Mercado

O que é preciso fazer para garantir o futuro do etanol, segundo Pablo Di Si, da Volks

Biocombustível tem muito a crescer em tecnologias flex no Brasil e em gigantes como a Índia, afirma o presidente da montadora na América Latina

O que é preciso fazer para garantir o futuro do etanol, segundo Pablo Di Si, da Volks

Ele defende o etanol com unhas e dentes e prevê um mercado futuro de crescimento de mercado para o biocombustível, desde que sejam feitas as lições de casa.

Em entrevista por videoconferência ao JornalCana, o argentino Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina desde 2017, detalha que lições de casa são essas.

Além disso, comenta sobre veículos elétricos, bioeletricidade e destaca porque o setor sucroenergético será parceiro estratégico no recém-anunciado Centro de P&D em biocombustíveis que a Volks implanta no Brasil.

JornalCana – Por que o senhor defende o etanol em um período no qual as montadoras aceleram investimentos em eletrificação?

Pablo Di Si – A eletrificação avança, mas tem uma parte do mundo, que inclui o Brasil, América Latina e África e países da Ásia, que ficam fora deste discurso. Existe uma ferramenta que reduz o CO2 hoje, sem que seja preciso eletrificar, investir em infraestrutura, que se chama etanol.

JornalCana – Em julho último, a Volkswagen anunciou que implantará no Brasil Centro de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) focado para o estudo de soluções tecnológicas baseadas em etanol e outros biocombustíveis. Trata-se de inovação que atesta sua bandeira pelo etanol. Como foi convencer o board da Volks para fazer este investimento?

Pablo Di Si – Em relação a este Centro de P&D, dou muito mais crédito ao time da Alemanha [onde fica o board da empresa] do que a mim. Eles já entendem bem sobre a importância do etanol. Tinham dúvidas, por exemplo, sobre o impacto [em termos de área] da cana e do etanol sobre a soja, se iria eliminar ela e outros alimentos. Explicamos que não. É um processo de aprendizado para eles e para mim.

Então há países que irão eletrificar e outros que irão operar com etanol como forma complementar.

JornalCana – Explique mais sobre como irá operar o Centro de P&D.

Pablo Di Si – O Centro de P&D é composto por três pilares.

Em primeiro lugar tem os motores a combustão, no caso o motor flex. O segundo pilar diz respeito à tecnologia híbrida e o terceiro é o elétrico.

Como o Centro irá fornecer tecnologia para outros atenderá países que nos próximos 15 a 20 anos usarão motores a combustão.

O melhor exemplo é da Índia, que deve [anunciar oficialmente nestas semanas] o motor flex. Isso gera uma oportunidade para hoje em tecnologia.

Depois vem a tecnologia híbrida e, em seguida, a do motor elétrico, a mais complexa. Para tanto, estamos procurando parceiros. A ideia é como iremos transformar o etanol em uma célula a combustível a etanol.

JornalCana – Como o setor sucroenergético, seja com instituições privadas e públicas, seja com empresas, pode participar deste Centro de P&D?

Pablo Di Si – Com alguns deles, falamos há mais de um ano. É o caso da UNICA e da Copersucar. Parcerias. Vamos trabalhar de forma transversal, acabou o ‘cada trabalha um por si’.

Veja o caso da produção da cana. Nos últimos 30 anos, ela dobrou, saindo de 300 milhões de toneladas para 600 milhões de toneladas. É uma prova de ganho de produção e quer melhor parceiro para a indústria automobilística que este [o setor produtivo]? Temos que trabalhar com parcerias com a indústria do agro.

JornalCana – Em julho, a Volks lançou no Uruguai o e-Up, modelo elétrico. Ele virá para o mercado brasileiro?

Pablo Di Si – Nós já anunciamos lançamentos de modelos elétricos para os próximos cinco anos. Cada país é um país. No Uruguai, 99% da energia é renovável, onde há 30 anos existe marco regulatório e hoje há excesso de energia. Com isso, os carregadores de eletricidade estão em todo lugar.

Não significa, no entanto, que o Brasil não vá ter carros elétricos. Sim, vai. Mas eu posso lançar um carro elétrico no Uruguai e um flex no Brasil como ponte para o elétrico. Se eu trago um modelo elétrico, como e em quanto tempo ele será carregado? Além disso, a conta de luz subiu 52% no último mês [devido à escassez hídrica].

A infraestrutura do país é muito importante. Ela [ajuda a responder] que veículo vamos lançar e se o sistema irá suportar.

JornalCana – Como já dito, o Centro de P&D trabalhará sobre a tecnologia flex. Nesta linha, será possível ampliar a adição de anidro à gasolina de atuais 27% para, por exemplo, 30%?

Pablo Di Si – Sim, é possível.

Esta possibilidade de mercado pode incentivar o setor a investir em ampliar a produção de etanol, seja no etanol tradicional (1G) e no de segunda geração (o 2G). O senhor concorda que o setor já pode planejar investimentos?

Pablo Di Si – Respondendo do macro para o micro. A indústria está com um nível de dívida alto [e é preciso buscar soluções].

Acredito que a produtividade tem que vir, por exemplo, da biotecnologia sem expansão de área.

Visitei o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) em Piracicaba e não tenho dúvidas de que nos próximos quatro a cinco anos haverá tecnologias para aumentar a produtividade da cana em 30% a 50% na mesma área plantada. [Assim dá para manter] o nível de dívida baixo.

JornalCana – Como o Governo federal deve participar?

Pablo Di Si – Tem a questão das políticas públicas. Aproveito para parabenizar programas como o Combustível do Futuro, do Ministério de Minas e Energia, que olha do poço à roda. Isso é fundamental para a indústria, porque olhamos a foto completa: da usina de cana, que sequestra o CO2, a até ao escapamento.

Daí a importância de programas como esse para fazer as duas indústrias [etanol e automobilística] crescerem. Até porque caso não seja assim, a indústria de etanol corre risco.Por isso é preciso debater o assunto abertamente, com transparência, com a UNICA, por atores que ajudem a determinar uma política para os 15 a 20 anos. Por isso a política pública é fundamental.

Em resumo, eu olharia primeiro as políticas públicas, depois a produtividade e, em seguida, os investimentos.

JornalCana – Qual sua opinião sobre a bioeletricidade, cuja participação ainda é pequena na matriz energética?

Pablo Di Si – No Brasil, 86% da energia é limpa, a maioria graças às hidrelétricas. E a bioeletricidade responde por 8% da matriz. Acho que é hora de ampliar essa participação para 30% e até 40%.

Imagine quanto de prêmio essa participação maior irá gerar para as usinas, e quanto irá gerar em impostos. E o impacto positivo na redução de CO2 para o Brasil?

Existem pontos positivos em todo lado. O que precisamos é acelerar.

Brasil sedia Centro de P&D de biocombustíveis

O Grupo Volkswagen escolheu o Brasil para sediar – e liderar – um Centro de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) focado para o estudo de soluções tecnológicas baseadas em etanol e outros biocombustíveis.

Não é só: o empreendimento, anunciado em junho último, ficará no Brasil, mas atenderá mercados emergentes que utilizam energia limpa para combustão e soluções híbridas – por exemplo: motor elétrico ‘abastecido’ por célula a combustível de etanol.

Mais: com apoio da marca Volkswagen e previsão de ser instalado na fábrica da montadora em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, este Centro “será totalmente independente no desenvolvimento de tais tecnologias para o Grupo Volkswagen em nível global”, como destaca a empresa em comunicado.

Ademais, com a iniciativa do Centro a empresa “busca minimizar as mudanças nas plataformas atuais e foca na produção neutra de CO2”.

“Sediar aqui no Brasil o novo Centro de P&D para etanol e outros biocombustíveis nos coloca em evidência no mundo Volkswagen”, atesta, em nota, Pablo Di Si.

“Poder liderar, desenvolver e exportar soluções tecnológicas a partir do uso da energia limpa dos biocombustíveis se caracteriza como uma estratégia complementar às motorizações elétrica, híbrida e à combustão a mercados emergentes é um reconhecimento enorme para a operação na América Latina.”

Em fase atual de formatação, o Centro não tem datas para apresentar as soluções. Mas, como lembra o presidente e CEO da Volkswagen América Latina, “vamos atuar em parceria com Governo, universidades e a agroindústria para que possamos trabalhar com o que há de melhor para o futuro da mobilidade”.

Quem é Pablo Di Si

Pablo Di Si assumiu a posição de presidente e CEO da Volkswagen América Latina em 1º de outubro de 2017.

Até então, ele presidia e era CEO da Volkswagen Argentina.

Iniciou sua carreira no Grupo Volkswagen em 2014.

Antes disso, ocupou posições-chave nas áreas de Finanças e Desenvolvimento de Negócios na FCA nos Estados Unidos e no Brasil, onde viveu por 11 anos (nas cidades de São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte).

Em 2017, completou o CEO Global Program na Wharton, IESE and CEIBS Business School. Graduado pela Harvard Business School (AMP 2011), tem MBA Executivo de International Management pela Thunderbird, School of Management (2002).

Formado em Contabilidade pela Northwestern University (1996), Pablo Di Si é também Bacharel em Administração, com especialização em Finanças, pela Loyola University of Chicago (1994).

O executivo foi eleito, em abril de 2017, presidente da AHK Argentina (Câmara de Indústria e Comércio Argentina – Alemanha).

E antes de investir na carreira profissional, Di Si também investiu, mas como jogador de futebol das categorias de base do Club Atlético Huracán, time de Buenos Aires, capital de seu país natal, a Argentina. E foi por meio do esporte que ele conseguiu uma bolsa de estudos nos EUA. Daí em diante, ele entrou para o universo executivo do qual hoje faz história.

Volks quer se tornar neutra em termos climáticos até 2050

O posicionamento de Pablo Di Si em favor do etanol atesta a linha da Volkswagen, que pretende se tornar neutra em termos climáticos até 2050.

Para se ter ideia, a empresa foi a primeira fabricante de automóveis a aderir ao Acordo de Paris e planeja eliminar gradualmente a produção de veículos a combustão na Europa entre 2033 e 2035.

Nos EUA e na China, isso deve acontecer um pouco mais tarde.

No entanto, em mercados emergentes como o Brasil, a eletrificação 100% pode demorar ainda mais.

Motivos: indisponibilidade de infraestrutura de carregamento, energia renovável e o nível de renda local.

Daí vem a bandeira defendida por Di pelos biocombustíveis. Diante a situação é necessário explorar opções alternativas aproveitando os recursos locais que já estão disponíveis hoje. E o uso de biocombustíveis é uma estratégia complementar para ajudar a indústria em mercados emergentes a neutralizar as emissões de carbono.

No Brasil, vários argumentos indicam o uso, por exemplo, do etanol.

E tudo isso sem afetar o meio ambiente.

Estudo publicado pelo World Wildlife Fund (WWF) indica que até 2030, os biocombustíveis podem suprir 72% da demanda brasileira de combustível apenas pela otimização das pastagens degradadas atualmente sem competir com a terra necessária para a produção de alimentos.

Mais: atualmente pesquisas estão em andamento para garantir que essa abordagem permaneça sustentável.

Conforme relato da assessoria da Volkswagen, atualmente apenas 1,2% do território brasileiro é utilizado para o cultivo de cana-de-açúcar, com 0,8% para produção de etanol (cana e milho).

Quase 92% da produção de cana-de-açúcar é colhida no Centro-Sul do Brasil, e os 8% restantes são cultivados na região Nordeste.

Enfim, isso significa que as áreas cultivadas para a produção de cana-de-açúcar estão localizadas a quase dois mil quilômetros da Amazônia.

Delcy Mac Cruz