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O declínio do ‘food power’.

As importações americanas de produtos agropecuários crescem a uma velocidade quase duas vezes maior do que as exportações. A dúvida é sobre o momento em que isso deverá ocorrer, se neste ano ou se até o fim da década.

Em 2003, os economistas Phil Paarlberg e Phil Abbot, da Universidade de Purdue, estimaram que, mantida a tendência atual, as importações deveriam superar as exportações em 2007. A previsão é consistente com as estimativas do USDA. Estudos mais recentes admitem que a reviravolta poderia ocorrer já em 2005. A última vez que isso ocorreu foi em 1959. Para o ano fiscal 2003/04, a dupla projetou um incremento de US$ 500 milhões nas exportações (US$ 56, 5 bilhões) e de US$ 3,5 bilhões nas importações.

“As exportações agrícolas continuarão sendo um segmento importante do comércio exterior americano, mesmo com o aumento das importações”, observa Abbot. “Ga-nhos do comércio ocorrem do lado das importações. O benefício está do lado do consumo, não do lado da venda. Creio que ocorre confusão na atualidade, ao se pensar como os mercantilistas – vender, vender, vender. Mas por que se exporta? Para importar outros produtos”, argumenta Abbot, no intento de virar de ponta-cabeça, sem lhe retirar o mérito, o discurso da auto-complacência prevalecente no tempo da guerra fria.

Como mostram as estatísticas do Departamento da Agricultura (USDA), o superávit da balança comercial agrícola encolheu de US$ 27,3 bilhões em 1996 (o mais elevado de todos os tempos) para US$ 10,5 bilhões em 2003, enquanto as importações nos últimos sete anos cresceram mais de US$ 13 bilhões, tendo saltado de US$ 32 bilhões em 1996 para US$ 46 bilhões em 2003.

A projetada inversão da balança comercial suscita indagações não somente sobre o motivo da iminência do déficit, mas também sobre se o déficit é sinal de perda de competitividade. A balança comercial, responde Jerardo, é uma medida contábil que, por si mesma, não fornece informação sobre a escala e a composição do intercâmbio comercial de um país, nem dos benefícios decorrentes desse intercâmbio. Dito de outro modo: o déficit não pode ser analisado como simples sinal negativo.

Vinte anos atrás, cerca da metade das exportações americanas consistia de commodities (grãos e oleaginosas, algodão, tabaco). A participação de produtos de origem animal e horticultura no total das exportações era de 10% e 9%, respectivamente. Hoje, as exportações de commodities recuaram para 36%, enquanto as de produtos de origem animal cresceram 26% e hortigranjeiros, 21%. Ao mesmo tempo, mudanças na economia mundial levaram a um declínio das exportações agrícolas dos EUA e a um aumento de suas importações.

A despeito das importações crescentes, os EUA permaneceram como exportadores líquidos em razão de suas vantagens comparativas em culturas como grãos e oleaginosas. Vantagens de custo e outras faziam dos EUA um local mais atraente para produzir, na comparação com outros países.

Na última década, porém, os embarques de commodities americanas para países desenvolvidos caíram de 43% para 34%, enquanto as exportações crescentes dos países em desenvolvimento aumentaram a sua participação.

Nos anos 90, o “dólar forte”, da administração Clinton, deprimiram as exportações americanas, ao mesmo tempo que estimularam as compras do país no exterior. De 1996 a 1999, as exportações americanas caíram em valor, enquanto as importações registravam movimento em direção inversa.

A previsão do USDA é que a tendência vai manter-se nos próximos anos. Por volta de 2010, quase a metade das importações agrícolas americanas será de hortigranjeiros, mediante contratos de longo prazo. As importações de produtos de origem tropícal, como cacau, café e açúcar deverão crescer ainda mais.

Os EUA são auto-suficientes na produção de grãos, oleaginosas, carnes, laticínios, verduras e legumes. A participação desses produtos no total das importações foi de apenas 13% em 2002. Entre os alimentos mais importados pelos EUA estão os produtos não cultivados internamente, os que têm preço mais baixos no exterior e os fora de estação.

Uma outra explicação aventada pelo estudo do USDA para o crescimento das importações de alimentos pelos EUA é o crescimento da produção de países em desenvolvimento, voltada para a exportação. Entre estes, o estudo menciona em primeiro lugar a Índia, depois a China e Indonésia, “países que exportam o excedente de produção que seu mercado doméstico não consegue absorver”. O México é outro país mencionado no estudo, no qual aparece como primeiro na lista dos exportadores de hortigranjeiros para os EUA – 43% de suas importações provêm do México.

Países em desenvolvimento também são responsáveis por um terço dos alimentos processados importados pelos EUA. Dado que 62% do total de alimentos importados são processados, países em desenvolvimento terão uma participação crescente na dieta alimentar americana, observa o trabalho do USDA. A tendência vem de longa data. Nos últimos vinte anos, o consumo per capita nos EUA cresceu dez libras por ano (4,5 kg), enquanto a importação per capita de alimentos cresceu 5 libras. É dizer que os americanos não somente estão comendo mais alimento importado a cada ano, mas também que a participação dos importados no total consumido cresce rapidamente. Tomando-se como base o valor total das importações, cada cidadão consumiu US$ 142 em alimentos importados em 2002, duas vezes mais que em 1983. Do início dos anos 80 a 2002, a participação média no consumo dos alimentos importados saltou de 9% para 13% – destaque para hortigranjeiros, suco de fruta, nozes, vinho e cerveja. Nos últimos vinte anos, enquanto o consumo de frutas, vegetais e cereais crecsceu 20%, a importação desses produtos cresceu mais de 100%. Nenhum grupo de alimentos, porém, é importado numa proporção superior a um terço do consumo doméstico. Cerca de 15% das importações americanas são provenientes de empresas dos EUA no exterior.

“À parte o seu valor simbólico, a balança comercial agrícola dos EUA não é, em si mesma, uma medida de competitividade de suas exportações nem de sua dependência de importações. Os EUA são altamente competitivos na exportação de grãos, oleaginosas, carnes bovina e suína, frango e algodão. Mas os EUA também importam tais produtos em grande quantidade”, observa o estudo. Atualmente, acrescenta, o comércio é simplesmente um meio de satisfazer às necessidades e vontades que não são satisfeitas em casa ou que custam menos em outra parte. As importações agrícolas pelos EUA diferem de suas exportações e continuarão a crescer independentemente das vendas externas.

“Grande parte das exportações americanas constitui-se de commodities. O declínio do superávit comercial agrícola dos EUA não indicam perda de competitividade do setor produtivo e sim a preferência do consumidor americano por maior variedade na oferta de alimentos e bebidas. À medida que a população do país cresce em tamanho e diversidade, crescem também a quantidade e a variedade alimentos importados.

Importação e exportação são dependentes da capacidade de compra do dólar. Quanto mais forte o dólar, mais rapidamente crescerão as importações em relação às exportações, capacitando assim os cidadãos americanos a comprar mais os alimentos que quiserem”, conclui o estudo, que vem a público num momento de pressão baixista sobre a moeda americana nos mercados monetários e em que já não se trabalha com a hipótese de permanência de um “dólar forte”.

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