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“O Brasil entra em um novo ciclo da cana-de-açúcar”

O economista Plínio Nastari é especializado em economia agrícola, especificamente em cana-de-açúcar, açúcar e álcool. Ele é presidente da Plinio Nastari Consultoria e Participações S/C Ltda. desde 84, que tem como marca a Datagro, uma empresa de consultoria do setor sucroalcooleiro.

Nastari tem participado nos últimos 24 anos de uma série de comissões de Governo, para quem tem assessorado no processo de desregulamentação do setor, planejamento energético, disputas comerciais, integração comercial. Presta serviços também para produtores, bancos e tradings.

Esteve recentemente em Ribeirão Preto para palestra sobre “Interesse Econômico do Etanol para o Brasil”, na 25ª reunião do Conselho da Associação Mundial dos Produtores de Cana e Beterraba, WABCG (sigla em inglês). Na ocasião, defendeu a idéia de que o Brasil está entrando em um novo ciclo da cana-de-açúcar.

Qual é o interesse do etanol para o Brasil?

O etanol foi o primeiro passo de diversificação da indústria sucroalcooleira brasileira, o que permitiu fazer com que a remuneração da sacarose produzida no campo tivesse uma renda adicional advinda desse processo de diversificação. Esse foi o primeiro passo.

Nós estamos enxergando que há passos adicionais que estão acontecendo nesse momento e outros que ainda advirão, fazendo com que a renda sobre a mesma cana, a mesma sacarose, seja aumentada no futuro.

Normalmente uma economia canavieira no mundo, fora o Brasil, obtém para cada 100 kg de sacarose produzida, uma remuneração equivalente entre 84,6% a 88% do preço do açúcar no mercado em que ela atua.

Com a produção de etanol, o Brasil conseguiu fazer com que 100% da sua sacarose fossem remuneradas por um preço equivalente ao preço do açúcar.

O que é que está ocorrendo agora?

Com a cogeração a partir de bagaço da cana-de-açúcar, essa renda passa de 100% para 114%. Com a venda de créditos de carbono, essa renda cresce em adicionais de 7,5% a 22,5% e, futuramente, com o aproveitamento econômico de pontas de palhas, podemos ter mais uma renda adicional entre 20% e 40%. Isso tudo representa renda adicional sobre uma mesma base de cana-de-açúcar. É isto o que diferencia o Brasil das outras economias canavieiras e açucareiras baseadas em beterraba. Esta renda adicional é o que permite a capitalização da produção, investimentos em modernização, aumento de produtividade que nós temos assistido, da ordem de 3,8% ao ano nos últimos 29 anos. Não se encontra paralelo em outra atividade agroindustrial.

É isso o que causa admiração a todo o mundo…

Causa admiração e eu diria que há uma diferença muito grande entre o empresário agroindustrial na cana-de-açúcar do Brasil com o de outros países. Esta mensagem está sendo mostrada na Austrália, na Tailândia, na África do Sul. Só que nesses países há uma relutância de se fazer investimentos em diversificação, isso o que o Brasil está fazendo, ou seja, conseguir aumentar a renda sobre a mesma base de produção.

No Brasil isso ocorre naturalmente. O setor está investindo, arriscando, acreditando. Isso é salutar porque gera atividade econômica, aquisição de bens de capital, gera emprego no interior. Isso não se encontra lá fora.

O produtor de cana também está sendo remunerado sobre essa diversificação, ou essa renda adicional fica na indústria?

Existe uma integração muito grande na indústria canavieira brasileira, uma verticalização de produção. Ele está sendo remunerado sim, 75% da cana-de-açúcar são produzidos pelas próprias usinas e destilarias.

A regra de remuneração dos outros 25% dos produtores de cana também é uma regra que faz com que haja uma divisão justa dos rendimentos dessa remuneração. Então, o sistema está bem organizado nesse momento.

Por que a relutância dos outros países? Eles não estão convencidos do exemplo brasileiro?

Em particular, na Austrália, eu observo um comodismo. Eles temem fazer novos investimentos para ampliação de capacidade de produção e se contentam em serem produtores de açúcar cru para o mercado mundial, o que é uma pena.

Se não mudarem vão perder o bonde da história?

Vão, e vão perder cada vez mais em competitividade para o Brasil.

O que falta para o álcool virar uma commodity?

Falta estandardização de especificação. Não existe uma especificação comum no mundo para etanol combustível ou etanol industrial. Cada consumidor, cada usuário tem uma especificação diferente. Isso é base para uma commodity. Segundo, um preço transparente e definido no mercado mundial. Não existe esse preço num local como existe para o açúcar. O preço mundial em Nova York para açúcar cru e em Londres para açúcar refinado.

Faltam essas duas condições.

Há um comércio grande de etanol industrial e o etanol combustível começa a crescer. Por força de mercado essas condições não terão de ser criadas para que o álcool seja uma commodity?

Sim, acho que sim. Isso vai acontecer ao longo do tempo e talvez nós sejamos surpreendidos com a rapidez com que isso vá ser implementado.

Por que?

Ora, com o preço do petróleo entre 60 e 80 dólares o barril, naturalmente vai haver uma pressão muito grande para que isso ocorra.

O Maurilio Biagi Filho, que o senhor bem conhece, teme que a vinda de grupos estrangeiros, principalmente europeus, para investir na produção sucroalcooleira provoque uma desnacionalização do setor. O senhor comunga dessa idéia?

Existe uma tendência para aumentar investimento estrangeiro de risco no setor, mas esse investimento ainda será pequeno comparado com o tamanho da participação do capital privado nacional no setor. Vai demorar muito para que o peso do investimento estrangeiro seja relevante ou comparável ao do capital privado nacional.

Mas a concentração do setor não pode ser uma ameaça nesse sentido?

Essa concentração continua ocorrendo por vários motivos, por problemas de sucessão, de brigas entre sócios, problemas econômicos, mas, de novo, ainda não estamos enxergando movimento de entrada de capital externo de risco com volume que comece a fazer uma participação competitiva ou relevante com o capital nacional. Ainda estamos longe disso.

A produção de álcool dos Estados Unidos cresce muito e já se equipara à produção brasileira, mas eles não preocupam enquanto player no mercado internacional porque atendem apenas à demanda interna?

Sim. Uma coisa muito importante é que embora os Estados Unidos estejam com uma produção de 14,5 bilhões de litros de álcool este ano e se aproximem muito da produção do Brasil, que será de 16,4 bilhões de litros, a representatividade do etanol em relação ao pool de gasolina no Brasil, que é de 40,6%, é infinitamente maior nos Estados Unidos, que é de 2,5%.

Então existe ainda um espaço muito grande para o consumo de etanol crescer nos Estados Unidos. As projeções de aumento nos Estados Unidos estão todas voltadas para absorção no mercado americano.

Os Estados Unidos podem em algum momento se tornar um exportador competitivo com o Brasil, como já foram no passado, mas estruturalmente não será exportador de peso.

Nesse sentido, o Brasil tem condições de ter uma presença no mercado mundial mais expressiva do que os Estados Unidos.

Qual o posicionamento da Índia nesse cenário, uma vez que é a segunda maior produtora de cana do mundo, atrás apenas do Brasil?

A Índia é um problema sério. Tem uma estrutura agrícola completamente arcaica. São 50 milhões de produtores de cana com tamanho de propriedade agrícola menor do que um hectare em média.

Eles têm uma forte intervenção do Governo na definição de preços. Quando o produtor não recebe o preço determinado pelo Governo porque a usina não teve dinheiro para pagar esse produtor, ele diminui a produção.

Isso causa flutuação de produção, o que faz com que a Índia seja em alguns momentos exportador marginal ou importador marginal no mercado mundial.

A Índia é um grande produtor de cana, com 295 milhões de toneladas e de açúcar é de 26,5 milhões de toneladas. Ainda assim, por conta dessa vulnerabilidade, é um grande mercado para o Brasil.

No ano passado, o país foi a maior destino na exportação do álcool do Brasil, com 477 milhões de litros. O que deve se repetir esse ano cerca de 400 a 500 milhões de litros.

O produtor agrícola e industrial do Brasil está habilitado para atender à crescente demanda de cana, açúcar e álcool?

Está habilitado e faz novos investimentos. Há 41 novos projetos em diferentes fases de implantação em áreas de São Paulo, Triângulo Mineiro, Mato Grosso, Goiás, Oeste da Bahia e algumas áreas do Nordeste que vão se viabilizar com a transposição do São Francisco.

O Brasil tem infra-estrutura suficiente para atender à demanda do setor?

Tem sim. Eu até me surpreendi recentemente com isso. Não apenas com a produção de bens de capital pelas empresas de Sertãozinho e Piracicaba.

É surpreendente como esse segmento, com o setor inteiro, foi capaz de atender ao aumento da demanda de álcool anidro nos últimos dez anos, que passou de 2 bilhões de litros para 8 bilhões.

Segundo: logística. Está demonstrado que existe logística para exportação de álcool capaz de praticar uma exportação de 300 milhões de litros por mês, ou 3,6 bilhões de litros por ano. O recorde foi de 2,6 bilhões na safra passada.

Além disso, já entrou em operação esse mês um terminal de álcool adicional em Santos com capacidade de 1 bilhão de litros e há projetos para expandir para 8 bilhões de litros.

O mercado de carbono vai ‘pegar’?

Já ‘pegou’. Kyoto, virando um Tratado, está abrindo oportunidades enormes nesse sentido e elas aumentam com a perspectiva de valorização da tonelada de carbono poupada.

É importante lembrar que na Europa, se estima que para se economizar uma tonelada de carbono é preciso gastar de US$ 40 a US$ 50 por tonelada de carbono.

Hoje, essa tonelada poupada no Brasil, no setor sucroalcooleiro, está sendo vendida a US$ 5 a US$ 6. Estima-se que vá para US$ 15.

O setor tem o que comemorar, então, com o bom momento para o álcool, o crédito de carbono, a energia de biomassa entrando na matriz elétrica brasileira…

Tenho visitado vários países produtores de açúcar e posso afirmar que o Brasil é o único país em que se vê um processo de ebulição e de crescimento. Isso se deve à competitividade conquistada, ao mercado interno que cria uma base de demanda que sustenta uma produção importante. As perspectivas são muito boas e acredito que estamos chegando a um novo ciclo da cana-de-açúcar do Brasil.

Com essa dianteira no cenário mundial, o Brasil deixa de ser um player para se tornar um bookmaker, ou seja, dar as cartas do jogo?

Não sei se existe essa pretensão. Mas independente disso, o Brasil tem influenciado, sim. As discussões que têm ocorrido na Bolsa de Nova York para a constituição do mercado futuro de etanol têm sido realizadas com grande participação do Brasil.

O Brasil participa ainda de discussões das reformas dos contratos mundiais de açúcar cru e refinado em Nova York e Londres, respectivamente.

Atualmente, pelo que detém nesses mercados, o Brasil passou a ser ouvido em todos esses foros. É interessante observar como o Brasil está influenciado nesses mercados de forma despretensiosa. Está ocorrendo como uma coisa natural pelo peso que o país possui nos mercados.

O senhor acha que, a exemplo do que ocorre no setor petrolífero, pode ocorrer uma OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) do álcool?

Isso é uma besteira. Deus me livre! Tomara que não ocorra nunca porque isso é cartel e cartel não funciona. Queremos um mercado livre onde haja competição e busca de eficiência.

Nunca se viu, pelo menos na história recente do Brasil, um momento de turbulência política, como o que presenciamos, tão dissociado do cenário econômico, com quase nenhuma influência sobre o desempenho econômico. O senhor acha que isso se sustenta por muito tempo?

Espero que sim. Apesar da crise política que nós temos hoje em algumas áreas de governo, a crise não atingiu o presidente Lula, o ministro Antonio Palocci, da fazenda, o ministro Roberto Rodrigues (nem vai), da Agricultura, e nem o Luiz Furlan, do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior. Enquanto essa tríade estiver intacta, junto com o presidente, os fundamentos da economia vão continuar fortes e isso vai ser superado sem grandes impactos para a economia.

Não acredito que existe o risco de uma contaminação da crise política com os fundamentos fortes da área econômica.

Quais seus hobbies prediletos?

Gosto de caminhar, nadar, ler, viajar, bons vinhos, bons amigos. Em férias gosto de viajar com minha família, minha esposa e meus três filhos. As melhores férias foram em Fernando de Noronha, Amazônia e Europa, em particular a Itália.

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