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O etanol e o sorriso da minhoca brasileira

Conferência Europeia de Biomassa, os vários representantes da União Europeia mostraram suas garras. Insistiram em alertar o público sobre a ameaça que os biocombustíveis (especificamente o etanol brasileiro) representam para a produção de alimentos. Interessantemente, a comunidade científica presente não se mostrava interessada nessa perspectiva, pois, entre centenas de palestras, nenhuma versava sobre o assunto.

Traduzindo em miúdos, a preocupação dos próceres da UE é que a expansão da área plantada de cana-de-açúcar no Brasil invada culturas de alimentos. Como consequência, o alimento que deixasse de ser produzido aqui teria de sê-lo alhures (que Cony me perdoe, Folha, 23/7).

Ora, essa preocupação não é certamente por causa dos mais de 1 bilhão de miseráveis que estão fora da Europa, já que a fome não é consequência da falta de alimentos, mas da falta de recursos financeiros e capital social. Também é fato o quase inteiro abandono em que se encontram países africanos e outros que só recebem ajuda de qualquer espécie em momentos de crise e cuja miséria é, em grande parte, fruto de séculos da exploração que sofreram dos ditos impérios europeus.

A África poderia ser um formidável produtor e exportador de alimentos. E, sob esse aspecto, a redução da oferta de alimentos devido à produção de biocombustíveis no Brasil, se por acaso viesse a ocorrer, seria antes um benefício para a humanidade.

Por outro lado, se o Brasil viesse a reduzir sua exportação de soja ou de carne bovina em benefício da produção de biocombustíveis, haveria um enorme ganho para o brasileiro, não só porque, com a adição de valor à matéria-prima vegetal, criar-se-iam empregos mais bem remunerados, mas também porque geraria riqueza comparável,! se não superior, à esperada com essa exploração, a desoras, do pré-sal (dessa vez Cony me mata).

Ou seja, a União Europeia prefere sacrificar o bem estar do brasileiro a reduzir o alimento para engorda de leitões que enchem suas rotundas panças no Natal (pois é para isso que serve a soja) ou a barata carne brasileira para encher as barrigas de seus cães poodles e gatos siameses.

Se eu não tivesse a certeza de que os governos europeus e seus cientistas assalariados têm as melhores das intenções, eu desconfiaria de que defendem mesquinhos interesses comerciais, esquecendo-se inteiramente de que o etanol de cana-de-açúcar é o que até hoje existe de melhor para combater o aquecimento global.

Simultaneamente, a campanha contra o etanol brasileiro vem usando um outro sofisma chamado mudança de uso do solo.

Se é derrubada uma parcela da floresta amazônica para plantar cana-de-açúcar, o dióxido de carbono emitido, para ser compensado pelo etanol produzido para substituir o petr! óleo, precisaria de 500 anos.

A derrubada de toda a floresta amazônica corresponde, quanto ao conteúdo de carbono, a aproximadamente todo o petróleo já queimado pela humanidade somado ao que ainda virá a ser usado das reservas conhecidas e a serem descobertas na Terra. Eis por que desmatar é crime contra a natureza e contra a humanidade e deve ser punido implacavelmente.

Esse efeito, a emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa (GEE), ocorre em qualquer que seja a mudança de uso do solo, inclusive para o cerrado. Mas esta denominação, cerrado, é extremamente imprecisa. Há cerrados com vegetação abundante e solos ricos em vida, e há cerrados que são pouco mais que um deserto. A União Europeia adotou arbitrariamente um parâmetro, 17 anos, para compensar, com a substituição da gasolina por etanol, os GEE emitidos durante a mudança de solo.

Ora, até o presente, menos que 2% da expansão da cana se fez no cerrado, e isso corresponde a menos que 0,1% do restante do cerrado atual. A expansão futura se fará muito provavelmente em pastagens e plantações abandonadas, como já vem ocorrendo, onde haverá ganhos imediatos em carbono contido até mesmo no que diz respeito à fauna e à flora do solo.

Quem já pôs a mão na enxada sabe que a minhoca esperneia não de aflição, mas de felicidade, por receber um solo mais permeável e rico em nutrientes, quando plantamos algo no solo desgastado pelo pasto ou no cerrado desnudo e seco.

Deixemos de lado as críticas insólitas de ecoidiotas, cientistas assalariados e lobistas pagos pelas companhias de petróleo e pelos exportadores de alimentos e façamos sorrir a minhoca brasileira com suculentas plantações de cana-de-açúcar que contribuirão para salvar o meio ambiente para nossos filhos e netos.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncroron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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