs contra o lobby da Unica é o reconhecimento do trabalho feito pela entidade que defende o combustível brasileiro de cana-de-açúcar. “O melhor reconhecimento do trabalho da Unica foi essa qualificação. O importante desse trabalho todo que é feito é o esclarecimento e o lobby segue fundamental”, afirmou Biagi.

Lúcia Ortiz, dos Amigos da Terra, que admite o tom bem-humorado da seleção, defende a “premiação” dos usineiros. “O bom humor é uma característica de todo ambientalista, mas o processo de votação do Pior Lobby da União Europeia foi sério”, afirmou Lúcia, que sugeriu aos empresários “repensarem todo o modelo agrário “petrodependente” no atual momento de crise econômica e de retração de exportações, base do lobby dos agrocombustíveis brasileiros”, concluiu.

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