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O Brilhante futuro da cana

Os 2,5 milhões de brasileiros que compraram um carro flex no ano passado sabem que o etanol não é um substituto definitivo para a gasolina, mas é uma alternativa importante e muitas vezes mais barata. O que esses consumidores provavelmente não sabem é que os produtores de cana-de-açúcar têm ambições que vão muito além dos tanques de combustível. Graças a um enorme potencial energético e a uma torrente de inovações, que vão da biotecnologia às caldeiras utilizadas nas usinas, a cana pode ter pela frente um futuro promissor — e muito semelhante ao do petróleo. O açúcar da cana pode ser transformado em vários derivados, assim como o óleo cru dá origem à gasolina, ao querosene e a uma enorme gama de petroquímicos. “As usinas de açúcar e álcool vão virar usinas de garapa e bagaço”, diz Fernando Reinach, diretor executivo da Votorantim Novos Negócios, controladora de empresas de biotecnologia especializadas no melhoramento genético da cana. “De acordo com as condições do mercado, elas vão poder decidir o que fazer com esses produtos básicos.”

Um dos melhores exemplos é o do grupo Santelisa Vale, do interior de São Paulo. A Crystalsev, empresa do grupo, associou-se à Amyris, empresa de biotecnologia da Califórnia, para produzir diesel, gasolina e querosene de aviação à base de caldo da cana. Em vez de passar por uma fermentação tradicional, os organismos geneticamente modificados da Amyris dão origem a produtos que têm as mesmas características dos combustíveis fósseis originais. As leveduras transformam o açúcar em hidrocarbonetos. A nova empresa terá uma produção piloto em Campinas, no interior paulista, que começará a operar em fevereiro. A estimativa é que a primeira safra renda 20 milhões de litros de diesel. Por enquanto, a produção deve ser usada em misturas com o diesel comum. Mas a Amyris pretende fazer parcerias com outras usinas a partir de 2011. “Queremos ser competitivos com o diesel fóssil com o barril de petróleo caindo até 70 dólares”, diz o belga Roel Collier, diretor-geral da Amyris no Brasil.

É justamente a recente alta do preço do petróleo, somada às preocupações ambientais, que ajudou a resgatar uma indústria derivada da cana: a alcoolquímica. Até os anos 60, muitos plásticos eram feitos da planta. Mas com a expansão da exploração do petróleo, a queda do preço e a expansão do setor petroquímico, a alcoolquímica deixou de ser competitiva e perdeu espaço. Hoje, diversas empresas, inclusive as petroquímicas, estão interessadas nos bioplásticos, feitos de fontes renováveis. Em uma unidade piloto no Rio Grande do Sul, a Braskem está produzindo polietileno de etanol. É exatamente o mesmo polietileno feito da nafta petroquímica, usado em potes de iogurte, tanques de combustível e sacolas plásticas. Um dos primeiros clientes já anunciados é a fabricante de brinquedos Estrela, que usa o plástico para fazer peças de jogos como o tradicional Banco Imobiliário.

A maior parte da produção anual de 200 000 toneladas prevista para 2010, porém, deve ser comprada por empresas estrangeiras. “Estamos posicionando esse plástico como produto premium”, diz Luiz Nitschke, responsável pelo projeto de polietileno verde da Braskem. “Ele é feito de fonte renovável e, durante o crescimento, a cana retira gás carbônico da atmosfera.” Há empresas investindo também em plásticos biodegradáveis de cana, como é o caso da PHB Industrial, fabricante de bioplásticos, sediada em Serrana, próximo a Ribeirão Preto. Os plásticos podem ser usados no lugar do polipropileno em canetas, potes de cosméticos, aparelhos eletrônicos e até em peças de automóveis, como painéis e pára-choques. “Em condições normais, esses plásticos duram muito. Mas em contato com bactérias, como em um lixão, eles se desintegram em 180 dias”, diz Sylvio Ortega, diretor executivo da PHB Industrial.

ACELERAÇÃO TECNOLÓGICA

Em média, os bioplásticos são 30% mais caros que os plásticos convencionais. Apesar do preço alto, estima-se que eles possam representar 10% do total do mercado brasileiro em 2012. De olho nesse potencial, a belgo-argentina Solvay Indupa assinou um contrato com a cooperativa de produtores de álcool e açúcar Copersucar para o fornecimento do etanol que será usado na fabricação de PVC. Na mesma linha de parcerias, a gigante do setor Dow Chemical buscou a Crystalsev para montar o primeiro pólo alcoolquímico integrado do mundo na região do Triângulo Mineiro, com investimentos estimados em 1,5 bilhão de reais. A produção de cana estará lado a lado com a fábrica de plásticos. O pólo deve começar a operar no ano que vem produzindo etanol e, a partir de 2011, fabricando 350 000 toneladas de polietileno. As parcerias estratégicas da Santelisa Vale são uma reação à mudança da indústria da cana. “O foco do setor sucroalcooleiro está se modificando”, diz Sebastião Henrique Gomes, diretor administrativo da Santelisa Vale. “O que era um negócio de commodities está virando um negócio de energia renovável, em suas diversas formas.”

É na área de energia que as usinas vêm diversificando suas atividades com mais força e há mais tempo. Desde a década de 80, o bagaço da cana é usado para produzir energia elétrica. Esse aproveitamento do resto da produção tem permitido há algum tempo que as usinas sejam auto-suficientes em energia. Mas desde o apagão, em 2001, as usinas começaram a enxergar nessa produção interna de energia elétrica um novo negócio. Para produzir excedente, muitas delas investiram em caldeiras de alta pressão, mais eficientes na queima do bagaço, que custam mais de 30 milhões de reais. Hoje, também estão sendo desenvolvidas técnicas para aproveitar a palha da cana, que tem quantidade de energia igual à do bagaço. O resultado é a emergência de uma nova indústria, que já responde por 3% da matriz de eletricidade do país e pode chegar a 15%, o equivalente ao consumo de um país como a Holanda, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).

A multiplicidade de produtos que começam a ser explorados com base na cana tem grandes implicações para a indústria sucroalcooleira do país. A primeira é a aceleração dos avanços tecnológicos no setor. Para desenvolver os novos produtos, são necessários conhecimentos de áreas diversas, como genética, biotecnologia, química e engenharia. Cada detalhe na nova cadeia da cana — das leveduras às turbinas — é desenvolvido por diferentes empresas, criando novas indústrias. As perspectivas de ganhos num setor que cresce de 10% a 15% ao ano formam um ambiente propício à inovação. A Allelyx, empresa de biotecnologia controlada pelo grupo Votorantim, tem pesquisas avançadas para desenvolver variedades transgênicas de cana mais produtivas ou capazes de gerar mais açúcar, por exemplo. Há anos fornecendo equipamentos para usinas, a Dedini se especializou em formas de ganhar mais eficiência na produção de etanol. Nesse processo, a empresa criou um novo equipamento, que capta o vapor gerado na fabricação de açúcar e álcool para produzir água. A Dedini também está investindo em tecnologia para a produção de álcool celulósico, que pode ser feito do bagaço de cana e de outras fontes de celulose. “O processo que fizemos de hidrólise rápida é muito mais ágil do que o que é testado em outros países”, diz Sérgio Leme dos Santos, vice-presidente executivo da Dedini. “Mas ainda precisamos torná-lo mais competitivo.”

Outro impacto no setor são as mudanças na área de gestão. Há alguns anos as usinas vêm se profissionalizando, deixando de ser apenas negócios de família. Com a crescente diversificação, novos profissionais estão sendo contratados para atuar nos diferentes setores, de energia, alcoolquímica e os tradicionais etanol e açúcar, que ficaram mais especializados. Faculdades começaram a oferecer cursos de MBA especialmente para o setor, como é o caso da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e da Faap, em São Paulo. “Com o leque de opções mais aberto, as usinas estão tendo de investir em bom planejamento estratégico para definir como será usada sua produção de açúcar e etanol”, diz Sandra Helena da Cruz, professora do departamento de agroindústria, alimentos e nutrição da Esalq. Em níveis mais baixos, a mecanização das lavouras (que será padrão em São Paulo até 2017) e o uso de equipamentos mais sofisticados exigem maior treinamento dos trabalhadores que ficam nos canaviais e nas usinas.

FEITOS DE AÇÚCAR

O novo ciclo da cana traz uma nova realidade para as usinas: a de se tornarem biorrefinarias. É difícil, porém, haver uma reprodução do que ocorre no setor petroquímico, pelo menos no curto prazo. Alguns dos novos produtos, como o diesel de açúcar, podem ser feitos dentro das usinas, pois a estrutura muda pouco. Mas outros, como os de alcoolquímica, devem ser feitos em parceria. “Os empresários podem diversificar um pouco seus investimentos, mas sem perder o foco em açúcar e etanol”, diz José Carlos Toledo, presidente da União dos Produtores de Bioenergia. Se não houver uma revolução nas usinas, certamente haverá no setor. A demanda por produtos que tenham menor impacto no aquecimento global e a necessidade de diminuir a dependência do petróleo fazem com que todos voltem os olhos para alternativas como o açúcar. Os produtos baseados no açúcar podem ser feitos de milho, beterraba e outros alimentos, mas a cana é o mais vantajoso: é a planta mais produtiva, tem o maior potencial energético e o menor custo. “O Brasil tem hoje a experiência mais competitiva do mundo em buscar alternativa ao petróleo”, diz Marcos Jank, presidente da Unica. Reinach, da Votorantim Novos Negócios, faz uma análise ainda mais otimista. “Da mesma forma que Taiwan virou um pólo para a fabricação de semicondutores, fazendo uma política de incentivo a investimentos, o Brasil pode ser o pólo dessa nova indústria ligada à cana”, diz. “As condições para a exploração estão aqui. É uma grande oportunidade”

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