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O agropetismo

Acostumados a ganhar o voto dos representantes do agronegócio brasileiro quase por inércia, o PSDB e seu principal aliado, o DEM, iniciaram a disputa eleitoral deste ano com uma preocupação diferente. Resolveram dar prioridade aos contatos com o setor que emprega cerca de 26 milhões de pessoas e responde por aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. O candidato da oposição à Presidência, José Serra, nasceu no bairro operário da Mooca, em São Paulo, e sua intimidade com o setor pode ser aferida por uma brincadeira contada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O Serra viu pela primeira vez uma vaca na vida aos 50 anos de idade”, diz FHC, em tom de piada. Mesmo com essas credenciais, Serra, em apenas um mês de campanha, já visitou duas importantes feiras agrícolas e se encontrou com grandes produtores de café, carne, grãos, frutas e cana-de-açúcar.

TERRA ARADA

Para entender o motivo desse “privilégio” dado pelo PSDB ao agronegócio até agora, basta conferir a agenda da principal adversária do partido, a ex-ministra Dilma Rousseff, a candidata do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma praticamente fez os mesmos movimentos do tucano em direção aos empresários do setor e visitou as mesmas feiras que ele, a Agrishow, em Ribeirão Preto, São Paulo, e a ExpoZebu, em Uberaba, Minas Gerais, com uma diferença de poucas horas em relação ao concorrente.

Até 2002, o PT e seus candidatos encontravam dificuldades para transitar nos círculos dos grandes produtores rurais brasileiros, tradicionalmente ativos na doação de recursos financeiros aos candidatos, mas hostis aos petistas por causa de laços históricos de facções do partido com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O governo Lula, iniciado em janeiro de 2003, começou a melhorar essa relação. Apesar disso, na eleição presidencial de 2006, Lula foi derrotado pelo tucano Geraldo Alckmin em Estados onde o setor agrícola é forte: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

De lá para cá, o número de interlocutores do PT no agronegócio cresceu e as condições no campo se mostram mais favoráveis a Dilma neste ano do que as enfrentadas por Lula nas duas eleições presidenciais anteriores. A aproximação veio a reboque dos bons resultados da produção brasileira. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta para este ano uma safra recorde de cereais, leguminosas e oleaginosas de 146,5 milhões de toneladas – 0,4% maior que o recorde anterior em 2008. O diálogo melhorou também por causa da mediação do ex-governador de Mato Grosso Blairo Maggi (PR), hoje um dos coordenadores da campanha de Dilma na Região Centro-Oeste. Na disputa presidencial de 2002, Maggi ficou em cima do muro na disputa entre Lula e Serra no segundo turno. Na de 2006, Maggi só aderiu a Lula na disputa contra Alckmin no segundo turno.

Por enquanto, as principais entidades de produtores rurais evitam declarações de apoio porque negociam entre elas uma plataforma comum de reivindicações a ser apresentada aos candidatos. No entanto, mesmo integrantes da campanha de Serra reconhecem que há segmentos, como o dos usineiros de álcool e açúcar, que são mais simpáticos a Dilma que ao tucano. Lula, com sua defesa incansável do álcool como combustível, abriu as portas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para os usineiros e se tornou uma espécie de garoto-propaganda desse grupo. “Não declaro voto em ninguém, mas nunca tive preconceito com o PT porque conhecia Lula, e ele foi ótimo para o setor”, diz o usineiro paulista Maurílio Biagi Filho, do Grupo Maubisa.

Serra, em contrapartida, enfrenta resistências entre os usineiros. À frente do governo de São Paulo (de 2007 até março deste ano), o tucano manteve uma carga de impostos baixa para o setor (a menor do país), mas apertou o cerco contra a sonegação e a elisão fiscal. Isso gerou descontentamentos. A visita de Serra à Agrishow, uma feira de máquinas agrícolas em Ribeirão Preto, coração de uma das mais importantes regiões sucroalcooleiras do país, foi um importante gesto do tucano para se reaproximar dos usineiros. Na tentativa de manter a dianteira entre os empresários do agronegócio, Serra conta com o auxílio dos ex-ministros da Agricultura Pratini de Moraes e Francisco Turra e dos secretários de Meio Ambiente, Xico Graziano, e de Agricultura de São Paulo, João Sampaio Filho. Eles foram encarregados de elaborar o programa de governo de Serra para o setor. “A agricultura tem sido o sustentáculo econômico do país desde 1994”, diz Sampaio Filho. Do lado do DEM, Serra conta também com o apoio da senadora Kátia Abreu (TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura, que sonha com a possibilidade remota de virar a candidata a vice-presidente da chapa de oposição ao atual governo.

COLHEITA FARTA

O setor sucroalcooleiro não poupa elogios para o governo Lula

Para angariar votos no meio ruralista, outra arma dos tucanos é a exploração da desconfiança que alguns segmentos veem em Dilma. “Ninguém pode se esquecer de que Dilma não é o Lula”, diz o deputado federal Duarte Nogueira (PSDB), cuja base eleitoral é Ribeirão Preto. Contra esse tipo de ataque, Dilma conta com o aval da companhia do deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci. Ex-prefeito de Ribeirão Preto, Palocci tem bom trânsito com os empresários do agronegócio e esteve ao lado de Dilma durante a visita da candidata à Agrishow. Para afastar temores, Dilma também não perde uma oportunidade para dizer que é contra as invasões de terra. Questionada sobre o tema, afirma, mesmo sem citar o MST, que a “ilegalidade não pode ser premiada” e que “governo é governo, movimento social é movimento social”.

Nos Estados Unidos, onde a produção industrial e os serviços respondem pela maior parte das riquezas geradas pelo país, os candidatos à Presidência se desdobram para não criar problemas com o agronegócio, setor tradicionalmente protegido por pesados subsídios governamentais. Na Europa, onde praticamente não há terra disponível, o mesmo tipo de preocupação é mantido pelos governos na relação com os produtores. No Brasil, mesmo respondendo por um quarto do PIB nacional, o agronegócio sofre com a insegurança no campo, o aparelhamento político de órgãos públicos, a falta de planejamento e a infraestrutura precária. Segundo o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o engenheiro agrônomo Marcos Jank, outro problema é a “confrontação absurda entre agricultura e meio ambiente”. “O Brasil precisa preservar suas florestas, mas sem atrapalhar a agricultura”, diz Jank. Os desejos dos produtores rurais, em resumo, se confundem com os da maioria dos brasileiros. Que a atenção dos candidatos dispensada a eles agora na campanha não acabe depois de abertas as urnas.

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