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O maior usineiro do mundo

A cada 3 horas, o paulista Rubens Ometto Silveira Mello, controlador do grupo Cosan, tem de se alimentar para evitar que seu organismo dê sinais de fadiga. Ele sofre de hipoglicemia, um distúrbio causado pela baixa taxa de açúcar no sangue. Ironia. Aos 55 anos, Ometto é hoje o maior produtor de açúcar de cana do mundo. Seus números são extraordinários. Sozinho, ele é responsável por uma produção suficiente para abastecer o mercado canadense por dois anos. De cada 100 toneladas produzidas nas usinas do Cosan, 80 seguem de navio para países distantes. Adoçam a Coca-Cola que os russos bebem, os chocolates da Nestlé consumidos pelos sul-africanos e os produtos orgânicos comprados pelos ingleses nas redes varejistas Tesco e Sainsbury. Suas plantações de cana ocupam uma área maior que a soma dos territórios das cidades de São Paulo e Belo Horizonte. Seu patrimônio pessoal está estimado em 800 milhões de dólares.

Hoje, as empresas de Ometto estão no epicentro de um dos mercados mais promissores dos próximos anos — o de açúcar e álcool.

Países como a China, onde o consumo de açúcar ainda é baixo, devem se transformar em grandes compradores. Com a recente decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) de suspender as exportações subsidiadas da União Européia, o Brasil pode aumentar em 3 milhões de toneladas suas vendas de açúcar branco para o mundo. Com a alta dos preços do petróleo e as pressões ambientalistas, o álcool ressurge como a grande alternativa energética. Ometto estava entre os membros da comitiva que acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua recente missão comercial no Japão, potencial importador do álcool brasileiro. Se há uma estrela emergente no agronegócio brasileiro, essa estrela se chama Rubens Ometto.

O negócio do açúcar e do álcool de cana faz a fortuna de sua família há quatro gerações. Rubens é hoje o maior expoente do clã. Fugindo da crise italiana, seus bisavós desembarcaram em São Paulo em 1887, a bordo do navio Roma — para, no século seguinte, fazer do sobrenome Ometto sinônimo de açúcar. Hoje os descendentes da família estão distribuídos em outros cinco grupos empresariais. Nenhum deles, porém, tem a estatura de Rubens. Na última década, ele teceu um conglomerado com 13 usinas. Sete delas foram adquiridas nos últimos cinco anos. De 2001 a 2004, suas exportações de açúcar dobraram. As de álcool quase triplicaram. Ao fazer tudo isso, com tamanha velocidade, tornou-se uma figura controvertida. Entre os desafetos é chamado de megalomaníaco. Os admiradores o tratam como visionário. Quando setembro chegar, Rubens Ometto se tornará o primeiro empresário do setor a negociar as ações de sua companhia na bolsa de valores desde que a primeira muda de cana-de-açúcar chegou ao país, pelas mãos do fidalgo português Martim Afonso de Souza, em 1532.

Ometto conseguiu montar seu império injetando modernidade gerencial num setor marcado pelo atraso e pela acomodação típica de negócios que, por décadas, foram tutelados pelo Estado. Fez isso por meio de alianças e seguidas aquisições de usinas, antevendo um processo de consolidação que hoje caminha para seu ápice. Também foi o primeiro a perseguir o capital estrangeiro, quase uma heresia num ambiente tipicamente familiar. “Ometto percebeu as limitações do antigo modelo para abrigar um negócio global e possui uma estrutura financeira que os produtores tradicionais não têm”, afirma um analista do setor. No ano passado, o Cosan captou 200 milhões de dólares para alongar a dívida de 350 milhões de dólares, gerada sobretudo pelas aquisições. Há cinco anos está associado ao maior grupo francês de açúcar, o Tereos, na Franco Brasileira de Açúcar (FBA), dona de quatro usinas. “A abertura do Rubinho para as parcerias é a grande novidade dos Ometto”, afirma o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que conheceu o empresário ainda menino. “Seu trabalho é impressionante.” EXAME apurou que na nova estrutura criada para preparar o lançamento de ações a FBA será integrada ao grupo Cosan. Os franceses do Tereos, que já investiram mais de 40 milhões de dólares no negócio, devem trocar a atual participação de 47,5% na FBA por 8,85% de todo o grupo. “Quem quer participar desse mercado não pode ficar fora do Brasil”, diz o executivo Alexis Duval, diretor do Tereos em São Paulo. A expectativa é que com essas operações mais 350 milhões de reais sejam adicionados ao faturamento do grupo, cujas vendas atingiram 2 bilhões de reais em 2004. A abertura do capital deve fortalecer o Cosan ante concorrentes internacionais justamente numa etapa decisiva de um processo darwinista de fusões e aquisições. Nos próximos anos, segundo projeções dos especialistas, as cerca de 350 usinas brasileiras, hoje nas mãos de 120 grupos, serão controladas por 20 ou mesmo 15 deles. “Queremos ser reconhecidos como agentes consolidadores no mercado brasileiro”, diz Paulo Diniz, diretor de finanças do Cosan. Para tanto, o grupo deverá disputar aquisições com gigantes como a americana Cargill e a francesa Dreyfus, já presentes no país. A dinamarquesa Danisco já anunciou que vai erguer uma fábrica em Araraquara. A alemã Südzucker, líder no mercado mundial de açúcar com produção à base de beterraba, também anunciou que está no páreo.

“A concentração leva a crescentes ganhos de escala com a mesma estrutura administrativa”, afirma Plínio Nastari, diretor da consultoria Datagro. Foi exatamente essa lógica que guiou a estratégia de Ometto rumo às aquisições. A mais recente delas ocorreu em janeiro passado, com a compra da Destivale, localizada em Araçatuba, pela qual a FBA pagou 120 milhões de reais, concorrendo com a Dreyfus. As usinas do Cosan são administradas como unidades fabris, com a gestão centralizada em Piracicaba, no interior de São Paulo.

Rubens é Ometto por parte de mãe, Isaltina. Seus ancestrais, imigrantes da região do Vêneto, deram a partida num império usineiro com base na compra de 6 alqueires na fazenda Santa, em Piracicaba. O sobrenome paterno é herança do agrônomo Celso Silveira Mello. Quando Pedro Ometto, avô de Rubens, morreu, em 1970, Isaltina ficou com as usinas Santa Bárbara e Costa Pinto. A seu irmão Orlando coube a Barra, a maior usina do mundo, incorporada ao Cosan em 2002. Até se tornar sócio majoritário, Rubens enfrentou uma daquelas prolongadas guerras em família que paralisam os negócios e abalam até os mais fortes laços afetivos. Rubens queria profissionalizar a gestão das usinas. Seus irmãos Celso, Mara e Celina resistiram. Junto com a mãe, eles moveram contra Rubens um processo na Justiça. Um acordo acionário pôs fim à disputa em 1996. Rubens uniu seu grupo Bom Jesus com as usinas da mãe. As seqüelas daquele período o levaram à crença de que, para que um negócio familiar possa florescer, é preciso, antes de tudo, separar gestão e parentesco. “Do contrário, a fofoca e a política podem destruir um negócio, como por pouco não ocorreu conosco”, diz.

Ometto não tem traços aparentes que guardem semelhança com o velho estereótipo de um usineiro. Diplomado em engenharia de produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, devota à faculdade certa veneração. “Tenho cabeça de politécnico, sou um racionalista”, afirma. Toda vez que seu helicóptero, um Agusta, sobrevoa o campus da USP, ele não deixa de dar uma olhadela na Poli. Os oito diretores do Cosan são engenheiros. Seis deles formados na Poli. “O Rubinho é um visionário que sabe como concretizar seus sonhos”, afirma o consultor Robert Wong, um colega dos tempos da faculdade. “É ao mesmo tempo um empreendedor e um executivo que conhece como ninguém os pontos críticos de seu negócio.” Quando assumiu o controle da usina da Barra, dois anos atrás, Ometto passou a deter a segunda marca de açúcar refinado do mercado brasileiro. Deu, dessa forma, a partida numa indústria de varejo alimentício que deverá levar o Cosan para muito além das commodities — a grande tendência mundial das empresas de agribusiness. É com marcas e produtos mais sofisticados que elas perseguem melhores resultados. O mesmo quilo de açúcar exportado pode ser vendido no varejo pelo dobro do preço. Adicionado aos alimentos e bebidas no varejo, soma seis vezes mais valor. Para materializar seu projeto, Ometto contratou o executivo Roberto Flesch, que por anos trabalhou na Refinações de Milho, Brasil.

Com a marca Da Barra, que já possui 50 itens, Ometto quer conquistar os consumidores das classes B e C. O Cosan também acaba de entrar num negócio em tremenda expansão nos países desenvolvidos: a produção de sucralose, adoçante à base de açúcar. Desenvolvido pela americana McNeil, braço da Johnson & Johnson, com a marca Splenda, a sucralose adoça hoje refrigerantes diet da Coca-Cola e da Pepsi, entre outros 1 400 produtos. Hoje, o Splenda vende mais que qualquer marca de açúcar nos Estados Unidos. A Tate & Lyle, maior grupo açucareiro da Inglaterra e parceiro do Cosan num terminal no porto de Santos, já extrai quase 20% de seus lucros produzindo sucralose mundo afora sob licença da McNeil. Nos próximos dias, Ometto deve selar uma associação, com opção de compra, com a Línea, fabricante desse tipo de adoçante no Brasil. As negociações duraram oito meses.

Ometto é tido como um negociador duro e paciente. “Ele leva quem está do outro lado da mesa ao limite”, afirma o consultor de fusões e aquisições Marcelo Gomes, escalado pelo dono da Línea para conduzir a negociação. “Mesmo quando era empregado, eu jamais topei um faça assim e não discuta”, diz Ometto. Depois de se formar na Poli, ele passou pelo Unibanco e, em seguida, foi trabalhar com os Ermírio de Moraes no grupo Votorantim. Chegou ao cargo de diretor financeiro com apenas 24 anos. Foi ali que aprendeu a dis ciplina dos negócios. “É uma escola de trabalho”, afirma. Enquanto viveu, José Ermírio de Moraes Filho manteve com Ometto uma relação quase paternal. “Quando meu avô Celso morreu, tio José Ermírio praticamente assumiu esse papel”, diz Gabriela, de 26 anos, filha caçula de Ometto e a única da família que trabalha no grupo Cosan.

Obstinado e competitivo, Rubens Ometto odeia perder até no par-ou-ímpar, segundo um de seus executivos. Quando fazia cursinho, Gabriela o desafiava com questões matemáticas especialmente escolhidas por um professor. “Ele fazia cálculos de cabeça e acertava na mosca”, diz ela. Ao disputar um campeonato de golfe com os amigos, já foi visto no campo às 6 horas da manhã para treinar. Avesso a badalações, segundo um de seus melhores amigos, o festeiro e extrovertido Bob Coutinho, dono da churrascaria Esplanada Grill, Rubens costuma ser o primeiro a chegar e a ir embora nos encontros sociais. Nos casamentos de suas duas filhas, porém, promoveu festas memoráveis. No de Isabel, a primogênita, a igreja foi decorada com 10 000 rosas colombianas. A recepção deu-se num salão primorosamente decorado com teto de cristal, pista de mármore e paredes de veludo, construído sobre a piscina e a quadra de tênis de sua casa. No meio do salão, à vista dos convidados, a mãe da noiva foi presenteada pelo marido com um colar de brilhantes. “Muito do que Rubens fez deve à Mônica, com quem está casado há mais de 30 anos”, diz Coutinho. Suas filhas garantem que ele jamais faltou a uma reunião escolar por causa do trabalho. Em sua fazenda, em Araras, no interior de São Paulo, Ometto construiu um campo de golfe e uma quadra de tênis, seus esportes preferidos. Uma particularidade: ele é fanático por telenovelas. Assiste a todas, sem exceção.

Daqui em diante, o desafio de Ometto é tão grande — ou até maior — quanto foi a construção do maior grupo produtor de açúcar e álcool de cana do mundo. Como já aconteceu com vários outros setores, o agronegócio brasileiro vem atraindo companhias globais, com inacreditável poder de fogo. O dilema de Ometto é manter-se à frente ou junto delas. Ofertas não faltam, segundo ele. “Não digo que um dia não vou vender, mas ainda não é hora”, diz. “Há uma grande avenida de oportunidades pela frente.”

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