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O pré-sal e o etanol

De acordo com as últimas avaliações da Petrobras, a reserva total do pré-sal soma cerca de 13 bilhões de barris, o que corresponde a aproximadamente 1% das reservas restantes mundiais e que nada significaria para a humanidade quanto ao deslocamento do pico de produção.

Admitindo um tempo de vida de 80 anos para as reservas dos campos do pré-sal, calculamos que sua contribuição será, em média, de aproximadamente 20% acima da atual produção nacional.

Por outro lado, com o barril de petróleo a preços superiores a US$ 90, até as avaliações menos otimistas de custos de produção do barril de petróleo do pré-sal talvez justificassem o investimento.

Para a comparação de vantagens financeiras entre combustíveis são essenciais duas variáveis: o s custos de produção da unidade de energia e os custos de investimento por unidade de energia por dia.

Pois bem, dentro dos limites tecnológicos atuais, o melhor que se pode esperar para o pré-sal é um custo de produção de pelo menos o dobro daquele da produção de etanol. Quanto aos custos de investimento, tudo parece indicar que a situação é ainda pior para o pré-sal.

Um terceiro fator a ser considerado é o risco financeiro.

Em primeiro lugar, há a questão de um mercado cujos governos encontram sucessivos sofismas para retardar a penetração do etanol brasileiro. Por outro lado, os riscos de produção do etanol são ínfimos em comparação com os do petróleo do pré-sal, cuja tecnologia de extração ainda não está desenvolvida.

Consideremos agora a questão da sustentabilidade e, sob esse aspecto, do aquecimento global. Enquanto o petróleo é o problema, o etanol de cana-de-açúcar é a solução. Mas não é apenas sob esse importante ângulo de sustentabilidade que a imensa superioridade do etanol sobre o petróleo do pré-sal deve ser considerada.

Risco de vazamento a grandes profundidades e sob altas pressões são imprevisíveis. Portanto, a despeito da inquestionável competência técnica da Petrobras, é imensa a vantagem do etanol sobre o petróleo do pré-sal sob qualquer aspecto de sustentabilidade.

Enquanto a produção de etanol é intensiva em mão de obra, a de petróleo o é em capital, o que é uma desvantagem para um país em desenvolvimento, em que o crescimento populacional exige a criação de empregos em vários níveis de especialização. Portanto, também sob o ponto de vista social, o etanol é preferível ao petróleo do pré-sal.

Com apenas 8% dos 200 milhões de hectares de pastagem, seria possível substituir por etanol 5% da gasolina consumida no planeta. Ou seja, a opção pelo etanol nessa medida, bastante conservadora, proporcionaria uma produção de combustível líquido entre três e quatro vezes maior que todo o petróleo do pré-sal até hoj e confirmado, e não apenas por 60 ou 80 anos, mas indefinidamente.

Se tudo o que foi dito aqui é verdade, ou pelo menos verossímil, então como se explica a opção pelo pré-sal? Ou é um grande equívoco ou é uma revelação. A imensa intuição do presidente Lula deve ter percebido que o Brasil, nesse estado juvenil de desenvolvimento em que se encontra, precisa de um projeto nacional, pioneiro. Precisa de seu “homem na Lua”.

Enquanto o etanol seria só um pouco mais da mesmice prosaica do século passado, o pré-sal, com seus imensos desafios tecnológicos e financeiros, seria a bandeira do desenvolvimentismo ousado, para não dizer agressivo, que deveria propelir o país no século 21. O Brasil chegaria, assim, mais fundo, aonde nenhum outro país teria ousado ir.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 79, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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