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O álcool agora é dos EUA

Quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, veio pela primeira vez ao Brasil, em março de 2011, uma das grandes expectativas sobre seu encontro com a colega Dilma Rousseff era o anúncio da abertura do mercado norte-americano ao etanol brasileiro, atendendo um velho pleito. Poucos meses depois, o cenário se alterou radicalmente e, de maior e mais competitivo produtor de biocombustíveis e potencial líder global das exportações, o Brasil se tornou um dos principais importadores de gasolina e do etanol de milho vendido pelos norte-americanos.

A saturação da capacidade de refino do país, que corre contra o tempo para inaugurar três grandes refinarias até 2015, se agravou com os sucessivos recordes anuais de vendas domésticas de veículos, que chegam à marca de 13 mil unidades por dia. A consolidação do quarto maior mercado automotivo do mundo ainda ampliou desequilíbrios no setor sucroalcooleiro, já afetado por falta de investimento, quebras de safras e maior procura mundial por açúcar.

Graças à adição compulsória de álcool à gasolina, os fatos levaram a uma impensável importação gigantesca de etanol de milho norte-americana. Em 2011, o país importou dos EUA 1,1 bilhão de litros, um aumento de 1.384,8% sobre 2010. A tendência é de os volumes importados continuarem altos este ano. Um ano depois, Dilma retribui a visita de Obama, com uma realidade que praticamente inverteu a pauta bilateral de negociações no setor energético.

“Chegamos a este cenário em razão da falta de planejamento de longo prazo. Faltaram sinais claros do governo ao mercado de como a frota de veícul os e a oferta de combustíveis fósseis e renováveis iria evoluir, levando ao descompasso”, comenta Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Essa oscilação se deve também à mudança de perspectiva do país na área de energia: de potência em combustíveis renováveis a dono de uma das maiores reservas mundiais de petróleo, indicada pelas sondagens do pré-sal (20 bilhões de barris).

O novo contexto muda também a tônica do novo encontro de cúpula em comparação à calorosa acolhida de Lula ao “companheiro” George W. Bush, em 2007, que festejou o biocombustível de cana-de-açúcar como vedete. Não demorou muito para o presidente brasileiro anunciar o salto do país na área petrolífera nos anos seguintes. Em paralelo, o Congresso dos EUA acabou, no fim do ano passado, com subsídios de US$ 6 bilhões anuais e a tarifa de importação sobre o etanol brasileiro após mais de três décadas de renovações. O mercado norte-americano também caminha para a mistura de etanol à gasolina, começando com 15%.

PETRÓLEO Para completar, a conversa entre Dilma e Obama ganhou explosivos ingredientes geopolíticos, movidos pelo petróleo e representados pela crescente tensão nas relações EUA–Irã. O avanço mais expressivo da demanda dos países emergentes a partir de 2008 e as recentes turbulências em grande produtores de petróleo no mundo, como a Líbia, e de outras do Oriente Médio, como Iraque, sustentam cotações do barril do petróleo muito acima dos US$ 100, hoje no patamar de US$ 125. Os valores dificultam a recuperação da economia mundial e ainda impulsiona a inflação brasileira.

Com o pré-sal, o Brasil se tornou estratégico para o futuro do mercado de petróleo e derivados, juntamente com os outros polos formados pela faixa do Orinoco (Venezuela) e o Golfo da Guiné. Politicamente, o país também tem a vantagem de ser um alvo não conflituoso de investimentos, ao contrário da Venezuela, líder na produção do continente sulamericano.

Remessa s que aem superam as que entram

Brasília – O novo papel econômico mundial do Brasil também já se reflete nas transações correntes. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra que, pela primeira vez, as remessas de estrangeiros residentes no país feitas ao exterior superaram as transferências unilaterais realizadas por imigrantes brasileiros. Isso significa que está mais fácil para os gringos encherem o bolso aqui do que para os “brasucas” conseguirem poupar lá fora.

As transferências realizadas por estrangeiros que vivem no Brasil aos seus países de origem somaram US$ 2,1 bilhões em 2011, enquanto as remessas dos brasileiros, no caminho inverso, ficaram em US$ 2 bilhões. Segundo a análise anual realizada pelo Fundo Multilateral de Investimentos (MIF, sigla em inglês), do BID, o país foi o único entre os latino-americanos e caribenhos em que houve queda no volume remetido (da ordem de 5%), na comparação com 2010.

“O que a gente percebe é uma r edução no volume de recursos, tanto no total das remessas quanto no número de ordens de pagamento realizadas. E a tendência é de que esse fluxo de envios feitos pelos imigrantes para o Brasil continue diminuindo”, admite o diretor de Negócios Internacionais do Banco do Brasil, Admilson Monteiro Garcia.

Dados do Banco Central apontam que, levando-se em conta somente as remessas feitas para os Estados Unidos, foram US$ 291 milhões em 2011 — ou seja, mais de 10% do total enviado pelos trabalhadores estrangeiros que residem no Brasil. Ainda assim, segundo Monteiro, a tendência é de que esse montante mantenha-se em patamar elevado. “Os brasileiros estão investindo muito no exterior, comprando imóveis, e precisam enviar recursos para o pagamento de taxas. Da mesma forma, muitas multinacionais preferem ter um executivo expatriado, trabalhando no Brasil, do que contratar um aqui, onde a mão de obra qualificada custa caro”, avalia.

A trajetória recente do norte-americano Michae l Nicklas, 43 anos, espelha o aumento do interesse dos estrangeiros pelo Brasil. Após ter trabalhado como executivo da área de tecnologia nos Estados Unidos, ele mudou-se para o Rio de Janeiro em 2009, buscando novas oportunidades de negócio. E não se arrepende. “Logo vi que esse mercado tem muito potencial no Brasil. Há muitas pessoas criando softwares e, ao mesmo tempo, muitas querendo consumir inovações”, diz Nicklas.

Por outro lado, o executivo percebeu que faltava um local virtual para que todos se encontrassem. “Nos Estados Unidos, há muitos blogs que fazem o meio de campo entre empreendedores, investidores e consumidores”, conta. Com esse propósito, criou um blog de startups (empresas inovadoras) no país, financiado pelo fundo Social Smart, constituído por ele, que possui hoje entre US$ 200 mil e US$ 300 mil aplicados no país.

Nicklas conta que conhece muitos estrangeiros que vieram para o Brasil em busca de melhores oportunidades. “Aqui falta capital human o na área tecnológica, porque quando a bolha da internet estourou os jovens se afastaram desse ramo. Com isso, entre 2001 e 2006, perdeu-se uma geração de potenciais inovadores no país. Agora, tem muita gente vindo de fora em busca de chances no Brasil, onde há espaço para crescer”, afirma.

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