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O Brasil sai do sufoco

Indústria eletroeletrônica em Campinas: a produção industrial cresceu 2,9%

Já se foi o tempo – felizmente – em que se comparava a economia brasileira a um paciente internado numa UTI cujo futuro se resumia à perspectiva longínqua de um dia poder ir para o quarto. Nos últimos dias, entretanto, as notícias sobre a saúde econômica do país andaram aparentemente tão desencontradas que, dependendo do sintoma observado, se podia chegar à conclusão de que o paciente está prestes a correr uma maratona ou na iminência de voltar aos cuidados intensivos. Exemplo típico do primeiro caso: os dados sobre o crescimento de 2,7% do produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre, resultado acima da expectativa da maioria dos analistas. Como o PIB mede o desempenho de toda a economia (veja como é feito esse cálculo), um resultado positivo é sempre boa notícia. Exemplo típico do segundo caso: a taxa recorde de desemprego, acompanhada da primeira queda na renda desde janeiro. Como é possível que um país cresça ao mesmo tempo que o desemprego sobe e a renda cai? Para complicar ainda mais, a mesma variável pode ser lida de várias maneiras, provocando avaliações totalmente diferentes.

Mailson da Nóbrega: preocupação no front interno

Para entender o significado de um dado econômico, é preciso analisá-lo sob vários ângulos. O caso do PIB e o da produção industrial são bem ilustrativos. O valor de cada um vai depender da base e do período de comparação escolhidos. Os 2,7% de crescimento do PIB anunciados pelo governo se referem ao resultado obtido quando se compara o desempenho da economia no primeiro trimestre de 2004 com o mesmo período de 2003. Quando se compara a evolução do PIB do primeiro trimestre de 2004 com o último de 2003, o valor cai para 1,6% de crescimento e vai a zero quando se toma uma série maior – por exemplo, os quatro últimos trimestres em comparação com os quatro imediatamente precedentes. No caso do recorde do desemprego, a análise é um pouco mais complexa. É preciso recorrer a mais de um indicador. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aferiu, nas seis principais regiões metropolitanas do país, uma taxa de desemprego de 13,1%, a maior desde outubro de 2001. Ao mesmo tempo, o Ministério do Trabalho registrou a criação de 185 000 empregos formais em todo o país. Foi o melhor número para um mês de abril desde 1992. É muito pouco para aliviar o drama de um país em que só nas regiões metropolitanas existem 2,8 milhões de desempregados. As duas informações parecem contraditórias, mas não são. É comum o desemprego crescer no início de um movimento de recuperação econômica. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro: a princípio, as empresas aumentam a produção ocupando a capacidade ociosa das fábricas. Só depois pensam em contratar. O segundo: a perspectiva de abertura de novas vagas faz com que pessoas que já tinham desistido de procurar emprego voltem a fazê-lo.

“Como se sabe, basta torturar os números para que eles contem a história que se deseja ler”, diz o matemático americano John Allen Paulos, autor de um best-seller sobre a tensa relação da imprensa americana com as estatísticas (veja quadro). Com ajuda de especialistas, repórteres de VEJA cotejaram os dados econômicos aparentemente desconexos das últimas semanas e extraíram o que eles têm de realidade. As principais conclusões:

O crescimento do PIB brasileiro no primeiro trimestre foi bom, mas menor que o de outros países emergentes. No mesmo período, o México cresceu 4,6%, o Chile, 4,5% e a Argentina, 10%.

O crescimento da economia brasileira impressiona principalmente porque ele foi medido em relação a uma base de comparação muito fraca, o primeiro trimestre do ano passado. Naqueles três meses, a economia brasileira encolheu, fato que se repetiu no segundo trimestre e caracterizou a entrada do país em recessão.

A notícia realmente auspiciosa embutida na divulgação do resultado do PIB é que o Brasil reverteu a tendência à estagnação econômica e, apesar de um aperto fiscal sem precedentes na história recente do país, conseguiu crescer sem despertar a inflação. O superávit primário anunciado na sexta-feira chegou a 11,9 bilhões de reais em abril e bateu todos os recordes desde que esse indicador de austeridade dos governos começou a ser medido no Brasil, em 1991.

Quando se olha para o comportamento dos componentes do PIB, os sinais do que está dando certo no Brasil ficam mais claros ainda. A agricultura (com aumento de 3,3% sobre o trimestre anterior) e as exportações (com 5,6%) continuam sendo responsáveis pelos melhores desempenhos.

Economistas adoram exercitar sua vocação para cálculos e estimativas futuras. Entre suas práticas favoritas está a anualização de índices, que nada mais é do que extrapolar para o ano o resultado obtido num determinado período. Pois bem, anualizado, o crescimento de 1,6% do PIB equivaleria a 6,8% em dezembro de 2004. Muitos economistas abraçaram alegremente e sem crítica essa realidade virtual, esquecendo-se de que no começo do ano passado, com base em um suspiro de crescimento apurado em dezembro de 2002, as taxas anualizadas para 2003 apontavam para 4% de crescimento. Deu zero.

O desafio de continuar a crescer continua tão grande e complexo quanto antes da divulgação dos números do PIB na semana passada. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que falou a VEJA na noite de quinta-feira (manhã de sexta-feira no Japão, onde estava para uma reunião com empresários), conhece os obstáculos. Disse Palocci: “Para garantir a retomada definitiva, temos de cuidar de medidas complementares, coisas como o pacote da construção civil, a lei de falências, a política industrial e os modelos regulatórios”. Com ele concorda a maioria dos analistas econômicos, até porque é difícil discordar de avaliação tão sensata. A questão é que existe uma profusão de incógnitas no horizonte. Externamente, a escalada dos preços do petróleo e, principalmente, a elevação dos juros dos Estados Unidos podem tumultuar o segundo semestre. Ainda que seja fonte de preocupação, o ambiente externo não tem nuvens excessivamente carregadas. É para o front interno que estão voltadas as atenções dos analistas. “O fator político pode confirmar os motivos de otimismo ou fazer tudo desandar”, alerta o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências. Paira alguma incerteza sobre a capacidade do governo Lula em articular o andamento das medidas às quais se referiu o ministro Palocci. Existem problemas mais imediatos e preocupantes. A campanha de parte do PT para levar o mínimo a um valor acima dos 260 reais propostos pelo governo é um dos principais, porque se surtir efeito terá conseqüências desastrosas sobre as contas públicas.

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