JornalCana

O Itamaraty e a política do “deixa pra lá”

A moleza com que o governo brasileiro vem tratando pendengas comerciais com a Argentina não está prejudicando apenas a indústria nacional. Está prejudicando os interesses do Mercosul nas grandes negociações comerciais em curso.

A atitude básica do governo brasileiro é a de não criar caso com os argentinos. Eles sabem disso e vão tirando proveito.

Por que será que, de volta a Buenos Aires, os industriais da área do denim (tecido para confecções jeans) reabriram o acordo fechado na véspera com os industriais brasileiros? Porque sabem que o Itamaraty tem instruções para tratar o caso com complacência.

Por que os argentinos estão criando dificuldades em todas as áreas que lhes dá na telha? Porque sabem que contam com a leniência do governo brasileiro, cuja prioridade do momento não é comercial, mas política. O presidente Lula quer aparecer como líder dos pobres e oprimidos, e não tolera que alguma coisa estrague seu projeto.

Não há, por exemplo, nenhuma razão técnica para que o açúcar receba tratamento de exceção na área de livre comércio que integra o Mercosul. E, no entanto, por imposição argentina e aceitação brasileira, o açúcar nacional que transponha a fronteira argentina está sujeito a uma barreira alfandegária de 20%. Mas isso não é tudo.

Doçura – Os argentinos aplicam sobre o açúcar brasileiro uma taxação que chamam de “direito de equiparação de preços”, que varia segundo o que determina portaria em vigor do seu governo. Em janeiro foi de US$ 61 por tonelada, o que elevou a barreira alfandegária total sobre o açúcar brasileiro a 51,2%. Enquanto isso, a Tarifa Externa Comum (cobrada de terceiros países) registrada na OMC é de 35%.

Para responder a esse tratamento discriminatório, a indústria nacional propôs a adoção de critério equivalente para o açúcar argentino exportado para o Brasil contido em doces e outras mercadorias açucaradas. No entanto, o Itamaraty exigiu que os industriais brasileiros do setor “deixassem isso pra lá”.

Essa atitude não se restringe ao açúcar. Há semanas, o governo brasileiro barrou a iniciativa dos moinhos nacionais que pediam mais determinação contra a entrada de farinha de trigo argentina “pré-misturada”, apenas porque os argentinos inventaram a farinha com 0,3% de sal, que, por enquadrar-se na categoria de “pré-mistura”, era exportada com um confisco (“retenção interna”) de 5% em vez dos 20% aplicados para a farinha “sem mistura” e, por isso, chegava ao Brasil com preço inferior ao da farinha brasileira.

A lista de quizilas comerciais com os argentinos é extensa. As “perfurações” da TEC feitas por eles são apenas uma parte dela. Alcança ou ameaça alcançar produtos siderúrgicos, calçados, bens de capital, equipamentos agrícolas, móveis de madeira, eletrodomésticos e, agora, produtos têxteis.

O infeliz presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Paulo Skaf, foi empurrado pelo Itamaraty a negociar com industriais argentinos a imposição de uma cota “voluntária” de exportação de denim. Mas, no dia da reunião, 23 de janeiro, o governo argentino baixou portaria instituindo travas burocráticas (licenciamento prévio), o que pode adiar indefinidamente o despacho de uma guia de importação.

O sorriso europeu – Qual foi a reação do governo brasileiro? O embaixador do Brasil em Buenos Aires, José Botafogo Gonçalves, foi instruído a ficar de fora do assunto. Enquanto isso, Skaf, ansioso por mostrar serviço porque é candidato à presidência da Fiesp, ficou entregue às feras, sem nenhum respaldo oficial.

Se tudo ficasse por aí, o prejuízo se limitaria ao comércio bilateral Brasil-Argentina. No entanto, a política do “engole tudo” vai provocando graves conseqüências nas negociações do Brasil e do Mercosul na Alca, com a União Européia e com outros blocos comerciais.

O que se pode esperar do comissário comercial da União Européia, Pascal Lamy, quando algum maioral brasileiro sugere que a UE adote tratamento aduaneiro equânime para o açúcar? Ele sorri e pergunta por que o Brasil se atreve a exigir algo assim se, dentro do próprio Mercosul, o que prevalece é o que já se sabe?

Toda negociação comercial exige um mínimo de reciprocidade. À abertura comercial de uma parte é preciso contrapor abertura da outra. Mas, afinal, que abertura o Mercosul pode oferecer se os argentinos não agüentam o jogo do livre comércio nem no âmbito intrabloco, em áreas em que supostamente deveriam ser fortemente competitivos?

Este é o caso do frango. O que é um frango senão um “sistema” que converte proteína vegetal (soja e milho) em proteína animal (carne) num prazo de 45 dias? Pois bem, embora os argentinos ocupem um lugar no pódio entre líderes mundiais de produção de soja e milho, não conseguem competir com o frango brasileiro.

São fatos assim que explicam a impaciência dos ministros Roberto Rodrigues (Agricultura) e Luiz Furlan (Desenvolvimento) com a falta de dinamismo do Itamaraty na condução das negociações comerciais. Eles sabem que, enquanto o Brasil pára tudo para acolher as milongas argentinas, os chineses vão tomando o mercado externo do Mercosul.

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram