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O Sonho da matriz energética

Um dia desses ao deitar , me pus a pensar nos problemas que o País enfrenta por falta de um planejamento ordenado e racional na área energética. Me veio a memória as lições do saudoso professor Eduardo Celestino Rodrigues e da objetividade com que conduziu os trabalhos da C.N.E. nos idos da 2º crise do petróleo. Nesse clima de reminiscências, adormeci e sonhei. Assistia totalmente invisível, uma reunião prestes a se iniciar na Presidência da Republica. A mesa era restrita e aguardavam a chegada do presidente , os ministros Pedro Mallan , Pedro Parente , Rodolfo Tourinho , Alcides Tapias , Pratini de Moraes , o presidente da Petrobrás H. Phillipe Reichstull e o diretor geral da A.N.P. David Zylberstein. O Presidente F.H.C. entra a passos rápidos, cumprimenta com leve aceno os presentes e assume a cabeceira da mesa. Tem o semblante preocupado e ao invés do habitual sorriso , encara os circunstantes com olhar firme e penetrante. Tem início a reunião:

– F.H.C. – Convoquei os senhores para discutir a política energética e determinar medidas urgentes e prioritárias , que entendo da maior relevância para sustentação do crescimento econômico do País. Analisei detidamente vários estudos e projeções alternativas que me foram apresentadas pelo Dr. Pedro Parente. Consultei renomadas empresas internacionais especializadas em projeções na área de petróleo e me inteirei do desenvolvimento das energias alternativas e de seus reflexos ecológicos e sociais. Formei opinião sobre a gravidade da crise que iremos enfrentar , se mantivermos a nossa atual atitude com relação ao problema. Não quero fugir da minha responsabilidade. Assumo que foi um erro atrasar por três anos a regulamentação do Conselho Nacional de Política Energética , criado pela Lei 9.478. Está fazendo falta uma Matriz Energética atualizada para balizar nossas ações nos setores produtores de energia e a própria A.N.P. tem suas funções dificultadas pela ausência de parâmetros bem definidos para orientar suas ações. Como exemplo, me preocupa o modelo de contrato utilizado para concessões de exploração de petróleo por ter sido pouco discutido com a sociedade, e pela forma vaga e genérica com que foi tratado o controle do declínio dos reservatórios.

– David Zylberstein – presidente, realmente o contrato foi pouco discutido pela sociedade, porém o mesmo foi estruturado com base no que de melhor existe internacionalmente e sempre teremos a primeira opção de adquirir o petróleo extraído para atender o consumo interno.

– F.H.C. – Meu caro David , nem tudo que é bom internacionalmente é obrigatoriamente bom para o Brasil. Quanto a nossa primeira opção, a única vantagem que teremos será a relativa ao frete, uma vez que o preço será no mínimo o vigente no mercado internacional. Contudo, não é isso o que me preocupa. A determinação de parâmetros rígidos para os níveis de extração de forma a garantir nossas reservas , é o problema mais sério. Quero evitar que ocorra no Brasil , o que está acontecendo na Venezuela , México e Argentina , onde praticamente a metade do petróleo existente já foi extraído e consumido em outros países. Pelo menos neste aspecto, o monopólio foi benéfico porque todo o óleo que extraímos até hoje, foi exclusivamente consumidos no Brasil. Por isso, quero que o C.N.P.E. no prazo de 90 dias me apresente um estudo bem fundamentado propondo o ritmo de extração ótimo para o petróleo nacional e a forma mais adequada de implementa-lo nos contratos de concessão.

– H.F. Reichstull – Sr. presidente , o objetivo da Petrobrás é obter nos próximos dois ou três anos a auto-suficiência na produção de petróleo e para isso estamos direcionando nossos planos de investimentos. A auto-suficiência resultará em expressiva economia de divisas.

– F.H.C. – Dr. Reichstull vamos deixar o problema de divisas para o nosso Ministro Mallan. Por favor, pare de falar em auto-suficiência e se preocupe mais em melhorar a operação da Petrobrás e evitar novos desastres ecológicos. Todo o petróleo brasileiro incluindo o já extraído, as reservas conhecidas e o ainda não descoberto , é da ordem de 25 giga barris. A extração para auto-suficiência fará nossas reservas terminarem em duas ou três décadas, enquanto o petróleo do resto do mundo terminará em cinco décadas. Por isso, auto-suficiência é um ufanismo insensato. A racionalidade indica que devemos aumentar a extração para cobrir parte da expansão da demanda até atingir o valor limite da ordem de 1,95 milhões de barris por dia aproximadamente no ano 2015 , quando teremos consumido metade do nosso petróleo. A partir de 2015 a extração fatalmente diminuirá e nosso óleo terminará junto com o do resto do mundo. Para isso deveríamos manter a importação em torno de 700 mil barris / dia, ou melhor ainda substituir esse déficit com expansão da produção de álcool.

– Pratini de Moraes – Lembro o Sr. presidente que o setor sucroalcooleiro está enfrentando uma séria crise econômica, e que no corrente ano e no próximo , dificilmente atenderá a demanda do mercado, a não ser que sejam drasticamente reduzidas as exportações de açúcar.

– F.H.C. – Mais um erro que temos que assumir. A crise do setor sucroalcooleiro foi provocada por uma desregulamentação mal feita , quando impusemos aos produtores a quebra do sistema de cotas, ao mesmo tempo que as estávamos garantindo para as multinacionais nos contratos de concessão. Ainda bem que Deus escreve direito por linhas tortas e o aumento do preço do petróleo e a correção do valor do Real evitou a extinção do setor sucroalcooleiro. Atendendo sua observação Ministro Pratini , o mal já está feito e serão dois anos difíceis quando deveremos fazer todo o possível para ter novamente a produção de álcool em franca expansão a partir do ano 2002. Solicito que seja determinado ao CIMA, a apresentação no prazo de 60 dias, de um plano de financiamento para reposição e expansão, das lavouras de cana-de-açúcar que para ser efetivo, deverá restringir as exigências de garantias exclusivamente as lavouras fundadas. Determino também a imediata abertura de uma linha de crédito especifico para financiar a sazonalidade da produção e a aquisição pelo governo dos estoques de segurança.

– Rodolfo Tourinho – Precisamos analisar a demanda de álcool hidratado do mercado e os reflexos no consumidor final.

– F.H.C. – Foi bom o Sr. levantar este ponto. Estou cansado de ouvir o presidente da Anfavea, Sr. José Carlos Pinheiro Neto, repetir que as montadoras só produzem veículos a gasolina porque o mercado assim o exige. A produção de veículos vai se adequar a nossa melhor oferta de combustíveis e não vice-versa. Não será a indústria automobilística que irá determinar qual deverá ser o perfil de combustíveis em nossa Matriz Energética. Peço ao Ministro Tapias, colocar as coisas em seus devidos lugares. Quero o lançamento de veículos populares a álcool de todas as linhas ainda este ano. Como acreditar que o mercado não quer carros a álcool , quando o litro da gasolina custa hoje o dobro do preço do litro de álcool hidratado? Não admitirei mais tangiversações. Quero o carro álcool em oferta em todos os revendedores. Estamos protegendo a própria indústria montadora que na sua miopia não enxerga que o seu mercado depende do crescimento econômico e do preço dos combustíveis.

– Pedro Mallan – Sr. presidente, poderemos na reforma tributária estabelecer preços relativos de combustíveis e inclusive ampliar o uso do álcool anidro para diminuir o preço da gasolina , como aliás já vem ocorrendo. Segundo dados do Dr. Pedro Parente, hoje o álcool subsidia o preço da gasolina em cerca de US$ 15 por barril.

– F.H.C. – E quem quer diminuir o preço da gasolina? Nós queremos colocar racionalidade nos preços e na tributação, de forma que o perfil da demanda se aproxime dos objetivos definidos na Matriz Energética. Assim, devemos prestigiar o combustível renovável, comercializa-lo pelo preço correto e revisar os atuais níveis de taxação. Peço que o Ministro Mallan com a participação dos Ministros Tourinho e Pedro Parente, apresentem alternativas para uma política sensata de preços relativos de combustíveis, lembrando que o álcool é renovável, gera empregos e que o diesel impulsiona nossas lavouras e nosso transporte. Desculpem senhores, não é o meu estilo, mas exijo cumprimento dos prazos e apresentação de propostas claras e objetivas dentro das linhas traçadas. Está encerrada a reunião.

Infelizmente , foi tudo um sonho. Acordei!

Lamartine Navarro Júnior é engenheiro, e foi membro da Comissão da Comissão Nacional de Energia nos governos Figueiredo e Sarney – Email: alcidia@bol.com.br (JornalCana/CanaWeb)

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