JornalCana

O recado da embaixadora

A visita do presidente George W. Bush ao Brasil, na semana passada, produziu muita retórica sobre interesses comuns na produção de etanol e quase nada em resultados comerciais com alguma substância. Os chefes de governo cuidaram da retórica e da encenação, enquanto a representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior, Susan Schwab, cuidou das questões prosaicas com autoridades e empresários.

Nessa parte, a mais importante para efeitos práticos, a visita representou, na avaliação mais otimista, apenas mais um esforço de aproximação. Os contatos da principal negociadora americana com representantes da indústria e do agronegócio são os melhores pontos de referência para um balanço da visita presidencial. Talvez a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Washington, no começo de abril, produza algum resultado mais tangível para o comércio bilateral e para o avanço das negociações multilaterais da Rodada Doha.

A embaixadora Susan Schwab declarou o apoio de seu governo às negociações setoriais defendidas por empresários dos Estados Unidos e do Brasil na rodada global. Indicou o interesse dos americanos na abertura do mercado brasileiro para produtos químicos, eletrônicos e florestais, equipamentos hospitalares e bens ambientais de origem industrial.

Talvez tenha havido um progresso na definição de interesses, nessa parte das conversações, e com uma dose considerável de boa vontade será possível falar de avanço em relação a esses pontos, embora não tenha havido nenhuma aproximação de posições.

Mas o resultado geral foi muito pobre.

A embaixadora repetiu que o Brasil deveria pressionar os demais países do Grupo dos 20 (G-20), especialmente a Índia, para melhorar suas ofertas de acesso a mercado para produtos agrícolas. Mas os diplomatas brasileiros vêm escutando essa conversa há meses. Sabem que o governo americano espera isso das autoridades brasileiras e sabem também que a posição indiana é incompatível, nesse ponto, com os objetivos do Brasil e dos demais países do Mercosul. Não seria necessária uma visita do presidente Bush e da negociadora Schwab para se falar sobre isso.

Além do mais, a embaixadora confirmou que o governo dos Estados Unidos condiciona a melhora de suas ofertas em matéria de agricultura às concessões que o Brasil e outros emergentes – e o caso da Índia é parte desse quadro – venham a apresentar tanto para o comércio agrícola quanto para o de bens industriais. Nada de novo.

Mas o mais decepcionante, para quem pudesse ter alguma expectativa em relação à visita, foi a mensagem sobre as barreiras americanas ao etanol brasileiro. Não se pretende mexer nas limitações comerciais até o fim de 2009 e depois disso, como indicou o presidente George W.

Bush, o Congresso decidirá as possíveis mudanças. A embaixadora Schwab ainda acrescentou um detalhe desanimador: seu governo considera que as negociações globais só envolvem, no caso do etanol, a tarifa de 2,5%, ficando fora das discussões, portanto, a taxa especial de US$ 0,54 por galão de álcool.

O governo americano não pretende, portanto, apenas adiar a abertura completa de seu mercado de etanol aos produtores mais competitivos. Planeja manter um componente importante da proteção, a tarifa especial, fora das concessões negociáveis na Rodada Doha. É muito difícil, diante dessa atitude, levar a sério a idéia de um projeto conjunto para o desenvolvimento de combustíveis alternativos. O poder de competição do Brasil, nesse campo, é reconhecido internacionalmente e nenhum de seus grandes parceiros comerciais pretende abrir-lhe espaço, a não ser na medida estritamente necessária. Só o governo brasileiro parece acreditar na idéia de cooperação internacional a respeito do assunto, quando a natureza do jogo é outra. Neste momento, cada participante, exceto o Brasil, cuida mesmo é de se preparar para a disputa comercial nos próximos anos, investindo em tecnologia e buscando meios próprios para enfrentar o agravamento do problema ambiental. Só o Brasil se mostra disposto a ceder tecnologia, graciosamente, a eventuais competidores. Tornar ainda mais óbvio esse dado pode ter sido o efeito mais positivo, se não o único, da visita do presidente Bush.

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram