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“O aquecimento global não é o vilão da crise hídrica de São Paulo”

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A crise hídrica que afeta o Sudeste levou a uma busca por explicações para a ausência das chuvas. A hipótese mais forte, segundo meteorologistas e ativistas, é que o aquecimento global seja a razão por trás do calor e seca sem precedentes. O planeta estaria sofrendo as consequências das emissões do CO2 causadas pelo homem: temperaturas extremas, desequilíbrio ambiental, falta d’água. Na última quinta-feira, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alertou que a estiagem e a crise hídrica de vários países, provocadas pelas mudanças climáticas, pode levar a conflitos entre as nações. Para Augusto José Pereira Filho, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo e um dos maiores especialistas do Brasil em recursos hídricos e previsões climáticas, a explicação é outra.

Com sua experiência de meteorologista com títulos e qualificações em instituições como a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), Pereira Filho desmente as relações entre a estiagem que vivemos e o desmatamento da Amazônia ou o acúmulo de CO₂. Em seu gabinete da universidade, rodeado por dados de radares, satélites e dados dos milímetros de chuva que caem na região metropolitana de São Paulo, prevê com a precisão que a ciência atual é capaz de oferecer que essa crise se tornará rotina: a próxima deve atingir o Sudeste entre 2019 e 2024.

“Esse fenômeno é causado por fatores como a era geológica em que vivemos e o movimento atmosférico natural do planeta. Trata-se de um ciclo que tem ocorrido a cada cinco ou dez anos”, afirma.

Ação do homem — O cientista também questiona a certeza de que o homem está por trás do aquecimento global. Nosso impacto, diz Pereira Filho, é determinante apenas localmente. Para o planeta, somos um dos inúmeros e complexos fatores a influir em suas condições meteorológicas — e estamos longe de ser os mais fortes.

Nesta entrevista, Pereira Filho afirma que ainda existem incertezas sobre o funcionamento de mecanismos climáticos e meteorológicos básicos, como o ciclo da água ou das nuvens. Nessa área, a ciência esbarra em limitações que tornam impossível afirmar que há apenas uma causa para explicar nevascas, secas ou tempestades inesperadas. São conjuntos de fatores que, unidos, trabalham para gerar as temperaturas e eventos que conhecemos. E, às vezes, eles surpreendem.

Na última quinta-feira, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alertou que a seca e a crise hídrica de vários países, causadas pelas mudanças climáticas, pode levar a conflitos. Há relação entre o aquecimento global e a seca que o Sudeste enfrenta? O aquecimento global não é o vilão da crise hídrica de São Paulo. Essa crise acontece porque as nuvens sumiram justamente na estação chuvosa de São Paulo. A região metropolitana é uma ilha de calor, isto é, mais quente do que o seu entorno por causa da poluição, concreto e asfalto. Esse fenômeno favorece as chuvas e, por isso, chove muito mais na cidade que no passado. Os anos de 2010 a 2013 estão entre os dez mais chuvosos da história de São Paulo.

Como pode estar mais seco e chover mais? Não há falta de chuva? Está chovendo mais, mas nos lugares errados. Chove sobre a capital, que é uma ilha de calor, mas não está chovendo sobre o sistema Cantareira. São regiões que passam por situações meteorológicas diferentes. O ano de 2014 não é o ano mais seco da história da cidade de São Paulo, mas o 13.º no ranking.

Então por que essa seca é vista como histórica? A região metropolitana está mais quente, mais seca e com poucas nuvens. Assim, quando a chuva se forma, são tempestades intensas devido ao excesso de calor e umidade trazida pela brisa do mar — que evaporam rapidamente por causa das altas temperaturas. Além disso, com o calor, as pessoas consomem mais água, agravando sua falta nos reservatórios. Em janeiro, de acordo com nossas medições, choveu acima da média na cidade de São Paulo.

Os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que em janeiro em São Paulo houve apenas 156,2 milímetros de precipitação, abaixo da média histórica (de 1943 a 2015) de 262,4 milímetros. Por que o senhor diz que choveu mais? A estação do IAG tem dados diferentes, que mostram que choveu 261 milímetros, ou seja, 40 milímetros acima da média histórica (de 1933 a 2014) de 220 milímetros. Essa diferença nas medições acontece porque a estação do Inmet está no mirante de Santana, um lugar que se modificou muito nos últimos sessenta anos, com ocupação e construções. Já a estação do IAG está sobre um lago no Parque do Estado, na capital. Como essa é uma área protegida, ela não sofreu alterações significativas desde que foi construída e, assim, é capaz de registrar apenas as variações climáticas. Em meteorologia, sutilezas como essas são muito importantes.

Então não é possível confiar nos dados? É prudente saber de onde vêm. Estações meteorológicas, pluviômetros, radares e satélites são equipamentos sensíveis e que precisam de manutenção constante. É difícil conhecer as condições de todos os equipamentos para saber exatamente a qualidade dos dados. Pode haver interferências de todo o tipo nas informações. Se um pluviômetro está no meio da floresta e um passarinho faz seu ninho sobre ele, os dados são alterados.

Outra hipótese levantada sobre as causas da seca no Sudeste é o desmatamento na Amazônia. Há alguma relação? Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O papel da Amazônia é transferir a umidade do Atlântico para o Sudeste e Sul. A Amazônia é uma dádiva do Oceano Atlântico. A floresta também sofreu com a falta de chuvas. A seca está relacionada, entre outros fatores, à ausência da Zona de Convergência do Atlântico Sul. Esse fenômeno, caracterizado por nuvens e massas de ar frio que atraem a umidade da Amazônia e a injeta no Sudeste, trazendo chuvas, de início se deslocou em direção à Bahia e, em seguida, deixou de acontecer.

(Fonte: Veja)

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