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O desafio do BIOdiesel

Depois de provocar uma verdadeira revolução energética, ao construir uma cadeia em torno da conversão de cana-de-açúcar em etanol, o Brasil está diante da chance de repetir a façanha com o biodiesel. Este novo combustível renovável partilha qualidades com o álcool, a começar pelos méritos ambientais.

Usados em substituição aos derivados de petróleo, tanto o etanol quanto o biodiesel se convertem em ferramentas capazes de deter o aquecimento global, reduzindo os bilhões de toneladas de gás carbônico lançados na atmosfera todos os anos.

As vantagens do biodiesel se iniciam no acesso mais democrático, possibilitando a inclusão de pequenos agricultores. Além disso, produtos já estabelecidos no agronegócio brasi- leiro, como a soja e o algodão, podem conviver com novíssimos cultivos como o pinhão-manso. E aí está a principal diferença em relação ao etanol: a multiplicidade de matérias-primas está na base da nova tecnologia.

O desafio do combustível verde é erguer uma cadeia produtiva tão eficiente quanto a do álcool. Mercado há de sobra, para um e para o outro. Num mundo que demanda cada vez mais energia limpa, não há rivalidade entre combustíveis renováveis.

O biodiesel está para o diesel comum assim como o etanol está para a gasolina, e pode ser obtido virtualmente de qualquer óleo vegetal. “A produção do etanol é concentradora de renda; já a de biodiesel, mesmo não sendo exclusiva da agricultura familiar, tem forte componente social”, diz Edna Carmélio, coordenadora de biocombustíveis do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Embora muitos especialistas acreditem que o etanol se manterá sempre na linha de frente dos combustíveis vegetais, é consenso que nenhuma fonte de energia alternativa é predatória em relação às demais. A previsão é a de que a demanda mundial por petróleo, carvão e gás natural aumente 80% nos próximos 25 anos. “Esses dados indicam que há espaço para o crescimento de combustíveis renováveis de todo o tipo, desde que produzidos a preços competitivos”, diz Décio Gazzoni, membro do painel de energias renováveis da Academia Internacional de Ciências e secretário da Câmara Setorial de Biodiesel.

Na corrida pela substituição dos derivados de petróleo, a Alemanha se tornou a maior produtora e consumidora de biodiesel do planeta, alcançando dois bilhões de litros por ano (4% de seu consumo de diesel). A ascensão do combustível nesse e em outros países da União Européia, como França e Itália, fez com que o bloco passasse de exportador a importador de grãos como colza e soja. A exploração das terras agricultáveis na UE já chegou a seu limite; mesmo assim, os países da região decidiram que, até 2010, irão adicionar 5,75% de biodiesel ao diesel comum. Nos Estados Unidos, onde também a soja é usada com essa finalidade, o governo oferece incentivo tributário de um centavo de dólar para cada ponto porcentual de biodiesel adicionado ao diesel. Lá há 40 fábricas, que produzem 24 milhões de litros anuais.

O biodiesel é um produto ainda jovem no Brasil, mas que amadurece com pressa. Com dois anos do programa nacional para o combustível, já temos 17 empresas envolvidas em 28 projetos no setor e 30 mil agricultores incluídos. As usinas ope-ram com produção estimada em 800 milhões de litros por ano, mas com a entrega ao mercado feita em etapas. A previsão é de que, até 2008, quando 200 mil produtores devem ter aderido ao segmento, o país chegará a um bilhão de litros. Hoje já há veículos brasileiros rodando com o combustível, o chamado B2, mistura de 2% de biodiesel e 98% de diesel comum. A meta do governo é de que, em dois anos, todos os veículos a diesel usem essa composição. A partir de então, a adição de biodiesel projetada é de 5%.

Isso não significa que a cadeia do produto esteja plenamente estruturada. “O B2 chega às bombas pelas vias de distribuição da Petrobras. Mas, no mercado como um todo, não há suficientes canais organizados”, afirma Wang Ching, coordenadora de projetos de agroenergia do Sebrae, que busca promover a inclusão de produtores que visam o biodiesel.

Grãos no tanque

Veja quantas picapes é possível abastecer com o biodiesel obtido num hectare/ano de cada plantio*

Soja 5

Algodão 6

Mamona 9

Girassol 11

Pinhão Manso 20

Dendê 31

* Com informações da Tecbio

Tampouco existe consenso sobre qual a melhor matéria-prima para a fabricação do combustível. “O que deve ser avaliado é se a cultura é sustentável em determinada região e possibilita às famílias viverem dignamente”, afirma Wang. Hoje, em razão de sua extensa área de cultivo, a soja é o grão mais utilizado para se fazer biodiesel, seguida da mamona e do dendê. A grande vedete do setor, porém, é uma planta que até então passava quase despercebida, o pinhão-manso. O fruto em nada lembra seu homônimo mais popular, a semente de araucária. Mais parecido com um pêssego, o pinhão-manso é proveniente de um arbusto grande e perene da família da mamona. No passado, era usado na fabricação caseira de sabão e, mais recentemente, como cerca-viva.

Suas maiores qualidades, porém, são o alto teor de óleo das sementes, que supera os 30%, e o fato de frutificar por mais de 40 anos. “É uma ótima opção para os produtores do sertão, pois não precisa ser plantada todo ano e é resistente à seca”, afirma Marcos Drumond, pesquisador da Embrapa Semi-Árido, que estuda a planta há dois anos.

Esse também é o tempo que o japonês radicado no Brasil Nagashi Tominaga convive com o pinhão-manso. Em 2004, ele desembarcou no norte de Minas Gerais, convencido de que o biodiesel se tornaria um produto de demanda mundial. Chegou disposto a investir em mamona e a levar sua experiência de economista especializado em energias renováveis aos produtores locais. Tominaga foi então apresentado ao pinhão-manso – e esqueceu da mamona. Ao conhecer as propriedades do fruto, previu que haveria muita procura por suas sementes e tratou de torná-las disponíveis, associando-se aos engenheiros agrônomos Eduardo Yasuda e Jorge Kakida. “Fiquei entusiasmado com a rusticidade e a alta produtividade da planta”, diz Yasuda.

As 16 toneladas de sementes de pinhão produzidas pelos três sócios, nos municípios de Janaúba e Matias Cardoso, chamaram a atenção da Petrobras para o norte mineiro. A empresa decidiu instalar em Montes Claros, na região, uma de suas três usinas para fabricação de biodiesel, que começam a funcionar no ano que vem – as outras estão em Quixadá, no Ceará, e Candeias, na Bahia.

Outra opção de matéria-prima é a palma ou dendê. A maior produção visando o biodiesel é da Agropalma, que fabrica oito mil toneladas do combustível por ano. A empresa foi uma das primeiras a receber o Selo Combustível Social, concedido pelo programa nacional de biodiesel, a quem adquire produções da agricultura familiar. A chancela reduz os tributos federais do grupo paraense e o qualifica a participar dos leilões da ANP – Agência Nacional de Petróleo. No último deles, a empresa vendeu o litro de biodiesel a 1,89 real. “Um preço muito acima da média do mercado, já que é subsidiado pela Petrobras”, diz o diretor comercial Marcello Brito.

Além de utilizar a produção de 33 mil hectares de plantios na região de Tailândia, ao sul de Belém, a Agropalma adquire parte das colheitas de 150 pequenos agricultores das vizinhanças. Benedita Almeida do Nascimento é parceira da empresa desde 2002, quando trocou o cultivo de mandioca e arroz pelo de palma numa área de 12 hectares. “O que eu ganhava era apenas para a comida – não dava pra comprar roupa boa nem sapatos”, diz. Com a infra-estrutura fornecida pela Agropalma, a renda de sua família saltou de 150 reais para 1,5 mil reais por mês, com produção de cinco toneladas a cada 15 dias.

O investimento inicial para produzir uma oleaginosa para biodiesel varia em função da cultura e da região onde será implantada. Quem deseja investir no dendê na área de atuação da Agropalma, por exemplo, deve reunir cerca de 24 mil reais, financiáveis pela empresa e pelo Pronaf. No caso da mamona, a Brasil Biodiesel, que atua no setor no Nordeste, dá apoio com sementes e equipamentos.

Com esse tipo de parcerias, os agricultores familiares envolvidos no segmento de biodiesel conseguem uma boa relação custo-benefício. De forma geral, eles passam a investir menos em fertilizantes e defensivos, e mais em sementes e boas técnicas de cultivo, segundo Edna Carmélio, do Ministério do Desenvolvimento Agrário. “Isso pode aumentar em até 40% os ganhos com plantio de dois hectares de mamona no Nordeste”, afirma a coordenadora.

Todavia, é preciso cautela nesse mercado em fase de organização, onde os lucros nem semrpe aparecem a curto prazo. Foi o que desestimulou o médico José de Almeida Filho a investir em mamona. Morador de Petrolina, PE, há quase 40 anos, esse piauiense atende a população de baixa renda no hospital público da cidade e a de maior poder aquisitivo em seu consultório. Ainda acha tempo para cuidar do cultivo de frutas (sobretudo mangas) em 103 hectares irrigados com água do São Francisco.

Almeida Filho interessou-se pelo biodiesel quando passava férias no Rio de Janeiro e conheceu as pesquisas da Petrobras com óleo de mamona. Entendeu que essa planta poderia melhorar as condições do solo, além de se tornar um bom investimento para o futuro. Fez um teste no ano passado, iniciando o plantio da oleaginosa em cerca de 20 hectares. “A surpresa foi que veio muita mamona: seis toneladas por hectare na parte irrigada”, diz.

O contentamento durou pouco e o volume colhido foi engrossar o estoque da propriedade. Isso porque a empresa local que compra a matéria-prima para transformar em biodiesel ofereceu 30 centavos por quilo de mamona – para ser compensador, o valor pago teria que ser, no mínimo, o dobro disso. Outro problema: seria preciso dividir a produção com outros agricultores, pois as indústrias esmagadoras da região só aceitam comprar o equivalente a 1,5 tonelada por hectare de cada produtor.

Há outros desafios a vencer na seara do biodiesel. O atual programa brasileiro de incentivo ao biocombustível ainda não focou a constituição de cooperativas de produtores, o que poderia fazê-los avançar na cadeia e entregar, em vez do grão, o óleo já pronto. Em relação à questão ambiental, a ascensão deste novo mercado traz também o risco irônico de aumentar a demanda por produtos de grande impacto na natureza. “É o caso da soja, cuja expansão entre 2000 e 2003 teve conseqüências nocivas sobre a Amazônia”, diz Délcio Rodrigues, ambientalista ligado ao Instituto Vitae Civilis. A utilização desse grão para o biodiesel, inclusive, tem menos vantagens do ponto de vista da emissão de gás carbônico do que outras espécies vegetais. Para se produzir soja, é preciso muito petróleo, tanto na forma de fertilizante quanto na de diesel, para mover tratores e colheitadeiras. Rodrigues explica que seu balanço energético não é dos mais proveitosos: para cada unidade de energia fóssil utilizada na produção, a soja rende menos de duas unidades de energia renovável. Com o etanol, a relação é de uma para dez. Além disso, o rendimento de energia por área de soja é menor do que o de outras oleaginosas.

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