Mercado

O açúcar da discórdia no Mercosul

A Argentina mostra-se tão protecionista quanto europeus e americanos. O superávit da balança comercial do agronegócio somou US$ 11,281 bilhões no primeiro semestre deste ano – valor 49,8% maior que o apresentado no mesmo período de 2002. É um desempenho fantástico. Enquanto os negócios agrícolas são os principais protagonistas da pauta nacional exportadora, as relações entre Brasil e União Européia (UE) enfrentam outro impasse. Desta vez foi criada uma inédita barreira contra a castanha, sob a justificativa de que a taxa de aflatoxina é maior que a permitida. Não me canso de dizer que protecionismo desperta protecionismo. Café, suco de laranja e algodão também sofrem sanções internacionais. A questão da castanha constitui-se, assim, no mais recente obstáculo que se soma aos subsídios europeus a seus produtores de açúcar e que, segundo estimativas, geram perdas de US$ 900 milhões ao País.

Há, no entanto, outras pendengas, talvez mais urgentes, como o imbróglio que envolve Brasil e Argentina para incorporar o açúcar à pauta do Mercosul. O problema se arrasta desde o início dos anos 90. O açúcar brasileiro sofre penalidades tarifárias em razão dos impostos de importação e da taxa calculada em face da variação dos preços no mercado internacional. Pelo lado argentino, os produtores locais formataram um lobby eficiente que dificulta qualquer tipo de abertura. Dentre as explicações oficiais, disseminou-se o consenso de que as condições de produção do açúcar em nosso território são financiadas pelo subsídio destinado ao álcool. Essa versão transformou-se em verdade absoluta, e não é nada disso. O Itamaraty obviamente não aceita a argumentação, mas procura levar a negociação em banho-maria, sem confrontos.

Não há como negar que, na década de 80, havia sim um intenso apoio governamental à produção do álcool, hoje desmantelado em virtude da modernização da lavoura, da política de inserção do Brasil no comércio exterior e da não-intervenção do governo na produção. E é nesse ponto que se instala o fosso entre as duas nações: a indústria açucareira argentina tornou-se obsoleta, ineficiente e, portanto, incapaz de caminhar com as próprias pernas. Não consegue oferecer um produto tão competitivo quanto o nosso. Na verdade, ninguém alega a competitividade, ou a falta dela, como pano de fundo para explicar as tarifas impostas pelo vizinho.

O Brasil aposta no fortalecimento do Mercosul para aumentar o poder de barganha em outras negociações internacionais. O governo Lula avalia que a consolidação do acordo só trará benefícios do ponto de vista comercial e político aos sócios. Nestor Kirchner, presidente da Argentina, discursa em favor do bloco e defende alinhamento com as posições brasileiras. No que diz respeito ao açúcar, porém, o apoio é mera peça de retórica. Será que temos de fazer com a Argentina em relação ao trigo o mesmo que fazem conosco em relação ao açúcar? Não é nosso estilo recrudescer e ir para o perde-perde como contrapartida. Mas e se fizéssemos isso?

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