Não é novidade nenhuma dizer que a biomassa da cana faz a bioeletricidade avançar na matriz energética brasileiro.
Aliás, essa geração (ou cogeração, no jargão do setor) só tende a avançar caso as usinas empreguem outras fontes de biomassa, caso de cavaco de madeira e casca de arroz.
Mas têm novos modelos de negócios vindo por aí.
É o caso das usinas híbridas integradas usando biomassa sólida (bagaço), biogás, fonte solar, gás natural, incluindo a participação de baterias (Sistemas de Armazenamento de Energia).
Não para por aí.
Esses novos modelos tendem a crescer seja no mercado de micro e minigeração distribuída (MMGD), como pode avançar no mercado livre de energia, segundo Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
Confira entrevista exclusiva de Zilmar para o JornalCana:
JornalCana – Como está a participação em capacidade instalada ou geração de usinas de cana no mercado de Geração Distribuída e de Mercado Livre?
Zilmar de Souza – Em termos de Micro e Minigeração Distribuída (MMGD), a participação da biomassa ainda é pouco representativa, com espaço para avançar.
Levantamento inédito da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), com base em dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), mostra que, até 31 de janeiro de 2024, o país tem 26.532 MW instalados em MMGD, porém com a geração baseada em bagaço de cana representando apenas 10 MW e, com o biogás produzido na agroindústria, totalizam 14 MW.
Quando se trata de MMGD, a principal fonte de geração é a solar, com 26.264 MW, ou seja, 99% da capacidade instalada no país em MMGD até 31 de janeiro deste ano.
JornalCana – E no Mercado Livre?
Zilmar de Souza – Já do lado do Mercado Livre, a geração pela biomassa é bem mais representativa.
Segundo levantamento da UNICA, a partir de dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), de janeiro a novembro do ano passado, 72% da geração da biomassa para a rede foi destinada para o Mercado Livre, representando 19.104 GWh, ou o equivalente à geração somada das térmicas a gás e óleo no país, no mesmo período. Entre janeiro e novembro de 2023, em relação ao mesmo período de 2022, a geração para o Mercado Livre cresceu 9%.
Avanço da biomassa:
JornalCana – Como a bioeletricidade pode atuar na nova etapa do Mercado Livre, em vigor desde janeiro, na qual empresas com energia contratada em alta tensão, podem migrar para esse ambiente de venda? Estima-se em 72 mil as unidades ligadas em alta tensão que podem migrar para o Mercado Livre.
Zilmar de Souza – Há anos, a oferta de bioeletricidade à rede preponderante tem sido àquela destinada ao Mercado Livre, estando no “DNA” dessa fonte de geração a oferta para aquele mercado.
É uma fonte de geração consolidada nesse mercado e com atributos que todos conhecem, como a renovabilidade, não intermitência e geração no período seco, que gabaritam a bioeletricidade a expandir e aproveitar as oportunidades que surgirão no Mercado Livre, com a abertura para a alta tensão, caminhando para o atendimento às cargas de baixa tensão, no futuro.
JornalCana – O que é preciso fazer para ampliar essa participação?
Zilmar de Souza – Conforme mencionei, de janeiro a novembro do ano passado, 72% da geração da biomassa para a rede foi destinada para o Mercado Livre.
Precisamos estimular a expansão da oferta de bioeletricidade para o Mercado Livre e isto passa também por estimular a contração de novos projetos no Mercado Regulado e via MMGD também.
Termos a expansão crescente da oferta de bioeletricidade, com os atributos que o Mercado Livre exigirá cada vez mais (renovabilidade, não intermitência, geração descentralizada etc.). Isso é essencial para ajudar a garantir a sustentabilidade desse movimento de fortalecimento do Mercado Livre de energia no país.
JornalCana – A nova etapa do Mercado Livre e o mercado de Geração Distribuída, em crescimento, servem de estímulo para as companhias sucroenergéticas ampliarem a cogeração?
Zilmar de Souza – Atualmente, segundo a UNICA, com base em dados da ANEEL, a biomassa em geral tem 17.410 MW em potência outorgada no país e o setor sucroenergético representa 71,4% deste total, com 12.436 MW instalados.
O que preocupa são estimativas recentes do Operador Nacional do Sistema (ONS) que mostram a provável evolução da capacidade instalada até 2028: enquanto a biomassa crescerá 7,8% entre 2024 e 2028, as térmicas a óleo e diesel crescerão 9,6%.
Temos um tesouro renovável e sustentável que é o potencial da bioeletricidade e precisamos estimular seu aproveitamento e as oportunidades que surgirão no Mercado Livre e na MMGD serão fundamentais para que possamos crescer muito mais que o esperado nos próximos anos.
JornalCana – O que é preciso ser feito pelo governo etc para que a bioeletricidade torna-se atrativa para atuar no Mercado Livre e no crescente mercado de GD?
Zilmar de Souza – Conforme mencionado, o país tem 26.532 MW instalados em MMGD e, segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), até 2028, esse mercado crescerá para 42.657 MW, ou seja, aumentará mais de 60% em poucos anos.
Para a biomassa aproveitar mais a opção da MMGD seria importante estimular a participação do biogás e parcerias envolvendo a fonte solar nas diversas modalidades da MMGD.
Além da própria modalidade da MMGD chamada geração junto ao consumo, é importante continuar incentivando também o autoconsumo remoto e a geração compartilhada e permitir, no futuro, considerando o avanço da abertura de mercado.
Enfim, sugere-se que a ANEEL comece a avaliar comandos regulatórios necessários para se permitir que consumidores participantes da MMGD e de seu Sistema de Compensação possam participar também do Ambiente de Contratação Livre, para a venda de excedentes ou a compra de energia complementar à compensação via MMGD.
JornalCana – O que precisa evoluir?
Zilmar de Souza – Com relação ao Mercado Livre, o funcionamento efetivo das liquidações financeiras no mercado de curto prazo e a regulamentação para se permitir a valoração adequada dos atributos ambiental e geoelétricos da bioeletricidade são algumas das questões que precisam evoluir para permitir que a bioeletricidade continue expandindo no Mercado Livre de energia.
JornalCana – É possível que uma companhia sucroenergética programe cogeração na entressafra de 2024 e venda para entrega nesse período, via comercializadora de Mercado Livre, e com contrato?
Zilmar de Souza – É um modelo de negócios possível, mas sempre é importante ter uma contratação com certo tempo de antecedência para permitir o planejamento das usinas e a geração na entressafra, para termos a disponibilidade de biomassa e do parque termelétrico na entressafra.
Além disso, obviamente, é importante cada usina verificar a sustentabilidade econômica de tal modelo de negócio, que pode depender de fatores internos à usina ou externos, como as variáveis microeconômicas dos setores sucroenergético e elétrico brasileiros.
JornalCana – Caso não haja subprodutos de cana disponíveis para essa cogeração ‘extra’, a companhia sucroenergética pode recorrer a outras biomassas (madeira, cavaco, casca de arroz e de laranja) para cumprir a entrega da bioeletricidade contratada no Mercado Livre?
Zilmar de Souza – Sim, é possível, conforme mencionei, sempre observando o planejamento estratégico e condições operacionais de cada usina.
Há a oferta de outras biomassas complementares como cavaco de madeira, casca de arroz etc. ou mesmo bagaço de outras usinas.
Além disso, ainda temos espaço para avançar com o uso da palha e o aproveitamento do biogás da própria usina, podendo aumentar a geração na safra ou expandindo na entressafra, dentro das possibilidades de cada usina.
Adicionalmente, novos modelos de negócios podem prosperar.
JornalCana – Que negócios são esses?
Zilmar de Souza – Por exemplo: usinas híbridas integradas utilizando biomassa sólida, biogás, fonte solar, gás natural, incluindo a participação de baterias (Sistemas de Armazenamento de Energia).
Tudo isto permitirá não somente a mitigação de riscos comerciais (com a geração também na entressafra), como também o uso mais eficiente dos ativos de geração e das redes de transmissão e distribuição que servem as usinas, e as economias de escala e escopo que surgirão desses arranjos de governança.
Delcy Mac Cruz
Esta matéria faz parte da edição 349 do JornalCana . Para ler, clique aqui.